Padre de SP ataca "ofensiva homofóbica": "é uma velhacaria"
Pároco em Itaquera há 33 anos falou sobre panfleto em missa que condenava "ofensiva homofóbica, fundamentalista e histérica do Congresso"
São 61 anos de idade, 35 de sacerdócio e 33 deles em uma única paróquia: a Nossa Senhora do Carmo, em Itaquera, zona leste de São Paulo. Mas foi só esta semana que a agenda de entrevistas do padre Paulo Sérgio Bezerra ganhou uma relevância que o religioso nunca havia visto. O motivo: uma oração da missa de domingo passado, cuja imagem no panfleto viralizou nas redes sociais.
Em uma emblemática “Oração dos Fiéis”, os presentes eram conclamados a suplicar contra “a ofensiva homofóbica, fundamentalista e histérica presente no Congresso Nacional” e a enfrentar situações como essa “com ousadia e serenidade” e em defesa de “causas libertárias”. Outro trecho pedia pelo diálogo sobre as sexualidades, para que isso levasse “as igrejas cristãs a superar a demonização das relações afetivas”. A criminalidade sexual – que fez o Brasil liderar o ranking de assassinatos de homossexuais, ano passado – seria citada outras duas vezes, pelo fim dela, bem como para que os direitos individuais pudessem ser resguardados a cada indivíduo.
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A reportagem ouviu esta semana padre Paulo sobre a repercussão que a oração ganhou na internet e sobre quais seriam, afinal, as “causas libertárias” que deveriam contrapor a chamada “ofensiva homofóbica” citadas na oração. De acordo com o religioso, elas vêm sendo apresentadas uma a cada domingo, no planejamento feito já há um ano. Vão desde a ameaça sofrida por povos indígenas – tanto por terras demarcadas quanto por fatores ambientais – a questionamentos sobre felicidade e corrupção.
“Devemos confrontar corrupção e felicidade: o que é um, o que é outro, e como se pode avançar pela felicidade sem ser corrupto. Falamos também sobre as ‘sexualidades’, assim mesmo, no plural, bem como sobre a crise política e a onda conservadora que tem avançado na sociedade; falaríamos sobre democratização da mídia e censura, mas nosso convidado não pôde vir, trocamos o tema”, explicou padre Paulo, que fez questão de pontuar: “Não estamos desconectados de nada que o papa Francisco vem pedindo – por exemplo, sobre casais que não dão mais certo juntos, e, moralmente, devem se separar. Não queremos brigas, mas precisamos soltar a língua e parar de ter medo de falar aquilo que precisa ser dito”, justificou.
A cada domingo de manhã, conforme o padre, o tema expresso na “oração dos fiéis”, durante a liturgia, é discutido durante a missa com um convidado. Além dos teólogos e sociólogos que já participaram, as duas últimas celebrações “libertárias” do ciclo terão o deputado federal Chico Alencar (PSOL) para falar sobre a crise política e a onda conservadora, neste domingo, e, no seguinte (5), o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, para falar sobre a importância dos movimentos sociais como forma de participação política.
A ofensiva contra a população LGBT voltou a ganhar terreno este mês com a 19ª Parada do Orgulho LGBT, realizada em São Paulo. No evento, a atriz transexual Viviany Beleboni desfilou sobre uma cruz e despertou a ira, principalmente, da bancada evangélica da Câmara Federal, que ameaçou votar o projeto de lei que torna a “Cristofobia” crime hediondo. Dias antes, no entanto, o pastor Silas Malafaia, líder da igreja Assembleia de Deus, já havia polemizado ao publicar um vídeo chamando os evangélicos a boicotarem os cosméticos de “O Boticário”, depois que a marca lançou uma campanha com casais homoafetivos para o Dia dos Namorados.
Na semana passada, em entrevista ao Terra, o deputado federal e pastor Marco Feliciano (PSC-SP) atacou a manifestação artística da Parada – “foi grave, o País todo se revoltou” – e sugeriu que “as lésbicas, os gays, eles não creem nos ensinamentos dEle”.
Para o padre da paróquia de Itaquera, faltam “interpretação de texto e entendimento de romance e poesia” tanto a Malafaia quanto a Feliciano.
“Se Malafaia, Feliciano e companhia são cristãos, têm que ler o Antigo Testamento sob a ótica de Cristo - e não pegar poucos enunciados da Bíblia e usá-los fora de contexto: isso é desonestidade intelectual, velhacaria. Deveriam antes fazer um curso de literatura, não de teologia, para entenderem romance, poesia, figuras de linguagem. Se prestassem hoje um vestibular, com certeza reprovariam só pela interpretação de texto”, ironizou. "Se Jesus não deixou que apedrejassem uma mulher pecadora, como essas pessoas fazem leituras sem olhar todo o contexto? Só pode ser por interesse em algum projeto político de país teocrático", criticou.
Indagado sobre a recepção da agenda liberal na comunidade, o padre garantiu que a maioria dos fieis tem se mostrado aberta ao diálogo sobre os temas. “Até temos pessoas que não concordam com os temas trazidos, mas são sete comunidades, lideranças e pastorais, e posso dizer que, nesses meus 33 anos de trabalho na paróquia, são algumas gerações e a gente vai educando”. Se o arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer, já interferiu nas temáticas abordadas? “Ele sabe de tudo o que eu faço. Não faz oposição, nem incentiva – mas tem respeito por aquilo que a gente faz”, concluiu o pároco, destacando que a igreja não está subordinada à Arquidiocese de São Paulo, mas à Diocese de São Miguel Paulista, também na zona leste.
Nesse sábado, entretanto, dom Odilo se manifestou sobre as preces da igreja de Itaquera e as considerou "inadequadas". "O padre Paulo Bezerra não pertence ao clero da Arquidiocese de São Paulo e não perguntou a opinião do arcebispo de São Paulo sobre suas iniciativas", descreve a nota, que encerra: "O Arcebispo de São Paulo considera inadequadas as citadas 'preces' para a celebração litúrgica, que não deve ser instrumentalizada para luta ideológica de nenhum tipo."