Padre sírio vira referência para refugiados no Brasil
Natural de Homs, a cidade conhecida como berço da guerra civil na Síria, um padre de 39 anos se tornou referência para os refugiados sírios em Belo Horizonte.
George Rateb Massis organiza o acolhimento de 77 conterrâneos, a maior parte deles jovens de 21 a 34 anos que fugiram do conflito na terra natal. E o número cresce aos poucos dia a dia.
Com ajuda da Arquidiocese de Belo Horizonte e de doações - sobretudo da comunidade síria em BH, estimada em até 75 mil pessoas -, Massis coordena uma casa matriz onde os imigrantes são recebidos.
Após um período de adaptação, que inclui aulas de português e busca por trabalho, os refugiados passam a viver em apartamentos, que funcionam como repúblicas com até oito pessoas.
O grupo ocupa hoje 16 imóveis na cidade - a Igreja ajuda nas despesas de quem não conseguiu trabalho.
A maioria dos refugiados sírios em BH são cristãos - grupo que representa apenas 10% da população do país de maioria muçulmana. Muitos vêm de famílias de classe média e possuem educação superior, e deixaram o país para evitar se envolver no conflito.
Padre George diz não ter restrições a ninguém - lembra que chegou a receber um muçulmano que acabou não se adaptando e voltou, e que é natural que a comunidade cristã recorra a ele como uma referência no Brasil: "Temos (cristãos e muçulmanos) uma longa história de vida juntos (na Síria)."
Ruínas e destruição
O conflito sírio começou em 2011, com protestos por mudanças políticas inspirados nos levantes da Primavera Árabe em outros países da região.
O governo de Bashar Al-Assad usou força militar para sufocar os protestos, o que só alimentou a revolta. A oposição se organizou em grupos armados e o país explodiu em violência, motivando um dos maiores fluxos de refugiados da história recente.
Segundo o Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), do Ministério da Justiça, 2.077 sírios receberam asilo do governo brasileiro de 2011 até agosto deste ano. É a nacionalidade com mais refugiados reconhecidos no Brasil, à frente da angolana e da congolesa.
Nascido na vila de Zaidal, nos arredores de Homs - a terceira maior cidade da Síria e considerada um bastião rebelde até 2014, quando foi retomada pelo governo -, o padre visitou a região no final de 2013, quando o cenário já era de destruição.
"De longe temos a ideia da guerra na cabeça, mas foi muito triste ver marcas de sangue nas paredes, barreiras para checagens em todos os lugares, a faculdade em que estudei, a maioria das ruas, tudo em ruínas", afirmou.
A maioria da comunidade síria em Belo Horizonte é cristã e pró-governo, assim como os refugiados. O padre, contudo, prefere apontar interesses internacionais por trás do conflito.
"A paz não dá lucro, é a guerra que dá, por isso há todos esses patrocinadores da guerra, e os sírios estão pagando caro por isso", diz.
Sobre o agravamento da crise migratória na Europa - alimentada em grande parte pelo êxodo sírio -, Massis questiona as intenções de países da região que agora se comprometem a acolher refugiados.
"Como a União Europeia, primeira a castigar a Síria economicamente (com embargos impostos pelo Ocidente contra o governo), tem tanto carinho para acolher os refugiados? Será que eles serão os novos escravos do século 21?", afirma.
Adaptação
No Brasil desde 2003, o religioso acaba fazendo às vezes de pai dos jovens conterrâneos, com conselhos sobre segurança e hábitos culturais. "Virei o homem das regras", disse uma vez em entrevista à imprensa local.
Para ele, as principais dificuldades na vida nova dos refugiados têm sido o choque cultural e a busca por emprego. "Se com a crise econômica os brasileiros estão sofrendo com falta de trabalho, imagine os refugiados." O padre convocou a imprensa local nesta semana para fazer um apelo ao empresariado por oportunidades aos imigrantes.
A convivência com os brasileiros também passa por momentos turbulentos. George já relatou casos de uma vizinha que disse "não aguentar" a presença dos sírios e outro refugiado foi agredido com um copo de café com leite no rosto por um cliente da padaria em que trabalha.
Esse não é o caso de Yazan Elias, morador de Homs de 22 anos, que chegou à capital mineira há três meses e por ora é só elogios. "Tenho recebido muita ajuda das pessoas", afirma ele, que está trabalhando em um bar.
Como outros colegas, Elias ainda tem dedicado pouco tempo a atividades extra-trabalho - tardes no tradicional clube sírio da cidade e as missas do padre George são algumas opções.
Para o padre, há quem tenha dificuldade em distinguir qualquer morador de um país árabe de um radical islâmico. Embora ressalte a importância da ajuda, ele afirma que os conterrâneos não estão em busca de caridade.
"Eles vêm aqui para trabalhar, fazer a vida e mudar a história de violência do mundo", afirma.
Quem tiver interesse em colaborar com os refugiados sírios na capital mineira pode contatar a campanha Juntos pela Síria, uma iniciativa da Arquidiocese de Belo Horizonte.