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Páginas alertam moradores do RJ sobre violência em tempo real nas comunidades

6 dez 2016 - 06h37
(atualizado às 08h01)
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Assaltos, tiroteios e confrontos são publicados em perfis no Facebook que chegam a ter 220 mil seguidores.
Assaltos, tiroteios e confrontos são publicados em perfis no Facebook que chegam a ter 220 mil seguidores.
Foto: Reprodução / BBC News Brasil

O webdesigner João Paulo do Nascimento não sai de casa ou volta para o bairro onde mora, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, sem dar uma olhadinha no Facebook. E não é para ver o que os amigos estão postando ou conversar no chat, mas para evitar locais violentos e caminhos pelos quais ele não deve passar por causa de algum incidente.

João se refere especificamente a alguns perfis criados no Facebook e que trazem informações em tempo real sobre assaltos, tiroteios, confrontos entre criminosos e a polícia e outros problemas causados pela violência em comunidades, como as páginas Jacarepaguá Notícias RJ, Taquara dá Depressão, Taquara News, Jacarepaguá On Line e CDD Acontece - essa última na Cidade de Deus.

"Eu acesso para saber onde dá para passar, e se o caminho que eu vou fazer é seguro. Na verdade, essas páginas se tornaram uma espécie de 'horóscopo' que você tem que ler todo dia antes de sair ou voltar pra casa e milhares de pessoas fazem isso. Visualizam estas páginas para ver se tá tudo tranquilo ou não...", conta.

Conteúdo

A CDD Acontece também traz informações sobre serviços realizados na comunidade
A CDD Acontece também traz informações sobre serviços realizados na comunidade
Foto: Reprodução / BBC News Brasil

As páginas têm administradores que fazem a seleção das informações, mas são alimentadas com notícias enviadas pelos próprios moradores via mensagens no Facebook, WhatsApp e até por telefone.

Carla Sicco tem 35 anos, mora na Cidade de Deus desde os 12 e criou a CDD Acontece em 2011. De lá para cá, já criou até um aplicativo relacionado ao trabalho que realiza. Atualmente a página tem mais de 73 mil curtidas e mais de mil acessos por dia. Alguns dos posts chegam a ter centenas de compartilhamentos. Ela conta que a ideia de criar a página veio de um problema familiar.

"Minha sobrinha comentou um dia que teria que ir ao Centro resolver o problema de um documento e eu falei que tinha um lugar pertinho da casa dela, no Caratê, onde ela poderia fazer isso e ela não sabia. Foi aí que eu percebi que as notícias ruins sobre nossa região tomam grandes proporções, e as boas acabam não tendo tanta adesão. E nem os moradores conhecem direito o lugar onde moram."

Por isso, além de reportar sobre problemas na região, a página também divulga informações úteis sobre a comunidade como vagas em escolas, abertura e fechamento de creches, vagas de emprego e até sobre os direitos que os moradores têm em momentos de operações policiais no local.

"Não trabalho sozinha, mas administro e apuro tudo sozinha e tenho fontes muito boas. Eu chego a receber mais de cem mensagens por dia, só no WhatsApp são 4,5 mil pessoas conectadas. Eu sou uma cidadã mobilizadora, e com isso ajudo a melhorar a comunidade onde eu moro", diz.

Interlocução

Carla Siccos começou a página para mostrar as coisas boas da comunidade
Carla Siccos começou a página para mostrar as coisas boas da comunidade
Foto: Arquivo pessoal / BBC News Brasil

A trajetória da página Jacarepaguá Notícias RJ é um pouco diferente. Henrique* que preferiu não se identificar porque diz receber muitas ameaças de criminosos da região, decidiu criar o perfil, que traz informações sobre a região na zona XX do Rio de Janeiro, por causa de um drama pessoal que tem relação direta com a violência que ele tenta divulgar e prevenir através da página.

"Eu sofri um assalto violento em 2013 quando vim morar aqui em Jacarepaguá. Eu saí de carro e estava sem nada para entregar para os ladrões e por isso eu quase morri, apanhei muito. Aí decidi criar a página para divulgar o que acontece aqui no bairro - tanto para os moradores quanto para mostrar para a imprensa o quanto o bairro estava violento".

A página tem mais de 222 mil curtidas e traz várias postagens sobre assaltos e problemas do bairro. Além de ajudar a comunidade e intermediar os problemas com diferentes órgãos públicos, as informações recebidas pela página através de mensagens no Facebook e WhatsApp também são passadas para policiais que atuam na região.

"Assim que recebemos as informações, alertamos a polícia, mandamos mensagem na mesma hora. Já ajudamos em várias operações. Mas também cobramos autoridades com as reclamações dos moradores, e entramos em contato para pedir ajuda dos órgãos como subprefeitura, empresa de água, etc".

Henrique afirma que muitas vezes as reclamações sobre problemas como falta d'água, etc, são mais eficazes quando feitas para a página do que quando moradores vão direto às autoridades.

"Já recebi vários retornos de que reclamar pela página é mais eficiente. As vezes tem morador que se cansa de recorrer aos órgãos públicos, vem até nós, a gente faz uma postagem, entra em contato com as autoridades e consegue encaminhar o problema até que seja resolvido".

Uma das postagens mais recentes da página ilustra exatamente essa relação. O post afirma que "atendendo aos pedidos do Jacarepaguá Notícias RJ, em parceria com a Subprefeitura da Barra e Jacarepaguá, a Cedae está fazendo o conserto do Vazamento de água da Rua Cândido Benício esquina com a Rua Albano".

No caso do CDD Acontece, o retorno sobre as melhorias na comunidade a partir de postagens da página é o mesmo.

"Percebi que tinha muita gente que trabalhava prefeitura que estava seguindo o perfil, e aí eu comecei a mostrar os problemas. O primeiro foi o lixo, que era um problemão na Cidade de Deus, começamos a bater nessa tecla até que Comlurb (empresa de lixo do RJ) chamou a gente para avisar sobre a implantação dos 'laranjões' na comunidade", conta Carla Siccos.

Cláudia se refere aos contêineres de lixo da cor laranja que foram espalhados por algumas regiões do Rio de Janeiro.

"De lá para cá, o problema do lixo melhorou em 80%", conta.

A página também atua para intermediar problemas entre a comunidade e os órgãos públicos
A página também atua para intermediar problemas entre a comunidade e os órgãos públicos
Foto: Reprodução / BBC News Brasil

Mas são os alertas sobre violência em tempo real os que mais trazem impacto para os moradores. João Paulo conta que, no dia em que o helicóptero com quatro policiais caiu na Cidade de Deus, matando quatro PMs, ele se salvou por causa de um alerta do CDD Acontece.

"Nenhum grande veículo de comunicação ainda tinha começado a reportar sobre o conflito, mas as páginas Jacarepaguá Notícias RJ e CDD Acontece já estavam nos passando informações desde as primeiras viaturas policiais que chegaram na Cidade de Deus. Eu estava em um ônibus indo para o centro quando começamos a achar estranho o trânsito. Aí todos pegaram os seus celulares atrás de informações e vimos vários amigos compartilhando notícias destas páginas sobre o conflito que se formava ali. Como o trajeto do ônibus passava pela região, uma senhora levantou, foi até o motorista e disse para ele não passar pela Cidade de Deus pois estava havendo um tiroteio. Então o motorista fez o retorno e fomos guiando ele pois algumas ruas e estradas estavam sendo interditadas pela polícia com informações destas páginas. Por isso, cheguei em casa intacto".

Profissão

A página do CDD Acontece fez várias postagens alertando a população no dia da queda de um helicóptero na comunidade
A página do CDD Acontece fez várias postagens alertando a população no dia da queda de um helicóptero na comunidade
Foto: Reprodução / BBC News Brasil

Além de ajudar os moradores, os criadores das duas páginas também mudaram a vida deles por causa da atividade.

Carla Siccos está no terceiro ano de jornalismo no Ibmec e decidiu seguir a profissão depois do sucesso e da prestação de serviço que vem realizando com o CDD Acontece. Ela trabalhou como arquivista, atendente e teve outras profissões, mas fez o Enem e usou o ProUni para conseguir entrar na faculdade.

"Acho que parte do que eu faço é fortalecer a cidadania das pessoas e por isso mesmo como jornalista, vou continuar sendo uma mobilizadora".

Henrique, atualmente engenheiro de audiovisual, também vai tentar entrar para a faculdade de jornalismo no ano que vem.

"Eu acabei gostando muito. A gente cresceu bastante em pouco tempo e acho que a cobertura da imprensa é essencial para melhorar a comunidade".

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