Pazuello admite saída, mas diz que não pedirá demissão do comando da Saúde
O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, admitiu nesta segunda-feira que vai deixar o cargo, mas fez questão de dizer que não pedirá demissão, em meio a tratativas feitas pelo presidente Jair Bolsonaro para encontrar um substituto para a pasta no momento em que o Brasil enfrenta o pior momento da pandemia de Covid-19.
"O cargo é do presidente da República. Existe essa possibilidade desde o dia que eu entrei. Poderia ficar no curto prazo, médio prazo ou longo prazo. Estamos a médio prazo. O presidente, sim, está pensando em substituição, está avaliando nomes", disse Pazuello em entrevista coletiva concedida para apresentar balanço das ações de enfrentamento ao coronavírus.
Com o Brasil atingindo recordes de mortes por Covid-19, com média de quase 2.000 por dia na semana passada, e a vacinação em ritmo lento, a saída de Pazuello ganhou força no fim de semana, quando Bolsonaro convidou a médica Ludhmilla Hajjar para assumir o cargo.
No domingo, o próprio Pazuello chegou a participar de uma conversa no Palácio do Planalto com Bolsonaro e Hajjar sobre a troca do comando da pasta, mas a médica disse nesta segunda-feira que rejeitou o convite alegando "principalmente motivos técnicos".
Na entrevista desta segunda, Pazuello destacou que não está doente, não pediu para sair e que isso não é da característica dele. "Eu não vou pedir para ir embora", disse.
Segundo o ministro, o próximo titular da pasta deverá manter a linha de atuação atual. "É continuidade, não há rompimento. Continuidade na missão, os senhores não estão acostumados com isso. Estão acostumados com o político largar a caneta e ir embora. Nós não somos assim", afirmou Pazuello, que é general do Exército.
A saída do ministro foi acertada em uma reunião na noite de sábado entre os ministros militares e o presidente no Hotel de Trânsito do Exército, onde Pazuello vive, segundo uma fonte ouvida pela Reuters.
O acordo foi negado depois pelo Ministério da Saúde, mesmo com o Palácio do Planalto confirmando o encontro entre Hajjar e Bolsonaro no domingo à tarde, no Palácio da Alvorada.
No Congresso, parlamentares do centrão aliados do governo cobram uma mudança na Saúde em meio ao pior momento da pandemia no Brasil, e diversos nomes começam a circular para assumir a pasta.
De acordo com uma fonte parlamentar, um dos cotados é o médico cardiologista Marcelo Queiroga para satisfazer a necessidade de um nome técnico. No Congresso, no entanto, a pressão é pelo deputado Dr. Luizinho (PP-RJ), ortopedista que já foi secretário de Saúde do Rio de Janeiro.
Voltou a circular também o nome do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), que foi ministro da Saúde no governo de Michel Temer. Barros nega ter interesse no cargo.
STF E CPI
Pazuello assumiu o cargo em maio do ano passado como interino após o pedido de demissão de Nelson Teich, que ficou menos de um mês após substituir Luiz Henrique Mandetta. O general foi efetivado em setembro e acatou as principais direções do presidente, ao contrários do antecessores que discordavam de Bolsonaro.
Pazuello acumula queixas de demora no avanço da vacinação no país, ajuda aos entes federados, defesa de medicamento sem eficácia comprovada e falta de empenho em liderar o enfrentamento à crise sanitária, incluindo eventual responsabilidades no colapso da saúde pública de Manaus, onde pacientes de Covid-19 morreram por falta de oxigênio.
A atuação do ministro o levaram a ser alvo de uma investigação criminal pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por omissão e a um pedido de CPI no Senado.
Por outro lado, Bolsonaro sempre deu respaldo público à atuação de Pazuello, tendo já o chamado de "excelente ministro" e "tremendo de um gestor". Contudo, a avaliação sobre o presidente piorou nos últimos dias, segundo pesquisas, em meio à demora da vacinação e o agravamento da pandemia no país.
A se confirmar a troca de comando da Saúde nos próximos dias, o Brasil terá o quarto ministro da pasta em um ano de pandemia.
FALTA DE CONFLUÊNCIA
Ao justificar sua decisão de rejeitar o cargo, a cardiologista Hajjar declarou-se contra o tratamento defendido por Bolsonaro com medicamentos como cloroquina e ivermectina, e a favor de medidas de isolamento --duramente criticadas por Bolsonaro-- para deter o avanço da Covid-19 no país.
"Fiquei muito honrada pelo convite do presidente Bolsonaro. Tivemos dois dias de conversa, mas, infelizmente, acho que esse não é o momento para que eu assuma o ministério", disse a médica em entrevista à CNN Brasil.
Questionada sobre as razões que a levaram a negar o convite, afirmou que foram "principalmente por motivos técnicos".
"Eu sou médica, sou uma cientista, sou uma especialista em cardiologia e unidade de terapia intensiva. Toda a minha expectativa em relação a pandemia, o que eu vi, o que eu aprendi, está acima de qualquer ideologia, de qualquer expectativa que não esteja pautada em ciência", afirmou.
O nome de Hajjar foea levado a Bolsonaro por diversos parlamentares, como o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), para substituir Pazuello.
Apesar da defesa do nome da cardiologista por ministros e por Lira, que chegou a escrever uma nota em apoio a ela em sua conta no Twitter, a reação da ala ideológica do governo e dos apoiadores mais radicais de Bolsonaro foi rápida e agressiva.
Rapidamente surgiram perfis falsos de Hajjar nas redes sociais com informações inventadas. Foram encontrados e usados contra a médica um vídeo em que ela manda um beijo para a então ex-presidente Dilma Rousseff. Um outro áudio, falso, em que ela ofenderia o presidente também circulou nas redes. Assessores próximos de Bolsonaro chegaram a retuitar --e depois apagaram-- tuítes com informações falsas contra a médica.
Hajjar diz que os ataques não foram decisivos para sua recusa e que não tem medo, mas confessou que ficou assustada com a virulência dos ataques que sofreu em apenas um dia como possível ministra. Ela contou que tentaram invadir seu quarto de hotel duas vezes, espalharam seu celular em diversos grupos de mensagens e que foi ameaçada de morte.
Ao ser questionada sobre o que Bolsonaro disse sobre mudanças no tratamento da epidemia e o que faltou para que pudesse assumir o ministério, Hajjar revelou que ele não foi claro, mas centrou sua preocupação na queda no desempenho econômico do país.
"Acho que faltou uma confluência de ideias, faltou entrarmos em linhas de convergência. Acho que presidente ficou muito preocupado de a minha gestão não agradar alguns grupos e ao mesmo tempo sofrer muitos ataques de outros", afirmou.