'PEC das Praias' volta a caminhar no Congresso: os argumentos favoráveis e contrários ao projeto
Projeto, que já tramitou na Câmara, pode voltar a ser avaliado pela CCJ do Senado nesta quarta-feira (04/12).
A PEC das Praias, projeto que pretende transferir alguns terrenos da União para proprietários privados e governos locais, deve voltar a caminhar no Congresso nesta quarta-feira (04/12), quando estará na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
A PEC trata dos chamados terrenos de marinha, áreas na costa marítima em uma faixa de 33 metros a partir de uma linha média traçada em 1831. Hoje, esses terrenos pertencem à União, mas muitos na prática são ocupados — e são esses que teriam sua propriedade transferida.
Se for votado e aprovado na comissão, o projeto poderá seguir para votação no plenário da Casa. Lá, precisaria de apoio de pelo menos três quintos dos senadores (49). Entretanto, se houver modificação substancial do texto no Senado, ele precisaria voltar para votação na Câmara, sua origem.
De acordo com o jornal O Globo, senadores aliados do governo federal devem pedir vista do projeto na CCJ, postergando sua tramitação. Membros do governo já haviam manifestado anteriormente serem contrários ao projeto.
Em julho, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) teve parecer favorável do relator na CCJ, Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Ele acrescentou um trecho abordando o maior temor dos críticos da PEC — a suposta "privatização" das praias que seria decorrente do projeto.
"As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar", diz o acréscimo feito por Flávio Bolsonaro, que costuma destacar que a PEC não trata das praias, e sim de terrenos de marinha.
Em entrevista à CNN Brasil, o parlamentar defendeu que a transferência da propriedade, a qual em muitos casos seria cobrada, traria maior arrecadação aos cofres públicos.
Além disso, ele propôs uma emenda que criaria, com esses pagamentos, um fundo nacional para investimentos em saneamento básico nas regiões de praias e rios.
"Eu acredito que nós temos maioria sim, tanto na CCJ quanto no plenário. Eu conversei com diversos senadores, inclusive que são da base do governo, e é praticamente uma unanimidade. Praticamente todos os Estados têm terrenos que são terrenos de Marinha que têm problemas de favelização, de insegurança jurídica", exemplificou Flávio Bolsonaro na entrevista à CNN, na segunda-feira (02/11).
Entretanto, aqueles que se opõem ao projeto seguem temerosos.
O senador Fabiano Contarato (PT-ES), membro da CCJ e da Comissão de Meio Ambiente, ainda vê "risco de privatização" das praias, mesmo com trechos que explicitam o caráter público delas.
"A proposta transfere a regulamentação para os planos diretores dos municípios, o que pode gerar uma diversidade de legislações em pelo menos 280 municípios do nosso país, que ficam no litoral — alguns sem coordenação adequada e sob pressão do lobby e do mercado imobiliário interessado na mudança", escreveu Contarato à BBC News Brasil.
"Na prática, o projeto ainda pode levar a barreiras de acesso, como cobranças ou restrições, conforme regulamentação municipal."
O senador do PT destaca ainda o momento em que o projeto volta a tramitar na CCJ — ele acusa políticos de direita de levar para votação temas "polêmicos", como a PEC das Praias e a PEC do Aborto, para "desviar o debate público" acerca de investigações da Polícia Federal sobre planos golpistas após a derrota nas urnas de Jair Bolsonaro (PL), em 2022.
Ambientalistas também têm apontado riscos da PEC, como a extinção de manguezais, restingas e falésias que frequentemente estão no meio dos terrenos de marinha.
"Estes terrenos são estratégicos para enfrentar as mudanças climáticas, além de contribuírem com a adaptação aos efeitos resultantes dos eventos extremos, como a elevação do nível do mar e a erosão costeira", diz um texto da Frente Parlamentar Ambientalista publicado nesta segunda-feira.
Outra preocupação que foi apontada ao longo da tramitação foi com a segurança nacional — os terrenos de marinha foram instituídos no tempo do Império, com a vinda de Dom João 6º e da Família Real ao Brasil.
Essas terras eram destinadas à instalação de fortificações contra invasões marítimas. Por isso, a transferência dessas propriedades poderia eventualmente colocar o país em risco diante de ataques estrangeiros.
Mas, para o senador Flávio Bolsonaro, a necessidade de defesa do território contra invasão estrangeira mudou.
"Atualmente, essas razões não estão mais presentes, notadamente diante dos avanços tecnológicos dos armamentos que mudaram os conceitos de defesa territorial", disse em seu parecer.
Outros pontos da PEC
O projeto original é de autoria do ex-deputado federal Arnaldo Jordy e foi aprovado na Câmara em fevereiro de 2022.
O texto propõe a transferência dos territórios de marinha para ocupantes particulares, Estados e municípios.
Estados e municípios receberiam gratuitamente a propriedade daqueles terrenos que já tiverem construções de prédios públicos. Habitações consideradas de "interesse social" também teriam a transferência gratuita.
Já ocupantes particulares poderiam receber a titularidade do terreno mediante pagamento.
E a União ficaria com áreas utilizadas pelo serviço público federal, áreas não ocupadas e aquelas abrangidas por unidades ambientais federais.
A PEC também manteria como pertencente à União trechos considerados de interesse de segurança nacional.
A proposta proíbe a cobrança do laudêmio (uma taxa) pela União quando houver a transferência.
O assunto ganhou ainda mais repercussão quando foi abordado por celebridades. No fim de maio, a troca de acusações entre o jogador de futebol Neymar e a atriz Luana Piovani sobre o assunto viralizou.
Nessa segunda-feira, Luana Piovani voltar a compartilhar conteúdo crítico à proposta.
A repercussão pública se refletiu em uma consulta pública no site do Senado, onde a PEC teve mais de 160 mil votos contrários e 2 mil favoráveis.