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Perseguição, disparos, pouso forçado: como são feitas interceptações de aviões suspeitos no céu do Brasil

Na semana passada, uma aeronave foi abatida por militares e submergiu em um lago em Corumbá. Nas fuselagens, a polícia encontrou 500 quilos de cocaína.

30 abr 2018 - 18h09
(atualizado às 19h48)
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A aeronave que dá o tiro de detenção é a A-29
A aeronave que dá o tiro de detenção é a A-29
Foto: Ten Enilton/Agência Força Aérea / BBC News Brasil

A tensão aumenta rapidamente no céu brasileiro: um avião bimotor suspeito sobrevoa a região de fronteira entre o Brasil e a Bolívia. A Força Aérea Brasileira (FAB) intercepta o avião com três aeronaves e um radar. Os militares acreditam que o veículo transporta drogas. O piloto, advertido várias vezes, não obedece à ordem para que mude a rota.

Os militares, então, recorrem ao recurso extremo: o tiro de detenção. Logo que o disparo é feito, o piloto faz um pouso forçado em um lago na região do Pantanal, em Corumbá (MS). O avião submerge.

As cenas da interceptação em Corumbá, na última quarta-feira (25), chamam a atenção por um fato raro: foi a segunda vez que a FAB usou o tiro de detenção desde que a medida foi autorizada pela legislação brasileira, em 2004. A única ocorrência anterior foi em 2015.

Apesar de o abate de aeronaves ser raro, interceptações sem tiros acontecem quase diariamente no Brasil. De acordo com a FAB, que monitora os céus do país 24 horas por dia, nos últimos dois anos foram 1.281 interceptações de aeronaves desconhecidas no espaço aéreo brasileiro. Apenas no ano passado, o procedimento foi feito 829 vezes.

A fiscalização do espaço aéreo é feita por meio de radares que cobrem todo o território nacional, além de partes do Oceano Atlântico. A FAB também utiliza aviões-radar E-99, capazes de identificar, em uma distância de até 450 quilômetros, aeronaves em baixa altitude - característica comum de voo entre os aviões em situação irregular. São alvos não só aeronaves suspeitas de envolvimento com narcotráfico, mas qualquer avião com falhas de identificação.

Quando há um movimento suspeito detectado pelos militares, as informações são repassadas ao Comando de Operações Aeroespaciais (Comae), em Brasília, que aciona, caso necessário, aeronaves de caça, como os jatos supersônicos F-5M e os aviões A-29.

O avião-radar E-99 é o modelo usado para as interceptações
O avião-radar E-99 é o modelo usado para as interceptações
Foto: Agência Força Aérea / BBC News Brasil

As etapas da interceptação

Os procedimentos para a interceptação têm início após a FAB identificar, por meio dos radares, a aeronave em possível situação irregular. Para que suspeite da legalidade do avião, a Força Aérea avalia informações como a documentação do veículo e o plano de voo, considerado essencial para que um avião possa trafegar pelo espaço aéreo.

Diante da suspeita de irregularidade, o Comando de Operações Aeroespaciais aciona aeronaves de interceptações. Para cada avião da FAB, há um grupo de militares - denominado esquadrão de defesa aérea - que possui uma equipe composta por piloto, mecânico da aeronave de alerta, mecânico para a operação do armamento e auxiliar. O grupo permanece de prontidão para ser chamado quando o radar identificar um tráfego aéreo desconhecido ou ilícito.

Em caso de localização de um avião suspeito, uma sirene é acionada em solo e o piloto corre em direção à aeronave, que já está preparada para o procedimento. Em poucos minutos, o militar decola. Ele somente é informado sobre os detalhes da missão após deixar o solo. O condutor da aeronave passa a seguir orientações do Centro Integrado de Defesa Aérea.

De acordo com a FAB, a quantidade de aeronaves que participam do procedimento de interceptação varia conforme o tamanho da ação.

A partir do início do procedimento, o piloto passa a cumprir as Medidas de Policiamento do Espaço Aéreo (MPEA). A primeira fase é de averiguação, para determinar a identidade da aeronave, além de vigiar o seu comportamento. Nesse momento, a aeronave da FAB não deve ser percebida pelo piloto suspeito.

As informações sobre o avião sob investigação são repassadas para a autoridade de defesa aeroespacial. Por meio do sistema informatizado da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o status do avião é analisado: a matrícula deve corresponder ao modelo da aeronave, ao nome de seu proprietário, à validade do certificado de aeronavegabilidade, entre outros dados que constam no sistema da Anac.

Caso permaneçam dúvidas depois da checagem de registro, militares da FAB tentam fazer um interrogatório ao piloto da aeronave suspeita, utilizando a frequência internacional de emergência, de 121.5 ou 243 MHz. O avião de Defesa Aérea emparelha à aeronave suspeita e, por meio de uma placa na janela, mostra a frequência na qual o rádio deve ser colocado, para que possam ter contato. Sinais visuais também podem ser usados.

Caso o piloto sob suspeita não responda a nenhuma das medidas, a FAB inicia uma intervenção e determina que o avião suspeito mude de rota. Posteriormente, ela ordena que o veículo supostamente irregular faça pouso obrigatório. A aterrissagem deve acontecer no local indicado pela Força Aérea. A comunicação entre a aeronave de defesa e o avião suspeito é feita pelo rádio, em todas as frequências disponíveis, e também por meio de sinais visuais.

Medidas de Policiamento Aéreo da FAB
Medidas de Policiamento Aéreo da FAB
Foto: BBC News Brasil

Os tiros

Se ainda assim, o piloto da aeronave ignorar os comandos da FAB, serão executados tiros de advertência, com munições traçantes. Os disparos são feitos em uma área lateral à aeronave supostamente irregular, de forma visível, porém sem atingir o veículo. O objetivo da medida é fazer com que o condutor da aeronave obedeça à ordem de pouso.

O tiro de advertência também passou a ser permitido no Brasil em 2004. O procedimento foi utilizado pela primeira vez em junho de 2009, quando pilotos da FAB dispararam em ação contra um monomotor que transportava 176 quilos de cocaína, em Rondônia. Logo após os tiros de advertência, o piloto do monomotor pousou. Não foi necessária a utilização do disparo de detenção.

A medida considerada a mais extrema somente é usada quando os procedimentos anteriores não fazem com que o piloto pouse a aeronave. Neste caso, o avião é considerado hostil e passa a estar sujeito à medida de detenção que, conforme a FAB, "consiste na realização de disparo de tiros com a finalidade de provocar danos e impedir o prosseguimento do voo da aeronave transgressora."

A ação deve acontecer em áreas que não sejam densamente povoadas e que sejam relacionadas com rotas suspeitas de serem usadas para o tráfico de drogas. Todo o procedimento deve ser registrado em gravação de áudio ou vídeo.

O caça de ataque leve A-29 Super Tucano é o responsável pelos tiros de aviso e de detenção. Para o procedimento, ele utiliza duas metralhadoras ponto 50 (12,7 mm).

Os Abates

Foi o que aconteceu em 24 de outubro de 2015. De acordo com a FAB, o monomotor Neiva EMB-721C, suspeito de transportar drogas, desobedeceu todos os comandos da Força Aérea. Tiros foram disparados contra a aeronave, que só encontrada dois dias após a operação, em Paranavaí (PR). O avião tinha uma das asas danificada.

Mais de dois anos depois, na última quarta-feira, a FAB voltou a utilizar o tiro de detenção. Conforme a Força Aérea, um avião bimotor - também suspeito de carregar droga - retornava da Bolívia, não tinha plano de voo e estava com matrícula falsa. Três aeronaves A-29 e um avião-radar E-99 teriam ordenado duas vezes, por meio de rádio, que o piloto mudasse a rota e fizesse pouso forçado em Cuiabá (MT).

Uma aeronave de defesa chegou a disparar um tiro de aviso em direção ao avião suspeito. No entanto, ainda assim o piloto não pousou. Os militares atiraram e forçaram o pouso em um lago na região do Pantanal mato-grossense, em Corumbá, na divisa entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A FAB não confirmou se o disparo chegou a atingir a aeronave.

Na manhã de quinta-feira (26), uma força-tarefa formada por equipes da FAB, da Polícia Federal, do Grupo Especial de Fronteira (Gefron) e do Centro Integrado de Operações Aéreas (Ciopaer) da Polícia Militar de Mato Grosso localizou a aeronave suspeita submersa no lago do Pantanal.

A fuselagem foi retirada da água e, dentro dela, os agentes encontraram 500 quilos de cocaína. Conforme a Força Aérea, havia duas pessoas na aeronave. Nenhum dos ocupantes do avião foi localizado. Equipes da Polícia Federal e do Gefron realizaram buscas na região, mas não localizaram os tripulantes.

O narcotráfico

Um dos crimes mais praticados por meio dos vôos clandestinos no Brasil, o narcotráfico representa a maior preocupação da FAB. A prática é mais comum em regiões de fronteira. Grande parte dos últimos aviões apreendidos com droga vinha da Bolívia. Algumas das aeronaves utilizadas para o crime são fruto de roubo ou de sequestro. Há também aquelas que, até então, estão em situação legal.

O Tenente-brigadeiro Carlos Vuyk de Aquino, com 45 anos de experiência na FAB, afirma que os pilotos que transportam droga costumam utilizar aviões de pequeno porte, como monomotores. "Normalmente são aeronaves operadas por apenas um piloto, fato que possibilita uma maior capacidade de transporte de carga. Em alguns casos, as aeronaves são alteradas, com a instalação de tanques extras de combustível, por exemplo, visando aumento da autonomia de voo", diz.

Conforme a Polícia Federal, a cocaína trazida ao Brasil vem da Colômbia, Peru e Bolívia, produtores do entorpecente, além do Paraguai. Já em relação à maconha, a origem é o Paraguai.

Segundo a PF, parte das substâncias ilícitas trazidas ao Brasil - considerado o segundo mercado consumidor mundial de droga - é consumida aqui. O resto abastece o mercado europeu. "A droga chega de aeronave, normalmente no Centro-Oeste, e depois por via terrestre chega aos portos e daí à Europa", explica a Polícia Federal, por meio de nota.

Depois da apreensão

As investigações sobre as aeronaves interceptadas são de responsabilidade da Polícia Federal. Os aviões apreendidos ficam à disposição da Justiça, que pode determinar, entre outras medidas, que os veículos sejam usados por instituições públicas brasileiras.

Já as substâncias ilícitas costumam ser incineradas, por decisão judicial. O piloto e outros tripulantes da aeronave podem ser presos em flagrante, caso sejam encontrados no local. Posteriormente, podem responder pelo crime de tráfico de droga com o agravante de tráfico internacional, caso fique comprovado que eles tinham relação com os itens apreendidos.

Não há dados oficiais que detalhem a evolução do tráfico de drogas aéreo no Brasil. Para o tenente-Brigadeiro Vuyk, no entanto, o controle do tráfego aéreo tem reduzido as práticas ilegais. "À medida que o Sistema de Defesa Aeroespacial Brasileiro foi crescendo, observou-se um amadurecimento dos membros que o compõem, fato que tem se refletido em resultados extremamente positivos no policiamento do espaço aéreo Brasileiro".

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