Pesquisa: aumentam as mortes violentas fora do eixo Rio-SP
Dados inéditos compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que o Brasil registrou 15.932 mortes por crimes violentos nas 27 capitais em 2014, o equivalente a quase duas pessoas por hora.
A taxa é maior do que as 15.804 mortes registradas em 2013 e os números também revelam que Campo Grande, Teresina e Porto Alegre foram as capitais com maior aumento da taxa de crimes violentos, enquanto Rio de Janeiro e São Paulo registraram queda.
Nas capitais de Mato Grosso do Sul, Piauí e Rio Grande do Sul houve em 2014 um aumento dos casos de homicídios dolosos, lesão corporal seguida de morte e latrocínio da ordem de 36,5%; 33,7% e 23,2%, respectivamente, em comparação com os números do ano anterior. Nestas cidades, as taxas de mortes violentas por cada 100 mil habitantes ficou em 18,9; 53,1 e 40,6; respectivamente.
Já São Paulo e Rio registraram queda de 4,3% e 6,4%, respectivamente, também em relação aos mesmos índices de 2013, com taxas de 11,4 e 20,2 mortes violentas por cada 100 mil habitantes.
Fortaleza e Salvador ficaram no topo do ranking, com as duas maiores taxas de mortes violentas por 100 mil habitantes em 2014, respectivamente de 77,3 e 48,1.
O estudo também aponta que o país gastou R$ 71,2 bilhões com segurança pública em 2014, aumento de 16,6% frente aos R$ 61,1 bilhões gastos no ano anterior.
Metrópoles
Para os pesquisadores à frente da organização, os resultados do levantamento mostram que iniciativas feitas em alguns Estados vêm surtindo efeito, com a redução do número de mortes violentas, enquanto a resistência à adoção de novas políticas públicas em outras regiões se traduz na piora dos números.
Além disso, os dados mostram que as duas grandes metrópoles do país deixaram de ser as responsáveis pela piora dos indicadores, como em anos anteriores, e que não é possível isolar a violência a uma região, já que há números alarmantes e uma piora progressiva em Estados do Centro-Oeste, Nordeste e Sul.
"Apesar dos avanços no Rio e em São Paulo, o número nacional segue aumentando. O Sul, supostamente região mais estável, tem a menor taxa de crimes violentos do país em Florianópolis, mas em Porto Alegre há um expressivo aumento. No Nordeste temos Pernambuco como caso de boas políticas, mas outros Estados, como Bahia e Piauí, ainda têm realidades muito ruins", diz Renato Sérgio de Lima, professor de administração pública da FGV de São Paulo e vice-presidente do Conselho de Administração do Fórum.
O especialista ressalta que no país a média de mortes por crimes violentos é de 25,2 por 100 mil habitantes, enquanto nas capitais a taxa sobre para 33 mortes para cada 100 mil habitantes.
Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum, diz que apesar da manutenção da violência em torno dos grandes centros, os números mostram o resultado de esforços no Rio e em São Paulo, e uma "interiorização" da violência pelo resto do país.
"Nos últimos dez anos a gente observa um aumento significativo da violência letal nos Estados do Nordeste, com exceção de Pernambuco. Infelizmente ainda não conseguimos dar a boa notícia de que o número de mortes violentas diminuiu no país", diz.
Avanços e tripé
Na visão dos pesquisadores, os Estados que conseguiram reduzir as mortes violentas em suas capitais adotaram três frentes de trabalho.
"Pode-se dizer que é um tripé, composto por uma maior proximidade com a comunidade e participação popular, como em conselhos; pelo uso inteligente e transparente de ações e estatísticas; e por uma integração com o Ministério Público, melhorando as investigações e os processos", diz Lima.
São Paulo seria um bom exemplo disso, diz o especialista, sobretudo pela integração e a transparência, enquanto no Rio um dos maiores fatores para o sucesso dos indicadores seriam as UPPs, Unidades de Polícia Pacificadora, programa lançado em 2008 e que, apesar de enfrentar problemas, é um " de sucesso", avalia Lima.
Para Samira Bueno a integração das polícias também é fundamental. A especialista diz que nos Estados em que se implantou sistemas de metas compartilhadas entre as polícias Civil e Militar e onde houve um esforço, mesmo que mínimo, de integração das forças, viu-se uma melhora dos indicadores.
Porto Alegre, Campo Grande e Teresina seriam exemplos de relutância em adotar políticas de integração e transparência, onde a ideia do tripé ainda precisa ser muito mais incentivada, acredita Lima.
"A pesquisa esclarece que não estamos falando de um problema das maiores metrópoles ou de alguma região. De Nordeste a Sul, a violência é uma questão nacional, e precisamos dar mais urgência às respostas articuladas, como o Pacto Nacional de Redução de Homicídios", em fase de negociação entre o Ministério da Justiça e os Estados.
Resultado de uma série de acordos, o pacto visa priorizar nacionalmente a redução das mortes violentas e se traduz, na prática, em medidas como a aceleração dos julgamentos de homicídio nos tribunais, maior integração das polícias em todo o país, e a identificação das maiores fragilidades, dentre outras iniciativas.
Recursos e crise econômica
Embora o país tenha aumentado os gastos com o setor, os especialistas esclarecem que tratam-se, em grande parte, de despesas para manter o sistema em funcionamento, sobrando muito pouco para investimentos em expansão e melhorias.
Os grandes destinos da maioria dos recursos são as folhas de pagamento e previdência, além de custos operacionais.
"Aumentamos em R$ 10 bilhões os gastos de um ano para o outro. É algo expressivo, mas longe do necessário. Ainda estamos na média mundial dos países desenvolvidos, que tendem a gastar 1,3% do PIB em segurança, e é preciso ressaltar que gastar mais não é garantia direta de melhora dos índices de violência. É preciso gastar mas adotar políticas de integração dos esforços", diz Samira Bueno.
"Além disso, ainda temos polícias muito mal remuneradas em todo o país, e os R$ 71 bilhões gastos ainda se refletem muito pouco numa melhora da situação ou da percepção de segurança por parte da população", complementa.
Questionados sobre a crise econômica, os especialistas temem por cortes e advertem que o setor deveria ser tratado como prioridade pelo governo federal.