PIB cai 3,6% em 2016: saiba o que vai mal e o que começa a melhorar na economia brasileira
Retomada, recuperação, luz no fim do túnel. Desde o começo do ano, fala-se cada vez mais em um movimento de melhora da economia. Apesar de o PIB (Produto Interno Bruto) de 2016 ter caído 3,6%, segundo o IBGE, indicadores como inflação, juros e confiança vêm saindo do vermelho nos últimos meses.
O resultado do PIB anunciado nesta terça-feira traz um retrato ruim do ano passado, com uma retração de 0,9% apenas no quarto trimestre, mas os dados positivos citados acima levam analistas a prever crescimento daqui para frente.
Em janeiro, a inflação medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) ficou em 0,38%, a marca mais baixa para o mês desde 1979. Além disso, mais embalagens estão sendo produzidas e mais carga está sendo transportada pelas rodovias, de acordo com índices divulgados recentemente, o que indicaria um respiro da atividade econômica.
No entanto, esse otimismo parece distante para os que continuam sem trabalho. O desemprego ainda está subindo no Brasil, chegando a quase 13 milhões de pessoas em janeiro, e o endividamento continua alto.
Diante de sinais tão contraditórios, a BBC Brasil explica o que está acontecendo com alguns dos principais indicadores da economia e qual sua importância para uma recuperação.
O que vai bem: inflação e juros em queda
O leitor deve ter percebido que muitos produtos não estão tão caros quanto no ano passado. Pelo menos é isso que apontam os índices no começo de 2017. Em fevereiro, a prévia da inflação, o chamado IPCA-15, registrou uma alta de 0,54%, a menor para o mês desde 2012.
A taxa de inflação representa o aumento no nível dos preços. Se ela estiver alta, leva à perda do poder de compra do dinheiro. Por isso, quanto maior for a taxa, menos o dinheiro compra.
Mas a melhora desse número é consequência de uma recuperação da economia? Não, dizem os economistas. Muito pelo contrário.
Por que caiu?
Segundo a maioria dos entrevistados, o elemento que mais pesou na queda do IPCA foi a própria crise que provocou a redução da atividade econômica.
"Acho que, se a gente fosse identificar os principais componentes desse resultado, 80% foi por causa da recessão", diz a economista Monica De Bolle, professora da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos.
A lógica é simples: com as pessoas comprando menos, por causa do desemprego e da diminuição dos salários, empresários de vários setores se viram obrigados a reduzir preços.
"Ou rebaixa ou não vende", resume o professor de economia da FGV Paulo Sandroni.
Ao longo de 2016, diz Sandroni, os valores demoraram a cair, porque os donos dos negócios repassavam os altos custos para seus consumidores. Só mudaram de ideia quando perceberam que não havia outro jeito de atrair os clientes.
O fato de a redução do IPCA ser associada à crise acaba tornando-a negativa, diz o professor do Instituto de Economia da Unicamp Pedro Rossi.
"Foi uma queda com custo social muito alto, porque baseou-se na contração da demanda e no aumento do desemprego. A estratégia de austeridade esmagou o salário."
Objetivo dessa estratégia de austeridade do governo, o controle dos gastos públicos é visto por alguns entrevistados como um aspecto que contribuiu para uma inflação menor.
Quanto maior é a dívida do governo, mais dinheiro o Tesouro pode ter de "imprimir" para pagá-la. Com mais reais circulando por aí, o poder de compra da moeda cai - e a inflação sobe.
Em janeiro, as receitas federais ultrapassaram as despesas em R$ 18,96 bilhões. Logo, a pressão sobre o IPCA foi menor. Essa conta, porém, não inclui os gastos do governo com o pagamento de juros da dívida pública.
Outra ação que ajudou o indicador, de acordo com os economistas, foi manter a taxa básica de juros, a Selic, em níveis altos - prática também observada durante o mandato de Dilma Rousseff. Elevar a Selic é um dos instrumentos mais usados para controlar a inflação, porque ela deixa o dinheiro mais caro.
Com a inflação em queda, os juros também foram cortados. Neste mês, o Comitê de Política Monetária do Banco Central reduziu a taxa pela quarta vez seguida, de 13% para 12,25% - o patamar mais baixo desde o começo de 2015.
Eles fazem parte de uma retomada?
Como foi dito acima, a melhora desses indicadores veio também às custas da recessão. Afinal, que bem eles fazem para a economia?
Os efeitos da inflação menor são sentidos facilmente pelos consumidores: os preços caem. Os juros, se continuarem em declínio, podem tornar o crédito mais barato.
Mas isso não necessariamente significa que eles são as bases de uma retomada econômica - ou que estão fazendo parte desse processo.
Os economistas entrevistados hesitaram até em usar a palavra "retomada", que significaria uma volta ao crescimento econômico.
O que podemos estar experimentando, dizem, são respiros de uma situação que estava muito ruim. Inflação e juros mais baixos podem fazer parte de uma volta aos patamares de 2014 ou 2015, quando a crise já imperava, mas não tinha atingido o ponto dramático do ano passado.
"A queda da inflação e dos juros sinalizam, sim, o começo de uma recuperação, mas ainda é apenas um suspiro, um alívio no que a gente vem passando. Não é uma luz no fim do túnel apontando para uma solução mais estrutural", diz a professora Cristina Helena de Mello, da PUC-SP.
Para ela, sozinhos, os dois índices não conseguem protagonizar uma grande mudança.
Mello afirma que a queda da Selic, por exemplo, demora a chegar no cartão de crédito e nos empréstimos das financeiras, não facilitando a vida das famílias endividadas, que continuam sem comprar. Por outro lado, ela também não é determinante para a retomada dos investimentos.
"Quando a gente sobe a taxa de juros, os empresários adiam projetos de investimento, mas quando a gente diminui a taxa, isso não funciona do mesmo jeito. Eles vão olhar muito mais para o lucro do que para o custo do financiamento."
Anita Kon, também professora da PUC-SP, é mais otimista. Ela acredita que os dois indicadores positivos, ao lado de medidas de controle das contas públicas, criam um cenário propício para investir.
Com "a casa em ordem", diz a professora, os empresários se sentem mais confortáveis. Tanto que os índices de confiança estão aumentando e a produção da indústria cresceu na maioria das regiões pesquisadas pelo IBGE em fevereiro.
"Algumas empresas estão preparadas para voltar a investir se o ambiente for favorável."
Mas nem todas.
Kon e Mello concordam que as transformações precisam ser maiores para garantir um crescimento sustentável.
Para parte dos entrevistados, essas alterações passam por aquilo que o governo já está fazendo: estabelecer um teto para os gastos públicos e reformar a Previdência. Mas ainda seria necessário garantir a aprovação dessas medidas e sua aplicação no longo prazo.
Outros, no entanto, consideram que as prioridades estão equivocadas e que uma reforma tributária e outras alterações na administração da dívida pública seriam mais urgentes.
Apesar dos pontos de vistas diferentes, o objetivo das falas é semelhante: o desenvolvimento econômico precisa ter bases sólidas, a fim de que o empresário se sinta à vontade para investir e empregar - e para que a situação do país não piore de novo em pouco tempo.
"Senão vamos continuar crescendo como voo de galinha. Conseguimos fazer arbitrariamente alguma melhora, mas ela se esgota em dois, três anos", diz o coordenador do curso de Economia do Ibmec-MG, Márcio Salvato.
Vai mal: desemprego e endividamento
Se a queda dos juros e da inflação abre espaço para uma recuperação, o desemprego e o endividamento são entraves nesse processo.
A porcentagem de brasileiros sem trabalho continua crescendo e chegou a 12,6% em janeiro. Quase 13 milhões de pessoas estão fora do mercado formal, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, feito pelo IBGE.
Além de não receberem salário, muitos dos desempregados têm pendências a pagar. O endividamento tem caído nos últimos meses, mas ainda está alto: em janeiro, 55,6% das famílias tinham algum tipo de dívida. O número foi o menor desde junho de 2010, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, responsável pela pesquisa.
No entanto, entre os motivos da queda prevaleceram razões momentâneas, como a liberação do décimo terceiro salário.
Nesse cenário, é difícil fazer os brasileiros voltarem a consumir. Sem clientes à vista, os investidores temem retomar a produção. Quando não se tem emprego nem dinheiro sobrando, os juros menores não são suficientes para tornar um empréstimo atrativo.
"Você pode levar o cavalo para o poço, mas não vai obrigá-lo a beber água. Se minha renda está diminuindo, por que vou me endividar ainda mais?", diz o professor do Instituto de Economia da Unicamp Pedro Rossi.
Emprego é importante para uma retomada?
O desemprego é, portanto, "a chave da retomada", segundo a economista Monica De Bolle. Apenas a reentrada dessas pessoas no mercado de trabalho, diz a professora, vai elevar substancialmente os níveis de confiança.
"É preciso que o desemprego caia antes de falar seriamente em retomada. Só isso vai dar essa segurança ao consumidor."
Segundo os entrevistados, essas duas barreiras devem demorar a serem ultrapassadas.
Os dados positivos da economia podem até aumentar a taxa de desemprego, diz o professor Márcio Salvato. Com notícias sobre uma suposta recuperação, pessoas que tinham desistido de procurar trabalho podem voltar às agência de emprego, engrossando as estatísticas do IBGE - apenas quem está buscando vagas entra no levantamento.
Quando o desemprego deve cair?
As empresas, por sua vez, devem demorar a contratar. Mesmo que intensifiquem suas atividades daqui para frente, os empresários devem exigir mais de seus atuais empregados em vez de recrutar novos funcionários.
O professor da Escola de Economia de São Paulo da FGV Paulo Picchetti diz que eles devem aproveitar a "capacidade ociosa" da companhia - o maquinário parado, por exemplo - para voltar a produzir com custo mínimo.
"Você pode aumentar a produção no curto prazo usando os recursos que já tem e que estavam ociosos. Assim você aumenta a produção sem subir os preços."
Mesmo que forem contratadas no futuro, pondera a economista Monica De Bolle, ainda vai levar um tempo para que o brasileiro volte a consumir. Ele ainda precisa pagar suas dívidas antigas.
"Não tem muito o que fazer com essa crise de excesso de endividamento. O governo pode contribuir para reduzir a taxa de juros, pode facilitar o pagamento das dívidas, mas é uma questão de tempo para que as coisas reajam até esse ponto."