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Plano de mobilidade é bem recebido, mas setor alerta: 'precisa gestão local'

24 jun 2013 - 20h28
(atualizado às 22h01)
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Protestos em todo o País começaram contra o aumento da tarifa do transporte público
Protestos em todo o País começaram contra o aumento da tarifa do transporte público
Foto: Tomaz Silva / Agência Brasil

Estopim das manifestações populares que ocorrem há semanas no Brasil, a questão do transporte público foi contemplada dentro dos cinco pactos que a presidente Dilma Rousseff anunciou nesta segunda-feira para o País. Dentre as medidas concretas para desenvolver a mobilidade urbana, ela decidiu destinar mais R$ 50 bilhões para novas obras - há um ano, Dilma já havia anunciado o repasse de R$ 32 bilhões por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da Mobilidade. Para especialistas consultados pelo Terra, no entanto, apenas os investimentos do governo federal não bastam: é preciso que os municípios administrem os recursos e pensem de modo prático a forma como a cidade, em seu conjunto, vai se beneficiar disso.  

<a data-cke-saved-href="http://noticias.terra.com.br/infograficos/pactos-dilma/iframe.htm" href="http://noticias.terra.com.br/infograficos/pactos-dilma/iframe.htm">veja o infográfico</a>

“Naturalmente que o valor (R$ 50 bilhões) é um valor expressivo, isso estimula as cidades a se desenvolver, mas é importante que elas tenham um plano de mobilidade. Resolver um problema de mobilidade não é fazer apenas um corredor de ônibus, é o conjunto da cidade - ter outras linhas, outros sistemas de transportes. A qualidade envolve mais do que um único projeto, envolve uma atenção dedicada do poder público local para a questão dos transportes. É fundamental que se tenha um projeto de gestão operacional”, diz o superintendente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), o engenheiro Luiz Carlos Mantovani Néspoli. Para ele, a atenção ao usuário é fundamental.

Protestos por mudanças sociais levam milhares às ruas
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“Transporte de qualidade não precisa só de um sistema bem feito, mas de um sistema de gestão operacional. Ter monitoramento desse sistema, atendimento ao usuário, informações ao usuário, acessibilidade, pontos de parada cobertos, sistema de informações em pontos de paradas, calçadas adequadas. Investimentos em metrô, em corredores, em BRTs, são eixos estruturadores, mas eles são alimentados por outros sistemas menores”, afirma.

Opinião semelhante tem o diretor-presidente da Embarq Brasil, professor e pesquisador do Laboratório de Sistemas de Transporte da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o engenheiro Luis Antonio Lindau. Para ele, o governo federal está fazendo sua parte, como desonerar impostos para a compra de ônibus e do PIS/Cofins sobre o óleo diesel, mas os prefeitos precisam observar a parte prática do sistema. “As cidades têm que trabalhar pra tirar o ônibus do congestionamento, esse é o grande problema do Brasil – e é o governo local que manda na superfície viária. O ônibus sai e não consegue voltar, não consegue fazer o ciclo. As frotas aumentam e alimentam os custos”, diz.

“Não é simples implantar nada disso (metrôs, obras de infraestrutura), tudo isso demora. A primeira grande discussão, então, é tirar espaço dos carros. Temos que demonstrar quanto os carros impactam nos congestionamentos. 25% da tarifa do ônibus está nos congestionamentos. Se estamos querendo transporte de melhor qualidade e tarifa adequada, temos que tirar o ônibus do congestionamento”, afirma Lindau.

Néspoli reforça: “É importante que o governo federal tenha ampliado o investimento no sistema de transporte, isso motiva, isso cria mais possibilidade de intervenção da cidade, mas não podemos esquecer que todo o sistema precisa ter gestão e atenção ao usuário. Recursos são importantes, mas não significam necessariamente melhoria no transporte. É necessário que os municípios olhem para o conjunto da cidade.”

Forma como serão investidos os recursos

Em seu anúncio, a presidente Dilma não especificou a forma como os novos recursos serão distribuídos, mas convocou prefeitos e governadores a também investirem em mobilidade. “Esse processo pode ser fortalecido pelos Estados e os municípios com a desoneração de seus impostos. Tenho certeza que as senhoras e os senhores estarão sensíveis a isso”, afirmou Dilma.

O superintendente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) destaca a importância de definir uma estratégia para a aplicação dos recursos. “Acho positivo que tenha recursos disponíveis para o transporte público, mas precisa ser visto como eles serão definidos. Hoje, os recursos do PAC são essencialmente financiamentos. É importante que, neste conjunto de recursos, você tenha também parte para execução de projetos. Os municípios, em especial os médios e menores, têm dificuldades em elaborar projetos, e hoje o PAC exige isso. É importante porque se não você disponibiliza o recurso, mas o municipio quase não tem condições de fazer esse projeto e apresentar o pleito para o financiamento”, ressaltou Néspoli.

O pesquisador e diretor-presidente da Embarq Brasil, organização que auxilia governos e empresas no desenvolvimento e implantação de soluções sustentáveis para os problemas de transporte e mobilidade, também se preocupa com a forma como os recursos serão distribuídos. “Quando ela (Dilma) diz ‘destinar’, não fica claro se é para dar ou emprestar para as cidades, e isso faz uma diferença brutal”, diz.

Controle da sociedade no cálculo das tarifas

A proposta da presidente Dilma é baseada em três pilares. Além de diminuir a tarifa e aumentar a qualidade do transporte, ela quer mais transparência e controle social do cálculo dos reajustes. Para isso, a presidente anunciou que está criando o Conselho Nacional de Transporte Público, com participação da sociedade civil e dos usuários. “O nosso pacto precisa assegurar também uma grande participação da sociedade na discussão política do transporte, uma maior transparência e controle social no cálculo das tarifas de ônibus”, afirmou Dilma.

Para os especialistas, debater e pensar o transporte público contempla o que as manifestações nas ruas pediam em sua formação. “Isso é muito positivo, porque o transporte, ao longo de sua história, nunca teve um olhar muito analítico, nunca se organizou um observatório, nunca se dedicou atenção à regulamentação desse sistema. Ele está na cidade como algo que funciona por si mesmo, mas ele tem que ter atenção. Eu acho que, com o Conselho, você começa a ter a atenção focada ao sistema de transporte. Isso é o que a rua está reclamando”, afirma Néspoli.

Lindau concorda que é fundamental “entender o papel do transporte coletivo”. “Tem que enfrentar o automóvel. A cidade é das pessoas, não dos automóveis. A gente tem que atender às pessoas, é para isso que elas estão indo pra rua”, diz. "Não adianta nada ter ônibus com tarifa revisada se ele continua preso no congestionamento”.

Néspoli pensa na mesma linha. “Um ônibus parado na via também gera gasto. E o fato de ter uma redução da tarifa não significa que o transporte melhorou”, afirma o superintendente da ANTP.

Tarifa zero é “utópica”

Para o diretor-presidente da Embarq Brasil, a tarifa zero não ajuda a melhorar o sistema de transporte público. “Tarifa zero é uma coisa utópica”, diz Lindau. “Precisamos de bons contratos, bons sistemas de regulação. É valido discutir que precisamos baixar a tarifa, mas tarifa zero vai quebrar os municípios”, explica. “O transporte é um serviço, o que precisamos é dar um valor justo. Um ônibus de graça não vai atrair o usuário do transporte privado”, afirma o professor.

Protestos contra tarifas mobilizam população e desafiam governos de todo o País
Mobilizados contra o aumento das tarifas de transporte público nas grandes cidades brasileiras, grupos de ativistas organizaram protestos para pedir a redução dos preços e maior qualidade dos serviços públicos prestados à população. Estes atos ganharam corpo e expressão nacional, dilatando-se gradualmente em uma onda de protestos e levando dezenas de milhares de pessoas às ruas com uma agenda de reivindicações ampla e com um significado ainda não plenamente compreendido.

A mobilização começou em Porto Alegre, quando, entre março e abril, milhares de manifestantes agruparam-se em frente à Prefeitura para protestar contra o recente aumento do preço das passagens de ônibus; a mobilização surtiu efeito, e o aumento foi temporariamente revogado. Poucos meses depois, o mesmo movimento se gestou em São Paulo, onde sucessivas mobilizações atraíram milhares às ruas; o maior episódio ocorreu no dia 13 de junho, quando um imenso ato público acabou em violentos confrontos com a polícia.

A grandeza do protesto e a violência dos confrontos expandiu a pauta para todo o País. Foi assim que, no dia 17 de junho, o Brasil viveu o que foi visto como uma das maiores jornadas populares dos últimos 20 anos. Motivados contra os aumentos do preço dos transportes, mas também já inflamados por diversas outras bandeiras, tais como a realização da Copa do Mundo de 2014, a nação viveu uma noite de mobilização e confrontos em São PauloRio de JaneiroCuritibaSalvadorFortalezaPorto Alegre e Brasília.

A onda de protestos mobiliza o debate do País e levanta um amálgama de questionamentos sobre objetivos, rumos, pautas e significados de um movimento popular singular na história brasileira desde a restauração do regime democrático em 1985. A revogação dos aumentos das passagens já é um dos resultados obtidos em São Paulo e outras cidades, mas o movimento não deve parar por aí. “Essas vozes precisam ser ouvidas”, disse a presidente Dilma Rousseff, ela própria e seu governo alvos de críticas.

Fonte: Terra
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