Polícia deve explicar detenção de brasileiro, diz Parlamento britânico
Companheiro de jornalista que divulgou esquema de espionagem eletrônica do governo americano ficou retido em Londres
Um parlamentar britânico vai pedir explicações da polícia a respeito da detenção, em Londres, do companheiro do jornalista do The Guardian, Gleen Greenwald, autor de uma série de reportagens sobre um esquema de espionagem eletrônica realizada pelo governo americano. David Miranda ficou detido no domingo durante quase nove horas, tendo sido liberado às 17h, hora local. Todo material eletrônico que ele carregava - celular, laptop, câmera, cartões de memória, DVDs e consoles de videogames -, foi confiscado pela segurança do aeroporto.
Em entrevista ao programa Today, da Rádio 4 da BBC, Keith Vaz, presidente do Comitê de Assuntos Internos do Parlamento britânico, disse que vai pedir que a polícia justifique "o uso da lei antiterrorismo para enquadrar pessoas que não parecem estar envolvidas em ações deste tipo".
"O que é extraordinário é que eles sabiam que se tratava do parceiro de Greenwald e, portanto, fica claro que não somente as pessoas envolvidas estão sendo visadas, como também pessoas ligadas aos envolvidos", disse.
Na avaliação do parlamentar, isso representa "um novo uso da legislação antiterrorista". "Vou escrever à polícia e pedir explicações, porque deter alguém sob essas circunstâncias e, além disso, confiscar seus pertences mostra um uso diferente da legislação", afirmou. "Eles podem ter uma explicação razoável para isso e, se esse for o caso, então pelo menos saberemos e ficaremos preparados", acrescentou Vaz.
Conexão Rio-Berlim
Além do escândalo da espionagem americana, Greenwald também publicou reportagens sobre a Government Communication Headquarters (GCHQ), o equivalente na Grã-Bretanha à Agência de Segurança Americana (NSA, na sigla em inglês).
Segundo o jornal New York Times, Greenwald teria dito que seu companheiro esteve em Berlim para passar documentos relativos à investigação à cineasta americana Laura Poitras, que, por sua vez, teria dado a Miranda outros documentos para que repassasse a Greenwald. Esses documentos estavam arquivados ou encriptados no material eletrônico confiscado pela segurança em Heathrow.
O parlamentar trabalhista britânico Tom Watson disse à BBC que "os serviços de inteligência estão ultrapassando os limites, e estão claramente tentando intimidar Greenwald". Ele defendeu que o governo intervenha para se assegurar que isso não aconteça novamente. "Greenwald é um jornalista que revelou que o serviço de inteligência americano estava quebrando as leis do país em diversas ocasiões. E nossa resposta foi prender seu namorado no aeroporto. Eu acho que as pessoas vão ficar chocadas em saber disso", disse Watson.
Chocante
Nesta segunda-feira, a organização Repórteres Sem Fronteiras considerou "chocante" a detenção de Miranda e disse que o caso fere a liberdade da imprensa e a proteção das fontes. Segundo Bihr Johann, porta-voz da ONG, é extremamente preocupante o fato de David Miranda ter sido interrogado sob a lei britânica de antiterrorismo, cuja uma das cláusulas autoriza o interrogatório de pessoas em trânsito na Grã-Bretanha sem direito a aconselhamento jurídico.
"Ele (Miranda) não tem nada a ver com práticas ou organizações terroristas e consideramos a atitude do governo britânico um uso inadequado da lei", disse Johann à BBC Brasil. Para a Repórteres Sem Fronteiras, o fato de Miranda ter ficado detido por quase nove horas - tempo máximo após o qual o suspeito é liberado ou indiciado -, indica que as autoridades querem "enviar uma mensagem de intimidação ao jornalista do Guardian".
"Mas isso só reforça a importância do trabalho de Greenwald e das denúncias de prática de espionagem que ele divulgou realmente se confirmam", ressaltou. Na noite de domingo a organização Anistia Internacional disse que é muito improvável que o brasileiro tenha sido detido de forma aleatória, dado o papel que seu companheiro teve em revelar o esquema de espionagem da NSA.
Contactado pela BBC Brasil nesta manhã, o Ministério do Interior britânico informou que não vai se pronunciar sobre o assunto, o que ficará a cargo da Scotland Yard. Por sua vez, a Scotland Yard informou à BBC Brasil que não tinha informações a acrescentar ao comunicado divulgado na noite de domingo, confirmando apenas que David Miranda tinha ficado detido e liberado depois. O brasileiro chegou ao Rio na manhã desta segunda-feira.