Acusação: massacre do Carandiru legitima violência policial
Para promotoria, aceitar a ação policial no episódio do Massacre do Carandiru é dar carta branca para violência policial nas ruas
O promotor de Justiça Márcio Friggi, que pede a condenação de 15 policiais militares acusados por quatro homicídios no episódio que ficou conhecido por Massacre do Carandiru, em outubro de 1992, afirmou nesta quarta-feira que aceitar o que houve dentro do presídio é o equivalente a dar carta branca para que "maus policiais" atuem fora da lei nas ruas. Segundo ele, a morte dos 111 presos é "um dos episódios mais repugnantes e desumanos da história do Brasil".
"As vítimas da violência policial são as mesmas vítimas das mazelas do Estado. São negros, pobres, prostitutas (...) Qualquer um pode ser vítima da violência policial, mas já já viram político alvejado, gente ligada a fraudes em licitação ser alvo de policiais? É hipócrita o discurso que legitima esse tipo de atitude", disse ele.
Friggi afirmou que a defesa dos réus tenta "legitimar o discurso da barbárie". O promotor afirmou aos jurados que os policiais mentem juntos para se safar da "responsabilidade criminal". Ele lembrou que o nascimento do Primeiro Comando da Capital (PCC) se deu depois do Massacre do Carandiru, entre outras coisas, para que aquele tipo de situação não se repetisse.
"Não vamos nos calar para execução dentro de casa de detenção. Não interessa se foi um, se foram muitos. É só ver a condição em que foram mortos: tiros nas cabeças, tiro nas costas. No lado esquerdo do peito. Há indícios de execuções de pessoas correndo, deitadas, tiros na cabeça de cima para baixo."
O promotor insistiu na tese de que não é necessária a individualização da conduta dos réus para condená-los. "O advogado vem aqui com essa tese batida, de que se tivessem comprado um equipamento na época seria possível fazer o confronto balístico. Se força uma situação que não corresponde com a verdade. A proposta da defesa é criar confusão. Foi decidido politicamente que o equipamento não era necessária. E a polícia tem ingerência política. Os policiais agiram em grupo e são responsáveis pelo resultado final da ação", disse ele.
Nesta manhã, a acusação teve duas horas de réplica, após os debates ocorridos na tarde de ontem. À tarde, será a vez do advogado Celso Vendramini fazer a defesa dos réus. Depois disso o conselho de sentença se reúne para decidir pela absolvição ou condenação dos réus.
Julgamento
A partir desta segunda-feira, 15 policiais militares (PMs) acusados de participação na morte de oito detentos - e na tentativa de outros dois homicídios - serão julgados no Fórum Criminal da Barra Funda, depois de mais de 21 anos do ocorrido. Nas três primeiras etapas do julgamento, os PMs que atuaram em três andares do prédio foram condenados a penas entre 96 e 624 anos de prisão.
Relembre o caso
Em 2 de outubro de 1992, uma briga entre presos da Casa de Detenção de São Paulo - o Carandiru - deu início a um tumulto no Pavilhão 9, que culminou com a invasão da Polícia Militar e a morte de 111 detentos. Os policiais são acusados de disparar contra presos que estariam desarmados. A perícia constatou que vários deles receberam tiros pelas costas e na cabeça.
Entre as versões para o início da briga está a disputa por um varal ou pelo controle de drogas no presídio por dois grupos rivais. Ex-funcionários da Casa de Detenção afirmam que a situação ficou incontrolável e por isso a presença da PM se tornou imprescindível.
A defesa afirma que os policiais militares foram hostilizados e que os presos estavam armados. Já os detentos garantem que atiraram todas as armas brancas pela janela das celas assim que perceberam a invasão. Do total de mortos, 102 presos foram baleados e outros nove morreram em decorrência de ferimentos provocados por armas brancas. De acordo com o relatório da Polícia Militar, 22 policiais ficaram feridos.