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Polícia

'Alguém tem que interceder por nós': o apelo de uma esposa de policial na linha de frente por melhores condições

12 fev 2017 - 16h39
(atualizado às 17h08)
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Greve de policiais dura nove dias no Espírito Santo; mulheres dizem que não vão recuar enquanto não houver acordo por reajuste
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Foto: Reuters

Menos de 30 anos, formação universitária em Ciências Humanas, concurso para a Polícia Militar em busca de emprego fixo. A realidade é de uma rotina de violência imposta e sofrida, perda de amigos na guerra urbana, dieta involuntária, casamento apenas no cartório, e a recusa a festas por não haver dinheiro para presentes - além da incômoda sensação de ser o vilão de uma história em que se vê e se sente como vítima.

A história é de um soldado da PM do Espírito Santo, contada por sua esposa. As mulheres lideram um movimento de greve há nove dias impedindo os soldados de saírem dos quartéis com o objetivo de pressionar o governo pelos reajustes que não vêm há sete anos. Até agora, a onda de violência que tomou conta do Estado já deixou mais de 130 mortos.

O governo capixaba chegou a anunciar o fim da greve na sexta-feira, mas as mulheres se mantiveram à frente dos quartéis alegando que não participaram do suposto acordo que não trouxe o reajuste esperado. "Está demonstrado que a intransigência não é nossa, a falta de diálogo não é nossa. Nós estamos do lado da sociedade", disse o governador em exercício, César Colnago, no sábado.

Para críticos, os policiais não podem usar a insegurança da população como poder de barganha em uma paralisação ilegal. Além disso, concessões poderiam inspirar movimentos semelhantes pelo país.

Neste depoimento, a esposa de um policial relata à BBC Brasil detalhes de um drama que, ao seu ver, deveria despertar mais apoio e empatia da sociedade. 'Filho meu não vai ser policial (...) ir para a rua, ficar à mercê da marginalidade, ganhar mal, ser mal falado, e virar cachorro do governo?'

Com escalada de violência e demora nas negociações, população se volta contra movimento de policiais militares e suas famílias
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Foto: Reuters

(Os nomes da esposa e do policial militar foram omitidos por questões de segurança).

"Meu marido era estudante da Federal. Em uma dificuldade financeira, surgiu a oportunidade do concurso para soldado da polícia militar. A gente já namorava, e ele viu essa oportunidade.

Pensa comigo: você é casada com uma pessoa cujo trabalho é combater a violência. Essa pessoa sai de casa todos os dias sem ter a segurança de que irá voltar. O grande sonho da mulher do policial é que o marido saia e volte. Todo dia que ele se despede, meu coração pára. Porque, por exemplo, nessa crise, ele não tem apoio de viatura. Além disso, o material é defasado, falta colete. Eles são o cachorro do governo. Por que policial bate ou é violento? Porque o governo é violento com ele.

Eu fui estudante de universidade, a gente tem a visão de que todo policial está ali pra punir as pessoas, fazer valer a justiça da cabeça dele. Eu tinha a visão de que a PM era truculenta. Questionava: nossa, pra que isso tudo? Mas quando a gente vê o outro lado, a gente vê que há policiais assim, mas a maioria faz porque tem alguém cutucando atrás. Os policiais sofrem pressão desde o primeiro dia de formação. Constantemente, toda hora.

Então, para quem fala isso, dá vontade de responder: ah é, acha que policial gosta de bater? Ele é um ser humano, faz isso porque tem comando. Tem alguém ali mandando ele fazer aquilo.

Meu marido trabalha num bairro extremamente perigoso. Uma vez ele contou que os bandidos tentaram emboscar a polícia. Aí eles fizeram uma manobra arriscada colocaram viatura para rodar no meio dos bandidos, teve tiroteio. Ele ficou em desespero quando viu um amigo morrer.

A realidade está complicada. A gente vai ao supermercado, tudo está inflacionado. Eu comprava um saco de arroz, feijão, mas agora a gente faz dieta. Compro saco de arroz de 2kg, feijão já nem compro mais. Carne a gente quase não come.

'Por que policial bate ou é violento? Porque o governo é violento com ele', diz esposa de PM do Espírito Santo
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Foto: Reuters

O salário está congelado. Você vai comprar uma roupa, sapato…eu não compro. Eu nem vou mais a festas, porque tem que dar presente...aí já não vou. É a realidade. No primeiro ano em que casamos, nós morávamos de aluguel, hoje, graças a Deus não mais, porque a gente mora com a minha sogra. A gente tem um empréstimo e mais de 20% do salário dele vai para pagar isso. Eu vendo comida, mas, com a crise, está difícil.

No hospital da polícia militar, a cada ano, eles cortam três especialidades. Eu precisava de oftalmologista, demorou uns dois meses pra conseguir consulta porque não tinha. O ginecologista estava em férias, não tinha nenhum pra substituir. Tive um cisto no ovário, mas lá não tem tomografia, tive que pegar um laudo e vir pra um hospital público pra fazer. Outro absurdo é que eles não fornecem psicólogo no hospital para os policiais. Tem um psiquiatra só, que vai uma vez por mês pra dar laudo de afastamento.

(Essa situação) Afeta em muita coisa. Eu vejo minhas amigas tendo filho, vejo as pessoas viajando, fazendo coisas que a gente não consegue. E ele fala: calma, vai tudo se resolver. Meu sonho é ter um filho. Mas aí quando a gente bota na ponta do lápis o plano de saúde... é difícil. Tem que ter enxoval, fralda. Tudo está reajustado, menos o salário dele.

Qualquer criança filha de militar vê o pai como herói e quer ser policial. Mas hoje policial virou vilão. Como?

Eu não aconselharia meu filho a ser policial. Filho meu não vai ser policial. Você acha que filho que a gente cuida, cria, vai colocar farda e ir pra rua ficar à mercê da marginalidade, ganhar mal, ser mal falado, e virar cachorro do governo? Nunca! Nunca!

Eu cheguei até a pensar em divórcio. Porque eu cheguei num patamar de estresse que é ele que está me segurando em casa, porque está vendo como estou de saúde, e ele não me deixa ir para o batalhão. A gente brigou e eu falei: vou me separar. Eu não quero ele na polícia mais. Se o governo não der um parecer positivo a essa manifestação, se não acatarem os pedidos, sério, eu prefiro que ele largue a polícia e vá exercer seu diploma universitário. Dificuldade a gente já passa, mas prefiro passar dificuldade fazendo outra coisa do que portando pistola em nome de governo que está pouco se lixando.

Quando fui pra frente do batalhão com outras mulheres, a gente estava apreensiva, porque a gente pensou tudo poderia acontecer. Hoje, estamos no 9º dia de manifestação, e elas estão firmes. Eu me mantive muito ativa durante cinco dias. Depois o corpo da gente não suporta. Mas amanhã vou voltar para lá. Vou ficar lá firme e forte, nem que tenha que esperar a ONU, o papa... alguém tem que interceder por nós.

(Se tivesse a chance de falar com governador) eu ia perguntar.. por que a sociedade tem que pagar a conta? Por que o governador está fazendo isso e está colocando a culpa em cima de mulheres que estão desesperadas? Por que é tao difícil elucidar um problema que a gente sabe que tem solução?"

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