Após caso de PM que joga homem de ponte, ouvidor da Polícia de SP fala em 'descontrole da tropa'
Ouvidor Cláudio Aparecido da Silva responsabilizou a SSP pela 'montagem de uma Ouvidoria paralela'
O ouvidor da Polícia de São Paulo, professor Cláudio Aparecido da Silva, criticou, nesta terça-feira, 3, a ação da Secretaria de Segurança Pública (SSP) no âmbito de sucessivos casos de violência policial no Estado e afirmou que há 'descontrole da tropa', citando o caso do homem jogado de uma ponte por um policial militar na zona sul da capital paulista.
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Em posicionamento enviado ao Terra, Cláudio afirma que as imagens da morte de Gabriel Renan da Silva, baleado nas costas por um PM de folga no Jardim Prudência, na zona sul de SP, e do homem atirado do alto de uma ponte na Cidade Ademar, remetidas à Ouvidoria na noite de segunda-feira, 2, "dão medida do descontrole da tropa na combalida segurança pública" do Estado.
Além do PM responsável pela ação na zona sul, o ouvidor ressalta a presença dos outros agentes na ocorrência: "Poderiam atuar para que o inexplicável gesto não ocorresse, nada fazem, no entanto".
Na nota, o ouvidor apontou, ainda, que a SSP é responsável pela "montagem de uma Ouvidoria paralela, ferindo a lei, a austeridade e o bom-senso, enquanto a tropa segue descontrolada, colocando a vida dos cidadãos, culpados ou inocentes em permanente risco".
Para Cláudio, ambos os casos, 'com desfechos tristes e evitáveis', remetem ao descontrole do contingente policial paulista e à sensação de impunidade dos agentes: "Resta perguntar quem a ortogou, pois sabe-se que na PM a hierarquia é o principal dogma".
Sobre a ocorrência na Cidade Ademar, ele determinou a abertura de procedimento na Ouvidoria, indicou o acionamento da Corregedoria da PM e o pedido para o afastamento dos policiais envolvidos. Claudio diz, também, que solicitou as imagens das câmeras corporais dos PMs e eventuais circuitos de câmeras de monitoramento da região.
O ouvidor considera, no entanto, que as medidas não estão sendo eficazes para o estancamento que chama de "derramamento de sangue em nosso Estado, fruto de uma política de morte e vingança, constantemente legitimada pela maior autoridade de Segurança Pública do Estado, que é a SSP, quando emite notas onde, nas entrelinhas, homologa comportamentos inadequados de agentes públicos que deveriam servir e proteger as pessoas".
"No caso do estudante Marco Aurélio, ocorrido na Vila Mariana, a nota da SSP inicialmente disse que o jovem investiu contra os PMs, algo desmentido posteriormente pelas imagens do estabelecimento comercial. Tudo isso vai construindo na subjetividade desses policiais uma sensação de que estão protegidos e “garantidos” por quem deveria exigir deles a boa prestação de serviço público", afirmou.
O Terra questionou a SSP sobre as afirmações do ouvidor da Polícia, mas não obteve resposta até a última atualização da reportagem. O espaço segue continua para manifestação.
A Comissão de Segurança Pública da OAB de São Paulo emitiu nota em que aponta indignação com a criação da Ouvidoria paralela: "Quando o Estado vem impondo significativos cortes de investimento, não há razões objetivas para se criar um segundo órgão com atribuições sobrepostas".
Segundo a comissão, a decisão por um novo órgão, sem 'qualquer autonomia', "representa mais um passo no enfraquecimento dos mecanismos de controle e transparência da atividade policial no Estado".
"Ao invés de criar uma segunda ouvidoria, os investimentos públicos devem ser direcionados à atual Ouvidoria das Polícias. É preciso fortalecer o órgão, dando estrutura e autonomia para que este exerça o controle externo da atividade policial e continue sendo a voz da população, em geral", afirma a comissão.
Veja, na íntegra, o posicionamento do ouvidor da Polícia de SP, Cláudio Aparecido da Silva:
"Na noite passada uma série de videos veiculados pela imprensa chegaram ao nosso conhecimento e dão a medida do descontrole da tropa na combalida segurança pública de nosso estado. O primeiro caso, já tratado por esta Ouvidoria, sobre a morte de Gabriel Renan da Silva Soares no estacionamento do Oxxo no Jardim Prudência, na Zona Sul da capital, em 2 de novembro, desmonta a versão oficial com os videos mostrando o jovem negro sendo executado com 11 tiros pelas costas por policial militar supostamente de folga, mas que evidentemente poderia estar ali em “bico” não oficial, o que é proibido. As investigações nos dirão o que o policial efetivamente fazia naquele local.
No segundo caso, imagens mostram um policial militar jogando um homem do alto de uma ponte na Zona Sul em São Paulo na madrugada desta segunda-feira. Os demais PMs presentes na ocorrencia, que poderiam atuar para que o inexplicável gesto não ocorresse, nada fazem no entanto.
Os dois casos, com desfechos tristes e evitáveis são eloquentes quanto ao descontrole da tropa aliada à sensação de impunidade que reveste esses agentes – resta perguntar quem a outorgou, pois sabe-se que na PM a hierarquia é o principal dogma.
Sobre o segundo caso, já determinamos abertura de procedimento no âmbito da Ouvidoria, acionaremos a Corregedoria da PM, pediremos o afastamento dos policiais, solicitaremos ainda as imagens das COP’s e de eventuais circuitos de monitoramento do local dos fatos.
Sabemos, entretanto, que essas medidas não estão sendo eficazes para o estancamento desse derramamento de sangue em nosso estado, fruto de uma política de morte e vingança, constantemente legitimada pela maior autoridade de Segurança Pública do Estado, que é a SSP, quando emite notas onde, nas entrelinhas, homologa comportamentos inadequados de agentes públicos que deveriam servir e proteger as pessoas.
Veja-se, por exemplo, o caso do pequeno Ryan de 4 anos, que nessa semana completa 1 mês, onde o porta voz da PM, ao admitir que a criança foi alvejada pela PM, defende absurdamente a redução da maioridade penal. Já no caso do estudante Marco Aurélio, ocorrido na Vila Mariana, a nota da SSP inicialmente disse que o jovem investiu contra os PMs, algo desmentido posteriormente pelas imagens do estabelecimento comercial. Tudo isso vai construindo na subjetividade desses policiais uma sensação de que estão protegidos e “garantidos” por quem deveria exigir deles a boa prestação de serviço público.
Diante de tudo isso, há ainda por parte da Secretaria de Segurança a montagem de uma Ouvidoria paralela, ferindo a lei, a austeridade e o bom-senso, enquanto a tropa segue descontrolada, colocando a vida dos cidadãos, culpados ou inocentes em permanente risco".
Ministério Público e governador condenam ação policial
O caso do homem jogado do alto de uma ponte na Cidade Ademar estarreceu as autoridades públicas. Mais cedo nesta terça-feira, o Ministério Público classificou como "estarrecedoras e absolutamente inadmissíveis" as imagens que mostram a ação de violência policial. Já o governador Tarcísio de Freitas afirmou que o caso será investigado e "rigorosamente punido".
Segundo o procurador-geral de Justiça, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, o vídeo mostra que o suspeito já estava rendido e sob controle dos policiais. "Os agentes tinham o dever funcional de conduzi-lo, intacto, a um distrito policial para que a ocorrência fosse lavrada", afirmou.
Ele também reiterou que a atitude do policial violou gravemente os princípios legais que regem a atuação das forças de segurança pública. "Somente dentro dos limites da lei se faz segurança pública, nunca fora deles", declarou. A nota reforça que o episódio, em vez de trazer tranquilidade à população, acentuou o distanciamento em relação à paz social.
Já Tarcísio afirmou que o policial militar que "atira pelas costas" ou "joga uma pessoa da ponte" é um profissional que não está "à altura de usar essa farda".
De acordo com Tarcísio, os casos serão investigados e "rigorosamente punidos". "A Polícia Militar de São Paulo é uma instituição que preza, acima de tudo, pelo seu profissionalismo na hora de proteger as pessoas. Policial está na rua pra enfrentar o crime e pra fazer com que as pessoas se sintam seguras", escreveu o governador em seu perfil no X (antigo Twitter).
O governador completou seu posicionamento declarando que "aquele que atira pelas costas, aquele que chega ao absurdo de jogar uma pessoa da ponte, evidentemente não está à altura de usar essa farda". Segundo ele, outras providências devem ser tomadas em breve em relação aos casos citados acima.