Carandiru: acusação exibe cenas de desespero de familiares e abusos da PM
Aos jurados, a defesa dos 26 réus apresentou vídeos que mostram ações criminosas contra a PM e o poder do PCC
O Ministério Público de São Paulo (MP-SP), responsável pela acusação dos 26 policiais militares acusados de participação no episódio que ficou conhecido como massacre do Carandiru, apresentou, na tarde desta quinta-feira, uma série de reportagens em vídeo para ilustrar o desespero dos familiares dos 111 presos mortos no dia 2 de outubro de 1992 na Casa de Detenção de São Paulo. Após a sequência de matérias da época, os sete jurados também viram uma série de reportagens sobre diversos casos de abusos cometidos pela Polícia Militar (PM), em vários pontos do Brasil.
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Hoje foi o quarto dia de julgamento do caso, que chegou a ser interrompido por um dia e meio após um jurado passar mal, e acontece desde a última segunda-feira (15) no Fórum Criminal da Barra Funda, na zona oeste da capital paulista. A sessão desta quinta-feira, entretanto, foi curta: retomado às 15h, o júri foi interrompido às 18h40 e só retornará aos trabalhos nesta sexta-feira (19). O júri dos 26 réus é o primeiro de uma série, já que eles respondem apenas pelas mortes registradas no 1º andar do pavilhão 9, onde 15 pessoas morreram. Os demais 53 policiais militares apontados como responsáveis pelo restante das mortes ocorridas naquele dia ainda devem ser julgados em outros três júris.
Uma das reportagens exibidas aborda o assassinato de Fernando Ramos da Silva, o "Pixote", que foi executado, em 1987, por PMs quando tentava refugiar-se embaixo de uma cama, em uma tentativa de fuga. Também foi exibido uma sequência de vídeos que flagraram policiais militares atirando contra pessoas desarmadas, como a que mostra um adolescente de 14 anos, que estava desarmado, sendo baleado em Manaus (AM), em 2010, encostado em um muro e visivelmente desesperado. Outra matéria exibida mostra o assassinato do servente Paulo Batista do Nascimento, na zona sul de São Paulo, morto a tiros pela PM na porta da casa dele, no ano passado. Também foi apresentado um vídeo sobre o escândalo da Favela Naval, bairro de Diadema (Grande SP), em que PMs são flagrados extorquindo, espancando e executando pessoas numa blitz na região, em 1997.
Além de vídeos que não tinham relação com o massacre do Carandiru, mas que revelam excessos cometidos por policiais, a acusação também apresentou reportagens da época, que mostravam o desespero de familiares dos presos diante da ausência de informações. Também foram exibidas reportagens feitas dias após o massacre dentro do pavilhão 9, em que sobreviventes mostram que não estavam armados, mas foram alvejados dentro de suas celas.
A exibição dos vídeos antecipa a estratégia da acusação, que rejeita a hipótese de que os PMs foram recebidos a tiros dentro do pavilhão 9 - cenário da tragédia -, e que argumenta que os policiais atiraram aleatoriamente contra detentos desarmados. Várias imagens mostram corpos de presos que foram alvejados já nus, ou seja, após terem sido completamente rendidos pela PM.
Defesa
Se por um lado a acusação explorou episódios marcantes de abuso policial, a defesa iniciou sua apresentação de vídeos que demonstram o poder de força da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). O primeiro deles era um trecho do documentário "São Paulo Sob Ataque" (2006, Discovery Channel), que mostra os bastidores dos ataques cometidos por criminosos no Estado em maio de 2006, quando houve uma série de assassinatos de policias e ataques criminosos, provocando pânico entre a população.
A defesa tenta provar que os PMs agiram sob ordens de autoridades superiores, e de que a situação dentro do Carandiru era de caos, com presos rebelados e armados, com facas e espadas improvisadas, além de armas de fogo - o que os detentos que sobreviveram negam.
Suspenso por mais de um dia após um jurado passar mal, o júri do caso foi retomado às 15h desta quinta-feira, com a leitura de depoimentos de sobreviventes, dados à época à Justiça. Após a exibição dos vídeos, a expectativa é que quatro dos 26 réus sejam ouvidos ainda hoje, para apresentarem suas versões para os fatos.
O julgamento começa mais de 20 anos após o episódio, ocorrido em 2 de outubro de 1992. Na ocasião, uma briga entre presos de facções rivais, dentro do pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo - o Carandiru - deu início a um tumulto, que culminou com a invasão da Polícia Militar e a morte de 111 detentos.
Passados 20 anos do episódio que terminou com 111 presos mortos no Pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo, em outubro de 1992, 26 policiais militares serão julgados pelo caso que ficou conhecido como Massacre do Carandiru.
Pelo menos 79 PMs acusados de envolvimento nas mortes aguardam julgamento. O único que recebeu a sentença foi o coronel da Polícia Militar Ubiratan Guimarães, que coordenava a operação no dia do massacre, mas teve sua pena de 632 anos de prisão anulada em 2006, sete meses antes de ser assassinado.
Em 2 de outubro de 1992, uma briga entre presos da Casa de Detenção de São Paulo - o Carandiru - deu início a um tumulto no Pavilhão 9, que culminou com a invasão da Polícia Militar e a morte de 111 detentos. Entre as versões para o início da briga está a disputa por um varal ou pelo controle de drogas no presídio por dois grupos rivais. Ex-funcionários da Casa de Detenção afirmam que a situação ficou incontrolável e por isso a presença da PM se tornou imprescindível.
A defesa afirma que os policiais militares foram hostilizados e que os presos estavam armados. Já os detentos garantem que atiraram todas as armas brancas pela janela das celas assim que perceberam a invasão. Do total de mortos, 102 presos foram baleados e outros nove morreram em decorrência de ferimentos provocados por armas brancas. De acordo com o relatório da Polícia Militar, 22 policiais ficaram feridos. Nenhum deles a bala.