Carandiru: advogada apresenta vídeos de violência em SP e provoca discussão
A advogada Ieda Ribeiro de Souza, que representa os 25 policiais acusados de matar 52 presos no terceiro pavimento da Casa de Detenção Carandiru, em São Paulo, no dia 2 de outubro de 1992, mostrou vídeos com cenas de violências nas ruas da capital paulista durante julgamento nesta sexta-feira para, segundo ela, exemplificar o trabalho diário dos policiais. Porém, apesar da tentativa, a promotoria acabou reagindo à apresentação.
“O que tudo isso tem a ver com o processo? Quero saber se alguma dessas vítimas tem a ver com o processo do Carandiru”, questionou o promotor Eduardo Olavo Canto, provocando risos da plateia no tribunal do Fórum Criminal da Barra Funda, na zona oeste da capital paulista. Prontamente o juiz Rodrigo Tellini pediu o silêncio dos espectadores.
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ara responder à pergunta da promotoria, a defesa dos 25 réus calma aos promotores. “Calma, doutor”, disse. “Só quis mostrar que agora temos como mostrar essa violência através da mídia, mas em 1992 isso não era possível. Esse é o dia a dia desses policiais”, completou a advogada.
Durante seu discurso, a advogada cometeu algumas gafes. Em uma delas, pediu para que um dos 52 mortos naquele pavimento “dissesse” que havia levado um tiro dos policiais da Rota. “Quero que um preso me diga que foi morto por um PM fardado assim”, afirmou, apontando para uma imagem no telão em que policiais do 1° Batalhão de Choque aparecem uniformizados.
Ieda criticou também os comentários feitos por organizações mundiais na época do chamado “massacre do Carandiru” e disse que a invasão ao presídio foi “legítima”.
“Ninguém teve a coragem de dizer para ONU (Organização das Nações Unidas) ‘vai te catar’. Quem manda no meu país sou eu. A ação foi legítima porque havia 6 mil presos em perigo iminente”, disse.
Ao novamente falar que os policiais reagiram a uma ação dos presos, que os receberam com tiros, Ieda chamou os réus a mostrarem os ferimentos ocasionados pela invasão no Carandiru. “Podem mostrar”, disse. Prontamente três dos réus levantaram-se e dirigiram-se para os jurados. Porém, o juiz determinou que os acusados retornassem às suas cadeiras.
Ieda fez questão de ressaltar que os réus presentes no júri desta semana assumiram que dispararam armas de fogo no interior do presídio e que faltou coragem para a Polícia Militar ficar “ao lado de seus homens”.
“Sabem o motivo desse processo não ter sido arquivado? Porque as pessoas não tiveram coragem de analisar, então para eu punir 79 babacas (número de policiais denunciados pelo Ministério Público originalmente) e falar que atirei. Faltou coragem aos poderes executivo, judiciário e policial para ficar ao lado de seus homens”, afirmou.
Julgamento
O quinto dia do julgamento dos 25 policiais militares acusados por 73 das 111 mortes ocorridas em 2 de outubro de 1992, na Casa de Detenção de São Paulo, nesta sexta-feira, está reservado para o debate entre acusação e defesa dos réus, que deve se estender por até 10 horas. Depois disso o conselho de sentença se reúne para definir o futuro dos réus. A decisão deve sair por volta das 2h deste sábado.
Esta é a segunda etapa do julgamento, que começou em abril com a condenação de 23 policiais militares - todos integrantes do 1º Batalhão de Choque (a Rota - Rondas Ostensivas Tobias Aguiar). Eles receberam uma pena de 156 anos de prisão, em regime fechado, por conta de 13 das 15 mortes ocorridas no primeiro andar do prédio. Todos recorrem da sentença em liberdade.
Nessa primeira etapa, os policiais receberam a pena mínima para cada homicídio, que é de seis anos, somada a mais seis anos por impossibilitarem a defesa das vítimas. Os 12 anos foram multiplicados pelas 13 mortes para se chegar ao resultado final da sentença. Na ocasião, o júri ainda absolveu três PMs denunciados: Roberto Alberto da Silva, Eduardo Espósito e Maurício Marchese Rodrigues, seguindo recomendação do próprio Ministério Público. A justificativa é que eles não atuaram no 1º andar do pavilhão com a tropa.
Relembre o caso
Em 2 de outubro de 1992, uma briga entre presos da Casa de Detenção de São Paulo - o Carandiru - deu início a um tumulto no Pavilhão 9, que culminou com a invasão da Polícia Militar e a morte de 111 detentos. Os policiais são acusados de disparar contra presos que estariam desarmados. A perícia constatou que vários deles receberam tiros pelas costas e na cabeça.
Entre as versões para o início da briga está a disputa por um varal ou pelo controle de drogas no presídio por dois grupos rivais. Ex-funcionários da Casa de Detenção afirmam que a situação ficou incontrolável e por isso a presença da PM se tornou imprescindível.
A defesa afirma que os policiais militares foram hostilizados e que os presos estavam armados. Já os detentos garantem que atiraram todas as armas brancas pela janela das celas assim que perceberam a invasão. Do total de mortos, 102 presos foram baleados e outros nove morreram em decorrência de ferimentos provocados por armas brancas. De acordo com o relatório da Polícia Militar, 22 policiais ficaram feridos.