Carandiru: defesa evoca Deus e pede absolvição de PMs
Promotoria devolve com o quinto mandamento: "não matarás"; advogado diz que policiais em julgamento seriam incapazes de cometer um crime na Casa de Detenção
A defesa dos 15 policiais militares acusados por quatro homicídios no episódio que ficou conhecido por Massacre do Carandiru, em outubro de 1992, foi feita de forma emotiva pelo advogado Celso Machado Vendramini. Ex-policial militar, em vários momentos ele ensaiou chorar e pediu a absolvição dos réus. "Esses homens não seriam capazes de cometer um crime na Casa de Detenção", disse ele. Vendramini ainda provocou os promotores Eduardo Olavo Canto Neto e Márcio Friggi, responsáveis pela acusação. Os 15 policiais são denunciados pela morte de quatro presos. A promotoria pediu a absolvição para outras quatro mortes, por armas brancas, e duas tentativas de homicídio por tiros.
"Não tenho ideologia. Se os promotores acreditarem em Deus (...)". Ele foi interrompido e a resposta foi pronta por parte de Canto Neto: "Não matarás, doutor", disse ele, evocando o quinto testamento. Contrariado, Vendramini rebateu. "Não pensem que vão (promotores) escapar da lei do carma. Tem gente que vai queimar no fogo do inferno", disse, se referindo aos promotores. O advogado disse ainda que os policiais militares acabam respondendo por ações do regime militar, o que na visão dele, não é correto.
"Esqueçam a ditadura. Esqueçam as atrocidades. Vamos julgar homens, seres humanos, pais de família. Não quero absolver por absolver. Que culpa tem os PMs se o Estado falhou? Vamos deixar isso de lado. É um pensamento típico de revanchismo da esquerda", disse ele.
Durante as duas horas que teve direito, o advogado passou lendo pareceres de dois procuradores de Justiça, que ponderaram as eventuais dificuldades que os policiais tiveram durante a ação que terminou com 111 mortes.
"A situação não era tão suave como o Ministério Público tentou mostrar aqui. Não sou nenhum imbecil para dizer que não houve excesso lá dentro. Estou lutando contra um sistema", disse ele.
Vendramini insistiu que "os policiais agiram no estrito cumprimento do dever legal e que ficaram entre a cruz e a espada". "Policiais que deveriam ser homenageados estão sentados no banco dos réus. Eu não consigo entender o que está acontecendo no Brasil hoje."
Julgamento
Desde a última segunda-feira, 15 policiais militares (PMs) acusados de participação na morte de oito detentos - e na tentativa de outros dois homicídios - serão julgados no Fórum Criminal da Barra Funda, depois de mais de 21 anos do ocorrido. Nas três primeiras etapas do julgamento, os PMs que atuaram em três andares do prédio foram condenados a penas entre 96 e 624 anos de prisão.
Relembre o caso
Em 2 de outubro de 1992, uma briga entre presos da Casa de Detenção de São Paulo - o Carandiru - deu início a um tumulto no Pavilhão 9, que culminou com a invasão da Polícia Militar e a morte de 111 detentos. Os policiais são acusados de disparar contra presos que estariam desarmados. A perícia constatou que vários deles receberam tiros pelas costas e na cabeça.
Entre as versões para o início da briga está a disputa por um varal ou pelo controle de drogas no presídio por dois grupos rivais. Ex-funcionários da Casa de Detenção afirmam que a situação ficou incontrolável e por isso a presença da PM se tornou imprescindível.
A defesa afirma que os policiais militares foram hostilizados e que os presos estavam armados. Já os detentos garantem que atiraram todas as armas brancas pela janela das celas assim que perceberam a invasão. Do total de mortos, 102 presos foram baleados e outros nove morreram em decorrência de ferimentos provocados por armas brancas. De acordo com o relatório da Polícia Militar, 22 policiais ficaram feridos.