Carandiru: 'É como se houvesse licença para matar', diz Anistia Internacional
Assessor de Direitos Humanos da ONG avalia que demora em julgar massacre de 1992 gera impunidade e violência como a de Pedrinhas, no MA
A Anistia Internacional no Brasil lamentou nesta quarta-feira o cancelamento do terceiro júri de policiais militares acusados de participar do massacre do Carandiru - episódio em que 111 presos foram assassinados na antiga Casa de Detenção de São Paulo em 2 de outubro de 1992. Nessa etapa, 15 PMs eram julgados pela morte de oito detentos do terceiro andar do pavilhão 9, mas o júri foi dissolvido após o advogado dos réus, Celso Machado Vendramini, abandonar o plenário alegando parcialidade do magistrado.
Assessor de Direitos Humanos da Anistia e especialista em segurança pública, o advogado Alexandre Ciconello afirmou ao Terra que o cancelamento do júri “cria um círculo vicioso de impunidade”. “Porque essa demora em julgar um caso tão emblemático de violência do Estado faz com que não só as famílias dos presos mortos como a sociedade fiquem sem resposta. E se essa página não é virada, o País não consegue aprender com seus erros e cria esse ciclo de violência e impunidade”, justificou. “Basta ver o que está acontecendo em Pedrinhas”, completou, referindo-se ao presídio de São Luís onde uma onda de violência vem matando presos do local ao menos desde o ano passado.
Para o especialista, casos de chacinas envolvendo policiais têm resposta “muito morosa” por parte do Judiciário. O massacre ocorrido no Carandiru, por exemplo, teve o primeiro e o segundo júris realizados em abril e agosto do ano passado - quando já decorriam quase 21 anos dos assassinatos. Dos 84 PMs que haviam sido denunciados pelo Ministério Público por autoria no massacre, seis já morreram.
“A Anistia acompanha com muita perplexidade o julgamento desse caso, que, justamente por ser emblemático, deveria ter sido apreciado mais rapidamente. Mesmo os PMs condenados ano passado estão em liberdade (eles recorrem em liberdade). É como se houvesse uma licença para matar que gera uma naturalização da violência”, considerou Ciconello.
O assessor da Anistia salientou ainda que, entre os PMs à espera de julgamento e mesmo os já condenados, mas que recorrem da sentença em liberdade há vários na ativa e promovidos, desde o massacre.
“Temos na corporação maus policiais que foram além de suas funções e mataram pessoas indefesas, já controladas, e que continuam atuando. Esse é um erro gravíssimo, assim como é não ter tido uma responsabilização política pela ordem de entrada da PM na unidade prisional - há impunidade nesse aspecto, também”, avaliou.
Ciconello lembrou que casos de tortura cometida por agentes do Estado na ditadura militar (1964-1985) também não tiveram ainda uma resposta final da Justiça e destacou: “Isso repercute ainda hoje, pois menos de 8% dos homicídios praticados no Brasil viram processo”, destacou.