Carandiru: júri condena PMs do Gate a 968 anos de prisão
Terceiro julgamento, terceira condenação. Foi esse o resultado na noite desta quarta-feira, em São Paulo, de mais um júri popular de policiais militares acusados de participar do massacre do Carandiru há quase 22 anos. O episódio, até hoje classificado como um dos piores na história do sistema penitenciário mundial, deixou um total de 111 mortos e cerca de 100 feridos no pavilhão 9 da unidade prisional, desativada em dezembro de 2002. O júri durou três dias no Fórum Criminal da Barra Funda (zona oeste de SP).
Dos dez réus do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate), sete deles na ativa, nove foram condenados a 96 anos de prisão pela morte de cada um dos oito presos citados na acusação. Um dos PMs, Silvio Nascimento Sabino, foi condenado a 104 anos porque os jurados entenderam que uma condenação dele já transitada em julgado (ou seja, esgotados os recursos), por tentativa de homicídio, implicava em reincidência de conduta criminosa e maus antecedentes. Ao todo, as penas somadas resultam em 968 anos de reclusão em regime fechado. Como são réus soltos, os policiais poderão recorrer da condenação em liberdade.
A sentença lida pelo juiz Rodrigo Tellini às 19 horas ainda determinou que os condenados ocupantes de cargos públicos sejam exonerados --o que, na prática, só pode ocorrer após o trânsito em julgado da decisão. Todos, porém, foram absolvidos pelo crime de tentativa de homicídio de três presos do quinto e último pavimento do pavilhão 9.
Os jurados ainda acataram o pleito do Ministério Público, que pediu a retirada de duas mortes por arma branca da acusação. Inicialmente, por sinal, eram 12 os policiais acusados, mas dois já morreram.
Defesa vai pedir anulação de júri
O advogado dos policiais, Celso Machado Vendramini, afirmou que vai recorrer ao Tribunal de Justiça para tentar anular o júri. "Tive meu direito de defesa cerceado", justificou, referindo-se a duas testemunhas da acusação que ele alega que queria ter ouvido. Uma delas é o perito aposentado Osvaldo Negrini Neto, única testemunha da acusação ouvida no júri na última segunda. A outra é o ex-diretor de disciplina do Carandiru, Moacir dos Santos, dispensado pelos promotores e liberado pelo juiz.
"Fui muito prejudicado na minha defesa, foi tudo consignado em ata e o TJ vai saber o que aconteceu. Este júri está praticamente anulado de forma objetiva e de direito, ainda que eu respeite os jurados e o conselho de sentença", declarou o advogado, segundo o qual "quem perdeu foi a população do Estado de São Paulo. Não havia provas para condenar esses PMs".
"As pessoas colhem no futuro o que plantam no presente. Dedico esta condenação a uma pessoa, aí vocês analisem e vejam quem é", sugeriu Vendramini aos jornalistas, sem citar nomes, e logo após criticar a conduta do magistrado --o mesmo de quem alegou conduta supostamente parcial, no júri passado, ao abandonar o plenário e conseguir a adiação do julgamento para 31 de março. A conduta rendeu ainda a Vendramini uma multa de mais de R$ 50 mil imposta pelo juiz.
"O último júri que abandonei não foi de caso pensado; foi um impulso, uma revolta sobre a conduta dele (Tellini). Neste júri, eu diria que o juiz atuou 60% como deveria porque cerceou a defesa", reclamou.
Tellini não se pronunciou sobre as declarações do advogado porque, segundo a assessoria do TJ, não foi oficialmente informado sobre elas.
Decisão foi "marco civilizatório"
Para o Ministério Público, o resultado do júri foi “absolutamente positivo” e “um marco civilizatório”.
“A condenação foi claramente um marco civilizatório. O discurso da barbárie não foi aceito pela sociedade e não foi aceito pelos júris deste caso”, disse o promotor Márcio Friggi. “E a defesa fez esse tipo argumentação de forma mais incisiva que nos júris anteriores, mas a sociedade não a acolheu porque ela espera um verdadeiro Estado democrático de direito e um País onde lei é aplicada corretamente, de forma igualitária, para todos”, declarou Friggi.
Condenação já é a terceira do caso
Ano passado, em outros dois júris do caso, 48 policiais foram condenados por ações em outros dois pavimentos do pavilhão 9 - em abril, foram 48 PMs do 1º Batalhão de Choque (Rota) condenados a 156 anos por 13 das 15 mortes ocorridas no primeiro andar do prédio; em agosto, foi a vez de 25 policiais do mesmo batalhão serem condenados a 624 anos pela morte de 52 das 73 mortes ocorridas no segundo andar do pavilhão.
Relembre o caso
Em 2 de outubro de 1992, uma briga entre presos da Casa de Detenção de São Paulo - o Carandiru - deu início a um tumulto no Pavilhão 9, que culminou com a invasão da Polícia Militar e a morte de 111 detentos. Os policiais são acusados de disparar contra presos que estariam desarmados. A perícia constatou que vários deles receberam tiros pelas costas e na cabeça.
Entre as versões para o início da briga está a disputa por um varal ou pelo controle de drogas no presídio por dois grupos rivais. Ex-funcionários da Casa de Detenção afirmam que a situação ficou incontrolável e por isso a presença da PM se tornou imprescindível.
A defesa afirma que os policiais militares foram hostilizados e que os presos estavam armados. Já os detentos garantem que atiraram todas as armas brancas pela janela das celas assim que perceberam a invasão. Do total de mortos, 102 presos foram baleados e outros nove morreram em decorrência de ferimentos provocados por armas brancas. De acordo com o relatório da Polícia Militar, 22 policiais ficaram feridos.