Condenação de Bruno pode ser marco para fim de impunidade, diz ministra
Goleiro foi condenado a 22 anos e três meses de prisão por morte de Eliza Samudio
A condenação do goleiro Bruno pela morte de Eliza Samudio no Dia Internacional da Mulher foi comemorada por movimentos e organizações que combatem a violência contra a mulher no Brasil. O veredito “culpado” e a punição de 22 anos e três meses de prisão ao ex-atleta do Flamengo devem se tornar mais um reforço na luta para erradicar as agressões físicas e emocionais a que são submetidas milhares de mulheres brasileiras todos os dias.
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A ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, Eleonora Menicucci de Oliveira, acredita que a condenação impactará positivamente devido à notoriedade do acusado e do caso em si e ajudará o Disque 180, serviço gratuito de denúncia para esse tipo de crime. “Pela forma com que a vítima foi assassinada, por ser um homem com fama e dinheiro, isso pode representar um marco no caminho para o fim da impunidade. Isso vai ajudar ainda mais as mulheres a quebrarem o silêncio, a denunciar a violência e os abusos que sofrem”, acredita.
Eleonora disse ainda que o caso teve tamanha repercussão e foi investigado tão a fundo justamente porque o acusado era uma pessoa famosa, que trouxe notoriedade à história. Se não fosse ele, segundo ela própria, a Eliza poderia ser “mais um caso, poderia virar estatística”.
A psicóloga e mestranda em saúde internacional Íris de Miranda espera muito que esse julgamento se torne um marco, principalmente pelo caso ter trazido para discussão a questão da desmoralização da mulher. Ela foi uma das organizadoras do "Um bilhão que se ergue em SP", evento global que levou paulistanos para dançar em combate à violência contra as mulheres no dia 16 de fevereiro, no vão do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp). “É preciso parar de culpar a vítima, de tirar o foco da agressão. Quem ela (Eliza) era ou o que fazia não deveriam ser dados importantes. Nada justifica nenhuma violência, mas isso é totalmente manipulado justamente para causar raiva, para falar que é ela suja, que mereceu. Essa é uma tradição muito enraizada na sociedade, não é novo”, ressaltou.
Para a assistente social e integrante da organização não-governamental Sempreviva Organização Feminista, Sonia Coelho, a punição de Bruno deixa uma marca: a de que esse tipo de crime não pode ocorrer e a sociedade não pode aceitar. “Eu nunca tinha visto isso. Jogar um ser humano para um cachorro comer é algo que não tem palavras para traduzir a indignação de um crime como esse”, considerou Sonia.
Números
Em seis anos (2006 a 2012) da vigência da Lei Maria da Penha, a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR), registrou 2.714.877 atendimentos. Na visão da ministra Eleonora Menicucci de Oliveira, a lei trouxe diversos avanços desde que foi implementada, mas ainda precisa criar mais raízes na cultura brasileira, para que os agressores percam a noção de impunidade, de que nada vai acontecer a eles.
Nos relatos ao 180, a violência física esteve presente em 196.610 dos casos. Desses, 93.903 (52%) apresentaram risco de morte e 83.442 (45%) risco de espancamento. Em 70,19% dos casos da violência doméstica contra a mulher, o agressor é o companheiro ou cônjuge da vítima. Acrescentando os demais vínculos afetivos (ex-marido, namorado e ex-namorado), esse dado sobe para 89,17% dos casos.
Além disso, segundo o Mapa da Violência divulgado em agosto de 2012 com dados do Ministério da Saúde, entre 1980 e 2010, foram assassinadas no Brasil mais de 92 mil mulheres. Deste total, 43,7 mil só na última década. O número de mortes nesse período passou de 1.353 para 4.465, o que representa um aumento de 230%.
Para a ministra, a situação é ainda preocupante, principalmente porque se baseia no princípio de que nenhuma mulher deveria sofrer violência ou preconceito. A culpa pela dificuldade em combater esse tipo de crime, segundo ela, é cultural, e muito do sofrimento das mulheres é decorrente do “sistema patriarcal”. “As mulheres ainda têm medo, sofrem caladas, se sentem coagidas, em muitos casos, a denunciar”, analisou.
Maria da Penha
Em vigor desde o dia 22 de setembro de 2006, a Lei 11.340, conhecida como Maria da Penha, aumentou o rigor das punições das agressões contra a mulher sofridas tanto no âmbito doméstico quanto familiar. Entre as mudanças, os agressores agora podem ser presos em flagrante ou ter a prisão preventiva decretada, sem a possibilidade de punição com penas alternativas. A norma também aumentou o tempo máximo de detenção previsto de um para três anos. Há ainda medidas preventivas, como a determinação da saída do agressor do domicílio e a proibição de sua aproximação da mulher agredida.
O nome da lei é uma homenagem à farmacêutica Maria da Penha, espancada de forma brutal e violentada diariamente pelo marido, o professor colombiano Marco Antonio Heredia Viveros, durante seis anos de casamento. Ele tentou matá-la duas vezes em 1983.
Na primeira vez, com arma de fogo e, na segunda, tentou eletrocutá-la. Por conta das agressões sofridas, Maria da Penha ficou paraplégica. Nove anos depois, seu agressor foi condenado a oito anos de prisão. Por meio de recursos jurídicos, ficou preso por dois anos para revolta de Maria com o poder público. Solto em 2002, hoje está livre.
O caso Bruno
Eliza Samudio desapareceu no dia 4 de junho de 2010 após ter saído do Rio de Janeiro para ir a Minas Gerais a convite de Bruno. Vinte dias depois a polícia recebeu denúncias anônimas de que Eliza havia sido espancada por Bruno e dois amigos dele até a morte no sítio de propriedade do jogador, localizado em Esmeraldas, na Grande Belo Horizonte. O filho de Eliza, então com quatro meses, teria sido levado pela mulher de Bruno, Dayanne Rodrigues. O menino foi achado posteriormente na casa de uma adolescente no bairro Liberdade, em Ribeirão das Neves.
No dia seguinte, a mulher de Bruno foi presa. Após serem considerados foragidos, o goleiro e seu amigo Luiz Henrique Romão, o Macarrão, acusado de participar do crime, se entregaram à polícia. Pouco depois, Flávio Caetano de Araújo, Wemerson Marques de Souza, o Coxinha Elenilson Vitor da Silva e Sérgio Rosa Sales, outro primo de Bruno, também foram presos por envolvimento no crime. Enquanto a polícia fazia buscas ao corpo de Eliza, um motorista de ônibus denunciou o primo do goleiro como participante do crime. Apreendido, jovem de 17 anos relatou à polícia que a ex-amante de Bruno foi mantida em cativeiro e executada pelo ex-policial civil Marcos Aparecido dos Santos, conhecido como Bola, que a estrangulou e esquartejou seu corpo. Ainda segundo o relato, o ex-policial jogou os restos mortais para seus cães.
No dia 30 de julho, a Polícia de Minas Gerais indiciou todos pelo sequestro e morte de Eliza, sendo que Bruno foi apontado como mandante e executor do crime. No início de dezembro, Bruno e Macarrão foram condenados pelo sequestro e agressão a Eliza, em outubro de 2009, pela Justiça do Rio. O goleiro pegou quatro anos e seis meses de prisão.
Em 17 de dezembro, a Justiça mineira decidiu que Bruno, Macarrão, Sérgio Rosa Sales e Bola seriam levados a júri popular por homicídio triplamente qualificado, sendo que o último responderá também por ocultação de cadáver. Dayanne, Fernanda, Elenilson e Wemerson responderiam por sequestro e cárcere privado.
No dia 19 de novembro de 2012, foi dado início ao julgamento de Bruno, Bola, Macarrão, Dayanne e Fernanda. Dois dias depois, após mudanças na defesa do goleiro, o tribunal decidiu desmembrar o processo. O júri condenou Macarrão, a 15 anos de prisão, e Fernanda Gomes de Castro, a cinco anos. O julgamento de Bruno e de Dayane Rodrigues do Carmo, ex-mulher do goleiro e acusada de ser cúmplice no crime, foi remarcado para 4 de março de 2013. O ex-policial Marcos Aparecido dos Santos, o Bola, que é acusado como autor do homicídio, teve o júri marcado para abril de 2013.