Caso Richthofen completa 12 anos com Suzane em evidência
Presa por ter planejado o assassinato dos pais, Suzane von Richthofen agora vive casada com outra detenta na prisão do Tremembé
Há 12 anos, como agora, o Brasil recém tinha passado pelo segundo turno das eleições presidenciais. Como agora, o PT teve o seu candidato eleito para comandar o País por quatro anos. E, como agora, Suzane von Richthofen era assunto nacional. Se em 2002 a garota, então com 18 anos, provocou choque e escândalo ao planejar o assassinato dos seus pais, desta vez voltou às manchetes pelo amor – e sem nenhuma relação com Daniel Cravinhos, o namorado que tinha então e que a levou a eliminar Manfred e Marisia von Richthofen.
Aos 30 anos, Suzane poderia passar o dia longe da prisão de Tremembé, no interior de São Paulo. Mas o coração não deixa: a detenta está casada com uma colega do presídio, como informou o jornal “Folha de S. Paulo” na última terça-feira, e a progressão para o semiaberto a levaria para outro instituto penal.
Embora não seja mais a garota de classe alta que passava férias na Europa, morava em uma mansão na zona sul de São Paulo e estudava nas melhores escolas, Suzane von Richtofen ainda se destaca por onde passa. No Tremembé, onde está desde 2007, virou chefe da fábrica de roupas do presídio e protagonizou um triângulo amoroso brutal.
Na fábrica de roupas, também trabalhavam Sandra Regina Ruiz Gomes (conhecida como “Sandrão”), 31 anos, e Elize Matsunaga, 32 anos. A chefe Suzane, condenada pelo assassinato dos pais em 2002, se apaixonou por Sandra, presa pelo sequestro e morte de um adolescente em 2003. Mas Sandra tinha um relacionamento com Elize, encarcerada pelo assassinato e esquartejamento do marido, Marcos Matsunaga, em 2012.
Na disputa por “Sandrão”, Suzane levou a melhor. Com o casamento – na verdade, um documento de reconhecimento afetivo exigido pela instituição –, ela deixou a “ala das evangélicas”, que sempre habitou desde que foi presa em Tremembé, e agora está com Sandra na cela das casadas. Lá elas convivem com mais oito casais. Se houver briga ou traição na história, terão que se manter longe desse espaço por seis meses - quarentena cumprida por Sandra após o rompimento com Elize Matsunaga.
A situação, de acordo com a “Folha”, não é nova para Suzane: ela sempre despertou paixões nas penitenciárias. Em Rio Claro, duas funcionárias do presídio se apaixonaram por Suzane e facilitaram sua vida de detenta, permitindo regalias como acesso à internet. Já em Ribeirão Preto, ela acusou um promotor de assediá-la dizendo que ia tirá-la da “vida de crimes”. Em entrevista à revista “Marie Claire” publicada nesta quarta-feira, Suzane disse que sonha em ser mãe, construir uma família e que gostaria de se reconciliar com o irmão, Andreas, 27 anos – recentemente ela abriu mão da briga pela herança dos pais. “Estou pagando pelo meu erro e quero a chance de recomeçar”, afirmou.
A Lei dos Crimes Hediondos
De acordo com especialistas consultados pelo Terra, a falta de perspectiva de ressocialização dos presos é justamente a principal falha da Lei dos Crimes Hediondos, que completa 20 anos em 2014. E o assassinato do casal Richthofen pode ilustrar esse tema.
O macabro episódio tramado por Suzane von Richthofen e pelos irmãos Daniel e Christian Cravinhos foi um dos homicídios mais marcantes do Brasil. E fez parte de uma coleção de casos famosos que se enquadra na Lei dos Crimes Hediondos, que completou 20 anos em 2014. A lei, criada em grande parte após a comoção popular causada pelo assassinato da atriz Daniela Perez por Guilherme de Pádua, em 1992, tinha como objetivo aumentar a punição para crimes que estivessem enquadrados nos seus artigos. O problema é que, de acordo com os especialistas, ela não serviu para diminuir o número de crimes violentos.
Atualmente, são 155 mortes violentas por dia, com uma proporção de 29 assassinatos por 100 mil habitantes. De acordo com o último Mapa da Violência, de 2014, o número de assassinatos aumentou de 49.695 em 2002 para 56.337 em 2012.
Presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, João Ricardo Costa chama a Lei de “inócua”. “Foi completamente inócua para melhorar a segurança, talvez tenha até piorado a situação. Temos nela o símbolo da maneira equivocada de enfrentar a violência. Os crimes aumentaram, a violência também, e o sistema carcerário também piorou. Muitos podem não concordar, mas é uma realidade que essa política tem sido equivocada, considerando o sistema prisional”, afirma o juiz de 54 anos.
O advogado Alberto Zacharias Toron, especialista em direito penal e autor de livros sobre o tema, tem a mesma opinião. “Em termos de segurança pública, não mudou nada. Essa crença é mística, ilusória, um mito. A influência na segurança foi zero. A ideia que se tinha é que, com o endurecimento do regime processual, com o cumprimento integral da pena em regime fechado, isso aplacaria o clamor de a polícia prender e o juiz soltar. Esperava-se que, com essas medidas, houvesse uma redução do crime, e não houve”, diz Toron.
Concluindo uma tese de doutorado sobre crimes hediondos, o advogado ainda explica as mudanças na legislação desde a promulgação da Lei: “O que essa Lei fez foi uma contrarreforma em relação ao código penal de 1985, que criou a progressão de regime e acabou sendo muito branda em alguns casos. Mas a Lei dos Crimes Hediondos teve um movimento pendular, que é muito ruim. Fomos de um extremo ao outro: do sujeito que passava pouco tempo cumprindo sua pena para um excesso de punição”.
Mudanças do STF
Toron afirma ainda que as mudanças feitas posteriormente na Lei a tornaram mais adequada à realidade da Justiça criminal brasileira, pois favorecem a ressocialização dos presos. “Veio o Supremo Tribunal Federal, que (em 2006) julgou inconstitucional o regime integralmente fechado, proposto pela Lei. Com isso, se o sujeito é réu primário e sem antecedentes criminais, ele pode cumprir dois quintos da pena em regime fechado antes da ganhar a progressão; se for reincidente, três quintos. Isso é bom: não tira a esperança do preso de sair do regime prisional”, acredita.
Os dois também têm visão semelhante a respeito de uma possível solução para a questão da violência no Brasil. Costa explica que a sociedade precisa evoluir na avaliação de temas como detenção e ressocialização de presos: “isso é uma questão cultural, uma visão de sociedade que não aprofundou o debate no enfrentamento a violência. Não podemos enfrentar a realidade com base em uma regra criada em um caso geral. Reconhecemos que a sociedade tem, culturalmente, uma reação em relação ao crime de forma a cobrar justiça – e a forma de justiça da sociedade é cadeia. Não conseguimos superar isso”, opina.
Justiça reparativa
De acordo com o magistrado, a cadeia não pode ser vista como uma vingança ao preso. “A finalidade da pena é a ressocialização”, lembra Costa. Qual seria o interesse da sociedade em manter alguém que cumpriu sua pena encarcerado? O crime gera um prejuízo social, que deve ser reparado. Não podemos perder isso de vista. Uma pena não é vingança, e isso tem que ser debatido na sociedade. Isso precisa avançar conforme avança a civilização. A cadeia, o cárcere, a privação de liberdade, é extremo”.
Para ele, é essencial o debate acerca da justiça reparativa. “Temos que criar alternativas para que a resposta do Estado não seja apenas a violência, mas a recomposição de um dano. Aumentar o rigor e criar alternativas. A justiça reparativa está chegando agora ao Brasil. É uma visão pacificadora, uma forma de enfrentar o crime através da cultura da paz. O dano não é resolvido com o sistema atual, e a sociedade não percebe isso. Cabe a nós levar este debate para o cidadão. Temos que fazer uma reflexão, com bastante critério, da falência deste modelo nos 20 anos”, conclui o magistrado.
Toron, que participou do caso Richthofen como assistente de acusação, vai ao encontro da opinião de Costa ao falar sobre a falta de eficácia da Lei dos Crimes Hediondos. “O agente criminoso, ao cometer um crime, não está pensando se a pena é de dois ou 10 anos, mas se vai ser pego ou não. Por isso, é mais eficaz ter uma força policial que funcione, que consiga detê-los. Isso é mais efetivo do que ter uma pena alta. O sistema que a Lei tentou introduzir não funcionou. A consciência jurídica não comprou essa ideia”, conclui.
Relembre o caso
Assassinato dos Richthofen chocou o Brasil em 2002
Quando: 31 de outubro de 2002, em São Paulo
Ocorrência: Manfred e Marísia von Richthofen, assassinados em casa enquanto dormiam
Resultados: Suzane e Daniel Cravinhos condenados a 39 anos e 6 meses de reclusão; Christian Cravinhos condenado a 38 anos e 6 meses de reclusão. Os irmãos Cravinhos estão no semiaberto, enquanto Suzane está detida em regime fechado
O assassinato de Manfred e Marísia von Richthofen a mando de sua filha, Suzane, então com 18 anos, chocou o Brasil em 2002. Cometido logo após o segundo turno das eleições daquele ano, chegou a rivalizar com o assunto nos noticiários. Suzane, uma jovem de classe alta, namorava Daniel Cravinhos, mas seus pais não aprovavam a relação. Por isso, ela tramou com seu namorado e o irmão dele, Cristian Cravinhos, o assassinato dos pais.
Na noite de 31 de outubro, Suzane e Daniel convenceram Andreas von Richthofen, irmão mais novo de Suzane, então com apenas 15 anos, a acompanhá-los em uma Lan House. O casal deixou o garoto no local e disse a ele que iriam comemorar o aniversário de namoro em um motel. Na saída da Lan House, eles encontraram Cristian e foram de carro até a mansão da família Richthofen – que estava com os sistemas de segurança desligados, medida tomada por Suzane dias antes, na preparação para o crime. No carro, que pertencia a Suzane, já estavam as barras de ferro que seriam utilizadas para matar os pais da garota.
Suzane entrou em casa e ligou as luzes para que os irmãos seguissem ao quarto de Manfred e Marísia. Ao chegarem lá, Daniel golpeou e matou o pai de Suzane de forma instantânea com um golpe na cabeça, enquanto Cristian precisou dar repetidos golpes em Marísia, e por fim usou um saco de lixo para estrangulá-la. Suzane, enquanto isso, pegou o dinheiro que os pais guardavam em uma pasta de couro e orientou os Cravinhos a abrirem o cofre e espalharem as joias e um revólver que estavam no quarto do casal para simular um roubo.
Depois, os três seguiram com seu plano. Cristian foi deixado na casa da sua avó, onde morava, e Suzana e Daniel seguiram para um motel, em que ficaram por uma hora e meia, para forjar um álibi, e chegaram a pedir uma nota fiscal com essa intenção. Em seguida, buscaram Andreas na Lan House e foram até à casa de Daniel para deixá-lo lá, antes de Suzane e Andreas voltarem à residência dos Richthofen. Lá, ela disse ter estranhado ver as portas abertas: os dois entraram em casa, mas logo voltaram para a rua. Ela ligou para Daniel, que foi até o local e chamou a polícia. Os policiais que primeiro atenderam a ocorrência disseram ter estranhado a reação de Suzane ao caso e, depois de percorrerem a casa, confirmaram que Manfred e Marísia estavam mortos.
A polícia começou as investigações e, a partir dos depoimentos de Andreas, Suzane e Daniel, desconfiou da garota e do seu namorado, que apresentavam um comportamento incomum na delegacia – trocando carícias e beijos, algo que chamou a atenção dos policiais que participavam do caso. Com as explicações confusas de Suzane e Daniel, eles tiveram que dar novos depoimentos e acabaram confessando o crime, incriminando também Cristian Cravinhos.
Os três foram julgados em 2006 e condenados: Suzane e Daniel a 39 anos e 6 meses; Christian a 38 anos e 6 meses. Em fevereiro de 2013, os irmãos ganharam o direito a cumprirem pena no semiaberto. Já Suzane havia ganhado um habeas-corpus em junho de 2005, antes do julgamento, mas voltou à prisão em abril de 2006, após dar uma entrevista ao Fantástico – o promotor do caso entendeu que Andreas von Richthofen corria risco de vida com a irmã em liberdade. Ela ganhou direito ao semiaberto em agosto de 2014, mas pediu para permanecer detida. Na mesma ocasião, rompeu com Denivaldo Barni, seu advogado desde 2002, e também abriu mão de entrar com um pedido de receber parte da herança dos pais.
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