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Polícia

Como o crime organizado assassinou um operador do aeroporto após ele barrar mala com cocaína

Arisson Moreira Júnior encontrou bagagem com 60 quilos da droga que seria embarcada para a Europa. Esquema com suspeita de ligação com o PCC assassinou vítima quatro dias depois: 'Eu já passei para os caras'

27 abr 2023 - 17h28
(atualizado às 17h48)
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Movimetacao no andar de embarque do terminal 2 do Aeroporto Internacional de Cumbica em Guarulhos
Movimetacao no andar de embarque do terminal 2 do Aeroporto Internacional de Cumbica em Guarulhos
Foto: Daniel Teixeira/Estadão / Estadão

Um operador de esteiras que trabalhava no Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, na Grande São Paulo, foi assassinado após barrar malas com 60 kg de cocaína com destino à Europa. O caso, publicado pelo portal Metrópoles e confirmado pelo Estadão, ocorreu no começo de 2020, pouco antes do início da pandemia. Um outro funcionário, acusado de ter "encomendado" a morte do operador, foi condenado a 33 anos de prisão.

O modus operandi usado no caso é similar ao adotado recentemente por uma quadrilha que, também em Guarulhos, trocou as malas de duas turistas de Goiânia (GO) por bagagens carregadas de drogas. Elas ficaram presas por um mês na Alemanha, mas foram soltas após a polícia brasileira comprovar que eram inocentes. O caso ligou o alerta sobre a atuação de células ligadas ao Primeiro Comando da Capital (PCC) no maior aeroporto do País.

Denúncia oferecida em março de 2020 pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) aponta que, ao exercer seu trabalho, o operador de esteiras Arisson Moreira Júnior, com 34 anos à época, frustrou os planos de uma organização criminosa que atuava no aeroporto. O PCC não é citado de forma explícita no documento, mas é apontado pela polícia como a principal facção a atuar por lá. O episódio ocorreu em 9 de janeiro daquele ano, que seria um dia qualquer na rotina de Arisson.

"A motivação do crime está diretamente ligada à postura do Arisson, da vítima, que impediu (o tráfico de drogas). Ele acabou sendo o entrave para que as malas chegassem ao destino pretendido", disse ao Estadão a promotora de Justiça Vania Caceres, do MP-SP. Conforme a denúncia, obtida pela reportagem, Arisson interceptou duas malas em esteira do Terminal 2 ao notar que elas estavam com um etiqueta que apontava que o destino final era Porto Alegre, mas foram colocadas juntas com bagagens que iam para a Europa.

Ele retirou as malas da esteira para apurar o porquê de estarem ali. Nisso, outro operador de esteiras, Márcio Roberto Peres, hoje com 56 anos, foi até o local e tentou "de todas as maneiras liberar a bagagem", segundo a promotora. "Ele veio até com a foto das malas, trazia no celular a foto das malas que ele deveria pegar. Então ele fala que o supervisor mandou", disse. "Mas o Arisson falou: 'não, você não vai tirar a mala daqui'. Inclusive, em algum momento ele tenta pegar e o Arisson tira a mala dele. Quando viu que aquilo começou a fugir do normal, acionou a PF. E o Márcio sumiu."

Vania diz que agentes da Polícia Federal foram até o local e uma perícia constatou que as malas continham, juntas, 60 kg de cocaína. O lucro estimado com o transporte da bagagem ultrapassaria milhões. "Era uma cifra absurda", diz a promotora, sem especificar o valor. Os policiais aprenderam a bagagem e iniciaram uma investigação por tráfico de drogas a partir disso. Depois, descobriu-se que Márcio sequer estava escalado para trabalhar naquele dia, embora tivesse acesso livre ao local.

Assassinato de Arisson ocorreu dois dias após discussão

Dois dias depois, segundo a denúncia, Márcio encontrou com Arisson em um ponto de ônibus do aeroporto e os dois começaram a discutir por conta do ocorrido. Até que o operador que tentou desviar as bagagens à força disse à vítima: "você, eu já passei para os caras", segundo depoimento de uma testemunha anônima que consta no documento.

"O Arisson ficou apavorado com aquilo, ele sabia do esquema do aeroporto. Há notícias nos autos inclusive que ele já tinha sido convidado a participar, e recusou. Então ficou transtornado", disse a promotora Vania Caceres. Ele era funcionário de uma terceirizada do aeroporto.

Dois dias depois, Arisson foi executado a dois quarteirões de casa, também em Guarulhos, por três indivíduos fortemente armados com munições de calibre 9 mm. O grupo chegou em uma Ford Ranger, produto de furto e com placa adulterada, e "fechou" o carro da vítima. Ele tentou fugir correndo, mas foi alvejado pelos criminosos.

Os três envolvidos no assassinato nunca foram identificados, mas a Polícia Civil de São Paulo começou uma investigação em conjunto com a PF para a motivação do crime. "A partir dali a polícia começou a fechar que ele (Márcio) que indicou a vítima para a morte, então foi pedida a prisão dele, temporária primeiro e depois preventiva. Ele aguardou todo o processo preso", disse Vania.

Após apresentação de denúncia do MP-SP, Márcio foi a júri e foi condenado, no ano passado, a 33 anos, 2 meses e 12 dias de prisão, em regime fechado. A decisão já transitou em julgado. "A condenação dele foi um marco importante, até para os funcionários do aeroporto. Porque isso causou uma indignação muito grande, as pessoas ficaram desesperadas quando isso aconteceu. Ninguém queria testemunhar", disse a promotora.

"Foi uma maneira que eles (organização criminosa) encontraram mesmo de se fazer presentes, de demonstrar poder dentro do aeroporto, e inibir que outras pessoas atravessassem o caminho do tráfico ali dentro", disse. "Ele (Arisson) foi convidado a participar, mas recusou. Não só se recusou, como atravancou o negócio. E aí foi executado exatamente por isso. A condenação foi muito importante para, no mínimo, inibir novos casos assim."

Márcio também foi condenado por tráfico de drogas

Em paralelo, após apresentação de denúncia pelo Ministério Público Federal (MPF), Márcio foi condenado em primeiro grau por tráfico de drogas na Justiça federal. Segundo a sentença, ele alegou que não cometeu crimes e que não foram produzidas provas que justifiquem sua condenação, devendo prevalecer a presunção de sua inocência.

O entendimento da Justiça Federal, porém, foi de que ele tinha envolvimento com o tráfico de drogas no aeroporto. "Para muito além da mera condição de mula, destacada para simplesmente realizar o transporte do entorpecente, Márcio agiu ativamente visando a concretizar o embarque da cocaína, chegando inclusive a entrar em contenda com outro funcionário do aeroporto, posteriormente assassinado", diz a sentença.

Outro trecho do documento destaca que, conforme o que foi apurado pela Polícia Federal, "acredita-se que haja participação do PCC nos delitos". Márcio foi condenado a 8 anos e 2 meses de reclusão por tráfico de drogas e pagamento de 816 dias-multa. Outros réus listados no mesmo processo também foram condenados.

Após a decisão, eles ingressaram com recurso no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3). O pleito aguarda julgamento e tramita em segredo de justiça no Tribunal. A reportagem não conseguiu localizar a defesa de Márcio Roberto Peres.

PF já deflagrou quatro operações no ano para investigar casos

Como mostrado pelo Estadão recentemente, a Polícia Federal já deflagrou ao menos quatro operações desde o início deste ano para desarticular quadrilhas que atuavam com tráfico de drogas no Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos. A última delas foi realizada recentemente, após duas brasileiras serem presas no último mês na Alemanha.

As goianas Kátyna Baía, de 44 anos, e Jeanne Paolini, de 40, tiveram a bagagem trocada por malas carregadas com cerca de 40 quilos de cocaína ainda no Brasil e foram detidas quando chegaram para o que seria uma viagem de férias na Europa. Ao menos sete suspeitos foram presos.

Segundo a polícia, os esquemas de tráfico de drogas no aeroporto costumam envolver grupos de cerca de cinco pessoas, além de uma pessoa para esperar a mala no local de destino. Mas, claro, há variações de caso a caso. O destino mais comum das malas carregadas de drogas é a Europa, pelo alto potencial lucrativo da cocaína por lá, mas a polícia também já interceptou envios para países do Oriente Médio e da África.

"Esse modus operandi foi alterado diante desse novo evento que nós acompanhamos, das brasileiras que foram presas na Alemanha. Foi feito de uma maneira diferente, que até então eram malas com etiqueta 'rush'", disse Vania Caceres. "No caso delas, substituíram as malas que efetivamente eram delas por malas contendo a droga. É como se utilizar de uma 'mula cega' para fazer o transfer da droga."

Estadão
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