Desembargadores dizem que Carandiru teve desfecho 'inesperado'
Depoimentos em vídeo, gravados em abril, foram apresentados para os jurados no Fórum Criminal da Barra Funda
Os desembargadores e ex-juízes corregedores Ivo de Almeida e Luís Augusto San Juan França - testemunhas convocadas pela defesa dos 25 policiais acusados por 73 das 111 mortes de presos na Casa de Detenção de São Paulo, em outubro de 1992 - afirmaram à Justiça Paulista que a ação policial naquele dia teve um desfecho inesperado. O depoimento dos dois, dado à Justiça na primeira fase do julgamento, em abril, foi reprisado em vídeo nesta terça-feira, no Fórum Criminal da Barra Funda. Ambos estiveram presentes no dia da ação.
O segundo dia do julgamento dos policiais que atuaram no terceiro pavimento da Casa de Detenção teve os depoimentos de Pedro Franco de Campos, ex-secretário de Segurança Pública, e do ex-governador de São Paulo Luiz Antonio Fleury Filho, além de outras duas testemunhas protegidas por sigilo. Ambas trabalharam no sistema prisional paulista.
"Não esperava uma situação dessas. Fui em dezenas, centenas de situações semelhantes. Não imaginava um desdobramento dessa grandeza. (...) Era uma rebelião como qualquer outra", relatou Almeida.
Ele disse que chegou cerca de uma hora e meia depois do início da briga entre presos e que participou de uma reunião informal com o comandante da tropa, coronel Ubiratan Guimarães, com o também juiz Fernando Antonio Torres Garcia, com Ismael Pedrosa, diretor da Casa de Detenção, e com o secretário-adjunto de Segurança Pública, Antonio Filardi Diniz.
"Não dava para conversar com os presos. Eles montaram uma barricada na entrada do Pavilhão 9 e não tínhamos acesso a eles. O Pedrosa já tinha tentado uma negociação. Ele era muito cuidadoso, uma autoridade muito responsável e respeitada pelos presos. Nosso objetivo não era esse e não havia precedentes para o que aconteceu. A tropa mudou a forma de agir depois disso. Para mim foi uma lição", disse ele.
Luís Augusto San Juan França lembra que, à época dos fatos, não foram apresentadas armas de fogo que a polícia disse ter encontrado junto aos presos. "O que eu vi foram armas brancas, muitas, não vimos armas de fogo. Na hora de conversar com policiais na sindicância é que fui informado de que presos portavam armas de fogo, 12 ou 13, se não me engano", disse ele, para quem o desfecho da ação policial também foi uma "surpresa".
Relembre o caso
Em 2 de outubro de 1992, uma briga entre presos da Casa de Detenção de São Paulo - o Carandiru - deu início a um tumulto no Pavilhão 9, que culminou com a invasão da Polícia Militar e a morte de 111 detentos. Os policiais são acusados de disparar contra presos que estariam desarmados. A perícia constatou que vários deles receberam tiros pelas costas e na cabeça.
Entre as versões para o início da briga está a disputa por um varal ou pelo controle de drogas no presídio por dois grupos rivais. Ex-funcionários da Casa de Detenção afirmam que a situação ficou incontrolável e por isso a presença da PM se tornou imprescindível.
A defesa afirma que os policiais militares foram hostilizados e que os presos estavam armados. Já os detentos garantem que atiraram todas as armas brancas pela janela das celas assim que perceberam a invasão. Do total de mortos, 102 presos foram baleados e outros nove morreram em decorrência de ferimentos provocados por armas brancas. De acordo com o relatório da Polícia Militar, 22 policiais ficaram feridos.