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Polícia

Dia 5 - Na Maré, Caveirão é inundado de críticas e leva medo

19 mar 2010 - 11h23
(atualizado às 12h38)
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Fabiano Rampazzo

Esqueça o bicho-papão, a Cuca ou o Saci-pererê. Zumbi, fantasma, homem-do-saco, nada disso. O monstro que aparece nas cantigas de ninar e que assombra o imaginário das criancinhas do complexo de favelas da Maré tem trilhos no pára-choques, embreagem de trator, uma torre e vinte "seteiras" - buracos adaptados para os canos das armas. Conhecido como Caveirão, o carro-forte blindado do BOPE (Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro), com capacidade até para 22 homens, é o terror dos traficantes e de toda a comunidade que os cerca.

Caveirão é rodeado pela comunidade em uma de suas interseções
Caveirão é rodeado pela comunidade em uma de suas interseções
Foto: Divulgação

"Quando ele entra é pra matar que tiver na frente. Não tem conversa, não tem bom dia, boa tarde, é bala pra onde o cano tiver apontando", disse R.M, de 28 anos, morador e comerciante da Maré. Segundo relato dos moradores a entrada do Caveirão na favela não segue um padrão determinado, pode estar chovendo, fazendo sol, com a favela em clima ameno, ou tenso, pode ser de dia, de noite, de madrugada. Sem avisar ele vem.

O nome como é conhecido o blindado, "Caveirão", vem da estampa do símbolo do BOPE em sua lataria preta, uma caveira com um punhal fincado no crânio e duas garruchas cruzadas atrás. Suas rodas têm aço reforçado, seus pára-choques derrubam barricadas, um ar condicionado ameniza o calor no caso de ataque por coquetéis molotovs, além de escudos de aço que, durante os tiroteios, protegem ainda mais os pára-brisas feitos de resistente blindagem ¿ assim como sua carroceria, a prova de fuzis antiaéreos. Esta é a cara do medo na favela. Quando o Caveirão aparece ali ninguém, ninguém mesmo, quer ficar para ver.

"'Eu vim buscar sua alma'... 'Vim para pegar você'... Eles falam isso no auto-falante enquanto passam devagarzinho pelas ruas da favela. É um terror psicológico do caramba!", disse Sebastião Antônio Araújo, de 46 anos, morador da Maré e presidente do Instituto Vida Real. (Amanhã o especial Semana na Favela vai mostrar o trabalho de algumas das principais ONGs da Maré).

Ainda sobre a ação do Caveirão dentro da Maré, Sebastião completou: "Se ficasse só no terror psicológico tava bom. Isso quando não entram atirando sem mais nem menos, é um salve-se quem puder. Mas eles vão negar isso, vão dizer que são alvejados antes, pode escrever o que tô dizendo".

A palavra da polícia

"Isso é absurdo! Por que um policial faria disparos contra crianças e trabalhadores? Nós apenas reagimos à injusta agressão, depois de sermos alvejados primeiro", respondeu o capitão do BOPE Ivan Blaz. Segundo ele, o terror psicológico promovido pelos alto-falantes do Caveirão invenção, é fruto da imaginação das pessoas. "A cultura popular inventa esses mitos", disse, em entrevista ao Terra.

Ainda segundo o Capitão Blaz, o Caveirão se faz necessário na favela porque os bandidos se utilizam de armas de guerra. "Mas o veículo não sai atirando, ele serve apenas para transporte de tropas. Vocês têm que entender que nossa postura é a pacificação das áreas, a pacificação do Complexo da Maré é uma das prioridades do novo comando da Polícia Militar do Rio de Janeiro", completou.

O aluguel do Caveirão

Quanto valeria a diária de um veículo blindado com vidros de 56 milímetros de espessura? Um carro de carroceria com chapas de balístico e mantas de aramida, incrementado com escudos de aço que protegem ainda mais os resistentes vidros quando sob tiroteio? Quanto vale poder usufruir de um tanque de 3 de metros de altura, 5,6 metros de comprimento e com quase 8 toneladas, equipado com um motor de seis cilindros e 180 cavalos, podendo atingir até 120 km/h? Isso sem falar nos anéis de aço, reforçados e instalados entre as rodas e os pneus, possibilitando ao veículo rodar cerca de 2 quilômetros a 80km/h, mesmo com pneus atingidos? Isso tem preço? Bom, segundo relatos de diversos moradores, na Maré... teve.

"O Terceiro Comando alugou o Caveirão da PM e arrebentou com tudo aqui dentro. Não tem negócio com aquele bicho, é morte certa mesmo", disse D.S, iniciais de um morador do Complexo da Maré. Segundo ele, o Terceiro Comando, uma das 4 facções do tráfico na favela, se utilizou do blindado da PM para tomar um estratégico território de uma facção rival do complexo. Outros moradores confirmam a história e, segundo eles, a locação do Caveirão por apenas um dia teria saído por R$ 12 mil.

A PM do Rio de Janeiro, por meio de sua assessoria de imprensa, nega o fato e disse desconhecer a história. Em nota, a polícia disse ainda que toda e qualquer denúncia deve ser encaminhada diretamente a Corregedoria Interna da Polícia Militar do Rio de Janeiro.

"Diga não ao Caveirão"

Há um ano, uma semana antes do Carnaval, um bloco pacífico, mas de protesto, desfilou pelas ruas do Complexo da Maré. Seu nome era "Se benze que dá", e, no estilo mais tradicional dos blocos de rua do Rio de Janeiro, foi atraindo gente e crescendo confirme desfilava pela favela. Uma das alas do bloco se chamava "Diga não ao Caveirão", com integrantes exibindo alegorias de protesto ao blindado que tira tanto o sono da favela. "Raquel, vai já pro banho ou eu chamo o Caveirão pra te pegar, hein!"

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Semana na favela

Formado por 16 comunidades e com 132 mil pessoas, o Complexo da Maré, maior favela do Rio de Janeiro, foi apontado pelo Instituto Econômico de Pesquisa Aplicada (Ipea) como um dos pontos de maior letalidade policial. Em outras palavras, a região encabeça a lista dos bairros em que a polícia mais mata na cidade. O Terra entrou na favela e, por uma semana, cruzou com traficantes armados com fuzis, conversou com moradores da favela e ouviu relatos dos sobreviventes da violência. De volta a São Paulo, o repórter Fabiano Rampazzo entrevistou pesquisadores, psicólogos, sociólogos e policiais, e entrou em contato com associações, institutos, orgãos do Governo e Secretarias do Rio de Janeiro. Foram mais de 90 entrevistas para este especial de reportagens dividido em sete partes, como os sete dias da semana, sobre esta região que coleciona medo, contrastes, histórias, mortes, sonhos, vida.

Fonte: Especial para Terra
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