Faculdade suspende punição a suspeitos de trote violento
Sete alunos do curso de Medicina haviam sido suspensos após agressões a estudante autista
A Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), mantida pelo governo do Estado de São Paulo, suspendeu a punição contra sete alunos do curso de medicina que participaram da festa em que o estudante Luís Fernando Alves foi vítima de trote violento, em março deste ano. Depois de anunciar a punição, a Famerp recuou na segunda-feira e anunciou que aguardar até que o inquérito policial que apura o trote contra o estudante seja concluído.
Alves, que é autista e portador de déficit de atenção, foi submetido a agressões físicas e psicológicas durante a festa de recepção promovida pelo centro acadêmico de medicina. Calouro de medicina, o rapaz foi hostilizado verbalmente e agredido fisicamente por estudantes que participavam do “baile do bixo” em um clube da cidade. Recebeu banhos de cerveja, vômitos e urina pelo corpo e foi encontrado por professores no dia seguinte ao baile, seminu e inconsciente, à beira da piscina do clube.
A faculdade abriu três comissões processantes para apurar as agressões, mas não conseguiu provas suficientes. Segundo a Famerp, Alves não quis depor nas comissões, por isso, os trotes específicos contra o estudante autista não foram apurados. O advogado de Alves, porém, diz que a Famerp é que não quis ouvir seu cliente. No entanto, estudantes do primeiro ano que participaram da festa confirmaram nos depoimentos que foram vítimas de trotes violentos, o que foi negado pelos suspeitos.
No dia 24 de julho, a Famerp divulgou nota na qual afirmava que sete alunos, indicados pelos calouros nos depoimentos das comissões, seriam punidos por infringirem o regimento interno da instituição. “Apesar de não haver provas contundentes contra os alunos indicados pelos calouros, a instituição entende que eles infringiram o inciso V, do artigo 188, do Regimento Interno da Famerp, ou seja, praticaram ato contra a moral e os bons costumes. Diante disso, a direção da Famerp irá aplicar punições que vão de advertência à suspensão de até sete dias, variando de acordo com cada caso”, informava a nota.
Entretanto, a Famerp anunciou ontem que a punição seria suspensa por decisão do Conselho Departamental, formado por cerca de 30 integrantes, entre chefes de departamentos e representantes dos alunos, professores e funcionários da faculdade. “O conselho decidiu por unanimidade que não aplicará as penalidades impostas pela diretoria da instituição até a conclusão do inquérito policial”, diz a nota divulgada pela Famerp. De acordo com a Famerp, o conselho é soberano e decidiu esperar a decisão da Polícia Civil para depois se manifestar sobre a penalidade imposta pela diretoria da escola. Depois disso, o conselho pode mudar a punição, aumentando ou reduzindo a pena, ou mesmo arquivando o caso.
Estudante vai depor na polícia
O advogado Daniel Calazans Palomino Teixeira negou que Luiz Fernando Alves tenha se recusado a depor nas comissões da Famerp. Segundo ele, a família não tem recursos financeiros para bancar viagem e o próprio estudante não tinha condições psicológicas para prestar o depoimento na cidade, mas se colocou à disposição para ser ouvido em Contagem (MG), onde mora. “Isso foi comunicado à faculdade. Eu mesmo os comuniquei que meu cliente poderia ser ouvido na casa dele ou no meu escritório, mas acho que eles não se interessaram”, afirmou o advogado.
De acordo com Teixeira, ao contrário do se divulga em São José do Rio Preto, o estudante Luiz Fernando Alves vai depor sobre o caso na Polícia Civil em Contagem, em atendimento à carta precatória expedida pela polícia de Rio Preto. “Ele vai falar sobre os absurdos que ele passou naquela cidade”.
Aluno conseguiu transferência para MG
O caso do estudante sensibilizou até mesmo a Justiça Federal, que em uma decisão inédita concedeu liminar autorizando a transferência do estudante da Famerp para a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A decisão da juíza Hind Ghassan Kayath levou em consideração a excepcionalidade do caso, se baseando em documentação médica, a qual comprova que o estudante, autista e vítima de transtorno de déficit de atenção, sofreu danos físicos e mentais causados pela violência do trote. A liminar, que havia sido rejeitada em primeira instância, foi concedida em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília. À decisão cabe recurso, que deve demorar meses.
Segundo Teixeira, Alves deverá fazer seu registro, para posterior matrícula, na UFMG, ainda nesta terça-feira.