Fleury: 'entrada da PM no Carandiru foi necessária e legítima'
Durante júri, o então governador de SP assumiu que "responsabilidade política" era sua, mas negou ordem para invadir
O ex-governador Luiz Antonio Fleury Filho (PMDB) negou, durante o segundo dia do júri do caso do "Massacre do Carandiru", ter autorizado a entrada da Polícia Militar no presídio naquele dia. Ele, entretanto, disse que apoiaria a ação se tivesse sido consultado. Fleury comandava o Estado em 2 de outubro de 1992, quando 111 presos foram mortos na Casa de Detenção de São Paulo.
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"A entrada foi absolutamente necessária e legítima. Porque já tinha pessoas matando umas às outras. A Polícia Militar não podia se omitir. Mas o que aconteceu lá dentro, é por isso que nós estamos aqui", afirmou Fleury. Ele é a quarta testemunha de defesa a ser ouvida durante o julgamento de 26 dos 79 policiais militares acusados de participação no episódio, que acontece desde a segunda-feira (15) no Fórum Criminal da Barra Funda.
O massacre do Carandiru ocorreu após uma briga entre detentos de facções criminosas, o que gerou um tumulto no local e motivou a entrada da PM. Fleury, que estava em Sorocaba (SP) na ocasião, afirmou que foi informado de que havia uma rebelião em andamento, mas que só soube dos desdobramentos do tumulto no local após o ocorrido.
Segundo ele, o então Secretário de Segurança Pública Pedro Franco de Campos teria dito à PM que "entrasse se necessário" no Carandiru, mas que pessoalmente nunca deu a ordem para a invasão.
Logo no início de sua fala, ele ressaltou que, na época, não havia telefonia celular e que quando a entrada ocorreu, ele retornava de Sorocaba a São Paulo de helicóptero. "A responsabilidade política era minha, de mais ninguém. A responsabilidade criminal caberá aos jurados esclarecer", afirmou.
Elogios à PM
O depoimento de Fleury foi relativamente rápido: começou por volta das 15h20 e durou apenas cerca de 40 minutos. Entretanto, houve momentos de tensão em sua fala, principalmente quando foi confrontado com declarações suas dadas à imprensa na época. Ele, por exemplo, rejeitou ter dito aos jornalistas que a PM cometeu uma "chacina" no local. "Eu nunca disse isso", afirmou.
O ex-governador, entretanto, elogiou a corporação, da qual faz parte. Fleury é oficial da reserva da Polícia Militar. "A minha polícia nunca se omitiu", disse, confirmando a declaração que disse aos autores do livro Vozes do Carandiru, incluídos pela defesa no processo. "Tenho muito orgulho de pertencer à corporação", declarou.
Ele também elogiou o ex-secretário de Segurança Pública, mas atribuiu as responsabilidades a seus subordinados na época e afirmou tê-los afastados dos cargos para proteger a investigação e também protegê-los dos questionamentos da imprensa.
Fleury destacou ainda que, embora não tivesse ido a Carandiru naquele dia, soube que houve "comoção" após o coronel Ubiratan Guimarães - que comandava a operação e morreu em 2006 - ser atingido por um tubo de televisor, jogado pela janela pelos detentos. "Isso teria causado uma comoção na tropa", disse, tentando justificar o que teria motivado o descontrole dos oficiais.
PCC
Por fim, o ex-governador explicou ainda que, embora tenha determinado a abertura de uma investigação por parte do Ministério Público do Estado, nunca quis ler os laudos, nem teve contato com os oficiais que participaram da operação. Ele, entretanto, voltou a defender sua política de segurança pública e rejeitou a tese de que o Primeiro Comando da Capital (PCC) foi criado em decorrência do episódio.
"O PCC, até o final do meu governo, era um time de futebol para disputar os campeonatos dentro dos prisões. No meu governo ele não teve espaço para crescer. Se usa essa justificativa para tentar dar um glamour ao PCC", disse.
Julgamento
Passados 20 anos do episódio que terminou com 111 presos mortos no Pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo, em outubro de 1992, 26 policiais militares serão julgados pelo caso que ficou conhecido como Massacre do Carandiru.
Pelo menos 79 PMs acusados de envolvimento nas mortes aguardam julgamento. O único que recebeu a sentença foi o coronel da Polícia Militar Ubiratan Guimarães, que coordenava a operação no dia do massacre, mas teve sua pena de 632 anos de prisão anulada em 2006, sete meses antes de ser assassinado.
Em 2 de outubro de 1992, uma briga entre presos da Casa de Detenção de São Paulo - o Carandiru - deu início a um tumulto no Pavilhão 9, que culminou com a invasão da Polícia Militar e a morte de 111 detentos. Entre as versões para o início da briga está a disputa por um varal ou pelo controle de drogas no presídio por dois grupos rivais. Ex-funcionários da Casa de Detenção afirmam que a situação ficou incontrolável e por isso a presença da PM se tornou imprescindível.
A defesa afirma que os policiais militares foram hostilizados e que os presos estavam armados. Já os detentos garantem que atiraram todas as armas brancas pela janela das celas assim que perceberam a invasão. Do total de mortos, 102 presos foram baleados e outros nove morreram em decorrência de ferimentos provocados por armas brancas. De acordo com o relatório da Polícia Militar, 22 policiais ficaram feridos. Nenhum deles a bala.