Juiz temia que "presos soltos" reagissem em favor de Marcola
De acordo com magistrado, publicidade do pedido de transferência e proximidade da saída temporária de detentos facilitariam represália
O juiz que mandou transferir Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, e mais 21 integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) para o Sistema Penitenciário Federal temia que “presos soltos” reagissem contra o remanejamento dos líderes.
Ele usa a expressão “presos soltos”, também entre aspas, no documento em que ordena a transferência dos criminosos e em outro despacho, mais antigo. Refere-se aos mais de 33 mil detentos em regime semiaberto que teriam direito a saídas temporárias para Natal e Ano Novo.
O juiz do caso é Paulo Eduardo de Almeida Sorci, titular da 5ª Vara de Execuções Criminais, vinculada à Justiça Estadual.
A discussão sobre enviar ou não Marcola e as outras das principais cabeças do PCC do sistema estadual para as penitenciárias federais é antiga. No começo de dezembro do ano passado, o jornal Folha de S.Paulo publicou a informação de que a promotoria havia pedido a remoção de Marcola.
Com a informação pública, o temor do juiz era de que presos em liberdade provisória fossem arregimentados pela organização criminosa “em reação contra as forças públicas e a própria população civil, caso as transferências dos líderes estivessem decididas e autorizadas justamente naquela época”.
De acordo com o magistrado, o Estado de São Paulo não tem recursos para monitorar 33 mil “presos soltos”. Ele se referia a equipamentos como tornozeleiras eletrônicas.
A situação, segundo o juiz, o obrigou a retardar a decisão para "recobrar o elemento surpresa".
O plano do PCC
São Paulo estava sob tensão desde que foi descoberta a intenção do PCC de resgatar Marcola da Penitenciária II de Presidente Venceslau, no oeste do Estado.
A organização criminosa fizera um plano minucioso e caríssimo para tirar seu líder do xadrez. Incluía uma fuga de avião e o emprego de mercenários.
Quando o plano foi descoberto, em outubro, as autoridades deslocaram grande contingente policial para defender o presídio.
Na época, a possibilidade de enviar Marcola e outros figurões do crime para o Sistema Penitenciário Federal começou a ser discutida, mas enfrentava resistências.
Setores do governo Estadual ligados à segurança pública temiam uma represália da facção. Em 2006, o mesmo PCC aterrorizou o Estado em resposta à transferência de Marcola e outros criminosos para um regime disciplinar mais duro.
Sorci não gostou da indecisão do Palácio dos Bandeirantes. “O enfrentamento do crime organizado é uma política de Estado. Não pode ser política do político”, afirmou. Segundo ele, o envio dos líderes do PCC para custódia federal se tratava de uma decisão técnica.
A decisão da transferência foi assinada em 9 de fevereiro. O temor quanto aos “presos soltos”, porém, já havia sido manifestado em documento sigiloso de 14 de dezembro.
“A divulgação pública (nacional) simplesmente destruiu o sigilo imprescindível para a possível adoção da transferência da cúpula da organização criminosa”, escreveu Sorci em dezembro.
Ele defendia uma operação surpresa, “com absoluta descrição”, para evitar que o PCC se preparasse para tentar resgatar os líderes. O movimento das autoridades nesta terça (13), quando a transferência foi realizada, só veio a público com a operação sendo executada.
Sorci reclama diversas vezes, no documento, da divulgação do pedido de transferência pela Folha de S.Paulo. Diz que a reportagem colocou em risco sua vida e a do promotor Lincoln Gakiya, que investiga o PCC, entre outros.
O último parágrafo de sua decisão determina abertura de inquérito policial para apurar a violação do sigilo do processo – se um jornal publicou, é porque alguém com acesso ao documento vazou.
Os 22 integrantes do PCC foram levados para três penitenciárias federais diferentes: Brasília (DF), Mossoró (RN) e Porto Velho (RO).
Responsável pelos presídios federais, o Ministério da Justiça não informa para onde cada criminoso foi. Alega questões de segurança.