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Polícia

Manifestantes são presos em SP por infringir lei criada na ditadura

Para ONG, aplicação de Lei de Segurança Nacional em protestos é anacrônica

8 out 2013 - 20h41
(atualizado em 9/10/2013 às 13h35)
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Luana deixa a 3º DP em São Paulo (SP), para Franco da Rocha, no começo da tarde desta terça-feira
Luana deixa a 3º DP em São Paulo (SP), para Franco da Rocha, no começo da tarde desta terça-feira
Foto: J. Duran Machfee / Futura Press

A ONG internacional de direitos humanos Conectas classificou nesta terça-feira como anacrônico o uso da Lei de Segurança Nacional, criada na época da ditadura militar no Brasil, contra dois manifestantes detidos ontem durante protestos pela educação em São Paulo. "Essa lei é anacrônica e incompatível com a sociedade democrática que temos hoje, pós-Constituição Federal de 1988. Ela jamais poderia ser utilizada para enquadrar manifestantes", declarou Rafael Custódio, coordenador do Programa de Justiça da Conectas.

Na noite de ontem, Humberto Caporalli, 24 anos, e Luana Bernardo Lopes, 19, foram detidos e enquadrados na Lei de Segurança Nacional, após participarem do protesto em São Paulo em apoio à greve de professores no Rio de Janeiro. De acordo com policiais, os dois incentivaram o ataque a uma viatura da Polícia Civil.

Na opinião do ativista, "o Estado de Direito brasileiro não corre riscos quando um cidadão quebra vitrines ou entra em conflito com a polícia". Para ele, se houver "o mínimo de razoabilidade dos órgãos públicos e observância do texto constitucional", o enquadramento da polícia irá cair "tranquilamente". "Já temos leis adequadas para lidar com esses tipos de questões (Código Penal e Código de Processo Penal) e o entendimento do delegado de polícia é absolutamente sem razão", afirmou Custódio.

Em coletiva de imprensa na tarde desta segunda-feira, o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Fernando Grella, afirmou haver "elementos que indicam" que eles sejam lideranças dos movimentos de depredação de patrimônio. "A polícia está reunindo esses elementos e um deles já participou de várias manifestações e de atos mais violentos, inclusive fora do Estado", declarou Grella aos jornalistas.

No entanto, o advogado que defende os jovens, Geraldo Santamaria Neto, disse que o secretário e a Polícia Civil estão equivocados na análise das provas. "Até o momento, se manifestar não é crime, mas um direito constitucional", ressaltou. Santamaria Neto disse entender que "não vivemos uma ditadura e que temos liberdade de expressão".

Com relação às acusações feitas pela polícia a Humberto, por ele ter participado de manifestações no Rio, Santamaria explicou que isso "não significa que ele tenha participado do Black Bloc ou de algum crime. Se ele tem uma ideologia, ele tem todo o direito de se manifestar". De acordo com o defensor, que faz parte do Advogados Ativistas, grupo que tem defendido manifestantes desde o início dos protestos, é a primeira vez que eles se deparam com uma tipificação criminal como essa.

"Não há nada (na Lei de Segurança Nacional) que possa ligá-la com manifestações. O artigo 15 dessa lei versa sobre praticar sabotagem contra instalações militares ou meios de comunicação. Na pior tipificagem, o delito cometido seria dano, e não sabotagem", explicou. O jurista declarou que acredita que a aplicação da lei tenha o intuito de intimidar e coibir as manifestações.

Na coletiva de hoje, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo anunciou que voltará a usar balas de borracha para reprimir ações consideradas violentas em manifestações no Estado. "Se nós tivermos cenas como tivemos ontem em relação a grupos de vândalos, a Polícia Militar poderá empregar a força progressiva, sim. Inclusive a bala de borracha", afirmou Grella a jornalistas.

Para Custódio a decisão do governo do Estado é "lamentável". "As manifestações de junho em São Paulo demonstraram a todos que as forças de segurança não estão preparadas para lidar com esse tipo de armamento. Todos viram o terror que foram as operações de dispersão das manifestações", lembrou.

Segundo o ativista, ao invés de criar novos mecanismos de contenção do uso da força da polícia, o governo sinaliza que "tudo será como antes: quem estiver protestando corre o risco de perder um olho. Simples assim". 

Protestos contra tarifas mobilizam população e desafiam governos de todo o País
Mobilizados contra o aumento das tarifas de transporte público nas grandes cidades brasileiras, grupos de ativistas organizaram protestos para pedir a redução dos preços e maior qualidade dos serviços públicos prestados à população. Estes atos ganharam corpo e expressão nacional, dilatando-se gradualmente em uma onda de protestos e levando dezenas de milhares de pessoas às ruas com uma agenda de reivindicações ampla e com um significado ainda não plenamente compreendido.

A mobilização começou em Porto Alegre, quando, entre março e abril, milhares de manifestantes agruparam-se em frente à Prefeitura para protestar contra o recente aumento do preço das passagens de ônibus; a mobilização surtiu efeito, e o aumento foi temporariamente revogado. Poucos meses depois, o mesmo movimento se gestou em São Paulo, onde sucessivas mobilizações atraíram milhares às ruas; o maior episódio ocorreu no dia 13 de junho, quando um imenso ato público acabou em violentos confrontos com a polícia.

A grandeza do protesto e a violência dos confrontos expandiu a pauta para todo o País. Foi assim que, no dia 17 de junho, o Brasil viveu o que foi visto como uma das maiores jornadas populares dos últimos 20 anos. Motivados contra os aumentos do preço dos transportes, mas também já inflamados por diversas outras bandeiras, tais como a realização da Copa do Mundo de 2014, a nação viveu uma noite de mobilização e confrontos em São PauloRio de JaneiroCuritibaSalvadorFortalezaPorto Alegre e Brasília.

A onda de protestos mobiliza o debate do País e levanta um amálgama de questionamentos sobre objetivos, rumos, pautas e significados de um movimento popular singular na história brasileira desde a restauração do regime democrático em 1985. A revogação dos aumentos das passagens já é um dos resultados obtidos em São Paulo e outras cidades, mas o movimento não deve parar por aí. “Essas vozes precisam ser ouvidas”, disse a presidente Dilma Rousseff, ela própria e seu governo alvos de críticas.

EFE   
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