Milícia no Rio faturava R$ 1 milhão e expulsava moradores
Valor era adquirido mensalmente pela quadrilha "Liga da Justiça"
A Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), em parceria com o Ministério Público e com outras frentes da Polícia Civil, desarticulou nesta quinta-feira a espinha dorsal da quadrilha miliciana conhecida como “Liga da Justiça”, que atuava há anos na zona oeste do Rio de Janeiro. O grupo expulsava e até mesmo matava moradores que se recusavam a pagar taxas para viver em apartamentos adquiridos via o programa federal Minha Casa, Minha Vida.
Na Operação Tentáculos, os cerca de 350 homens das forças de segurança do Estado cumpriram até o início da tarde 20 dos 29 mandados de prisão autorizados pela Justiça – um outro miliciano, que não constava na lista, foi preso em flagrante por porte ilegal de arma de fogo e se constatou que ele também fazia parte do bando. No total de 1,6 mil residências, sobretudo nas localidades de Cosmos e Campo Grande, em seis condomínios, a quadrilha faturava em torno de R$ 1 milhão por mês – valor que ainda deve crescer com os documentos apreendidos nos outros 90 mandados de busca e apreensão.
“Eles tiveram a ousadia de identificar naquele programa federal mais uma oportunidade de dinheiro fácil. Eles expulsavam moradores, amedrontavam, praticavam homicídios e torturas para que as pessoas deixassem essas unidades. A partir disso eles as vendiam por valores que variavam de R$ 5 mil a R$ 40 mil. Eles geravam duas vítimas: a pessoa beneficiada pelo programa e pessoas de boa fé que acreditavam estar fazendo um bom negócio”, explicou o delegado titular da Draco, Alexandre Capote. Cerca de 5 mil moradores sofriam com as ameaças de uma quadrilha que funcionava como uma empresa lucrativa ilícita.
Dentre os líderes da quadrilha presos na operação desta sexta-feira está o policial militar João Henrique Barreto, vulgo Cachorrão, lotado no 40º BPM (Campo Grande), além de Ademir Horácio de Lima, o Deni. Ao todo, quatro PMs foram detidos, além de um agente penitenciário, um policial civil, um bombeiro militar e um homem do Exército.
De acordo com o promotor do MP-RJ, Marcos Leite, com a atuação da polícia nas frentes tradicionais de ganho ilícito, como centrais de gatonet e exploração de transporte alternativo, eles passaram a atuar forte no ramo da agiotagem, na extorsão de taxas das mais variadas aos moradores e na exploração do monopólio de venda de cestas básicas para essas atividades. "Eles adquiriam por R$ 70 e vendiam por R$ 220. Eles eram obrigados a comprar por esse valor três vezes mais caro, gerando um volume de riqueza ainda maior para a milícia”, explicou.
Atuação há mais de 20 anos
O secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, elogiou a operação que desmantelou a liderança da Liga da Justiça e disse que a sociedade tem que entender que esse é um crime que está aí há 20 anos e que muitos aplaudiam no início. "Portanto, são tentáculos difíceis de se combater”, explicou sobre o fato de a quadrilha já atuar na região desde que os ex-parlamentares Natalino e Jerominho Guimarães foram presos e passaram o comando para o ex-PM Ricardo Teixeira Cruz, o Batman. Todos estão detidos em presídios federais.
“Reforçamos aqui o pedido para que a sociedade não demore a nos procurar, que vá até o Disque Denúncia, e ao órgãos competentes, para que a polícia possa agir de bate pronto”, disse ainda. O esquema de extorsão de moradores já havia sido denunciado em veículos de imprensa e, de acordo com investigações, Toni Ângelo, um dos chefes da quadrilha encarcerado no presídio federal de Catanduvas, seguia orientando os passos da quadrilha no Rio.
“Quem ficava inadimplente era no mínimo expulso das suas casas. As pessoas eram expulsas, continuavam vinculadas e tendo que pagar seus compromissos anteriormente assinados. O estado de normalidade era verdadeira utopia para aqueles moradores”, explicou o delegado da Draco, Luiz Augusto Braga. Ainda está em trâmite o fato de os moradores poderem retornar para as suas residências – e como vai ficar a situação de quem pagou para morar nas casas que eram comandadas pelos milicianos.
“Algumas pessoas (expulsas) tentaram retornar para buscar alguns pertences e em coisas de minutos foram chacinados à luz do dia na frente de todo mundo”, relatou ainda Braga. “Alguns tiveram que retornar aos seus Estados de origem com o assassinato de parentes. Grande parte dessas quadrilha foi desarticulada. Era um estado de sítio. Distribuímos panfletos para que as pessoas possam recorrer à Draco sempre que tiverem seus direitos violados”, completou.
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