MT: erro com nomes deixa inocente preso no lugar de homicida
Morador de rua foi detido porque tinha o mesmo nome que o verdadeiro criminoso
O morador de rua A.C.L., de 34 anos, ficou cinco meses preso por engano na Penitenciária da Mata Grande, em Rondonópolis (MT), no lugar de um homicida do Maranhão, que ainda está solto. Isso aconteceu porque tem um mandado de prisão aberto contra um homem de mesmo nome que ele na Comarca de Timon (MA). Ele foi confundido, embora, nos documentos, tenha pai e mãe diferentes do verdadeiro réu.
Pobre, sem condições de pagar um advogado, demorou muito para que o defensor público Maicom Vendrusculo, destacado para defendê-lo, tomasse pé da situação que considera absurda e solicitasse a soltura da vítima. Na semana passada, A.C.L. saiu pela porta da frente da Mata Grande.
“Ele foi preso por ameaça porque brigou com a mulher e depois ela retirou a queixa mas quando ia sair da cadeia continuou detido porque seria o homicida do Maranhão. Tive muitas dificuldades em desfazer esse erro”, lamenta Vendrusculo, que atua no polo de Rondonópolis da Defensoria.
Ele só conseguiu avançar na apuração dos fatos que motivaram a confusão porque, como defensor, tem acesso às informações da REDE INFOSEG, da Secretaria Nacional de Segurança Pública. A INFOSEG tem “o objetivo principal de disponibilizar e integrar as informações de inquéritos policiais, processos criminais, de mandados de prisão, de armas de fogo, veículos, entre todos os Estados da nação e órgão federais, através de uma rede de informações operando a nível nacional”.
O defensor descobriu um homônimo de A.C.L., procurado pela Justiça, mas os pais dele são outros. Por sorte, em maio deste ano, a vítima tirou a segunda via da certidão de nascimento, onde consta que é filho de Bernardo de Sousa Lima e Francisca das Chagas da Conceição Lima, nascido em 22 de outubro de 1981, na cidade de Coelho Neto/MA. O verdadeiro réu é conhecido como “Zé” e é filho de Raimundo Gomes Lima e de Maria Francisca da Conceição Lima.
O defensor apresentou, como provas do equívoco, a certidão de nascimento do assistido, a digital de A.C.L., dados da pesquisa na REDE INFOSEG dos dois envolvidos no caso, assim como o CPF, a data de nascimento, o nome da mãe, o título de eleitor e fotografias de ambos.
Desfeito o mal entendido, o defensor solicitou um habeas corpus para libertar A.C.L, acatado pelo Tribunal de Justiça do Maranhão. Na decisão, o relator do processo, desembargador José Bernardo Silva Rodrigues, disse que o caso remonta questionamentos clássicos da ciência e filosofia jurídica.
“É melhor um criminoso solto ou um inocente preso? O ideal seria o criminoso preso e o inocente solto. Mas, entre as duas opções, é preferível deixar um criminoso solto a um inocente preso. O criminoso ainda pode vir a ser preso, mas, mesmo que se venha a soltar o inocente, já se cometeu uma injustiça".
O padre Zeca Geeurickx, da Pastoral Carcerária em Mato Grosso, avalia que esta é, sem dúvida, uma situação de afronta aos direitos humanos e só aconteceu porque se trata de uma vítima pobre. “Devem ter sido dias muito difíceis, sem dúvida, porque se em um dia apenas na cadeia já se vê e vive muita coisa, cinco meses então, seria uma eternidade”, afirma o padre, que presta atendimento espiritual no Centro de Ressocialização de Cuiabá.
Segundo ele, esse caso de inocente preso é bem incomum, mas o que não faltam nos presídios de Mato Grosso são detentos que têm direito a revisão de pena. “Essa semana recebi uma carta de um desses, pedindo para eu intermediar o pedido de uma conversa com um defensor porque já passou do prazo dele sair e nada”, conta o padre.
Segundo ele observa na rotina, “a grande maioria dos presos são jovens, pobres e negros, acusados de algum crime pelo sistema e não têm como se defender, porque não podem pagar um advogado. Já os poucos ricos que vão presos quase sempre saem no mesmo dia, porque a defesa deles encontra várias saídas jurídicas, mesmo que tenham provocado acidentes com morte ou outras tragédias, assim conseguem soltá-los pagando fiança em menos de 24 horas até”.
No entanto, também há muitos presos que afirmam já terem cumprido toda a pena, mas não é verdade. “Claro que muitas vezes eles se queixam e quando vem o mutirão do judiciário descobrem que de fato não têm apenas aquele processo mas sim outros e isso também acontece bastante”.
O padre se refere às correições feitas pelo Poder Judiciário justamente para checar a situação penal dos condenados. A Assessoria de Imprensa da Corregedoria do Tribunal de Justiça de Mato Grosso informa que tentou localizar vários juízes que poderiam esclarecer a situação, mas não conseguiu fazer contato. Outras três pessoas que respondem pelos mutirões judiciários nos presídios, ainda conforme a Assessoria de Imprensa, estão em viagem, fora de Cuiabá.