‘Não aguento mais, não estou dormindo’, diz sargento após matar colegas de farda no batalhão
Sargento já vinha reclamando que a escala de trabalho estava atrapalhando a rotina familiar
Pouco depois de matar dois policiais militares, dentro da 3ª Companhia da Polícia Militar de Salto, no interior de São Paulo, o sargento Claudio Henrique Frare Gouveia, 53 anos, acusado de ser o atirador, foi filmado falando que era perseguido por uma das vítimas. Ele usou um fuzil para cometer o crime.
As imagens de Gouveia já algemado foram divulgadas pelo Fantástico, da TV Globo, na noite de domingo, 21. Segundo a reportagem, o suspeito diz que era perseguido pelo capitão Josias Justi da Conceição Júnior.
“Eu não aguento mais, não estou dormindo, meu casamento acabou. Ela não devia ter destruído a minha vida. Ele destruiu a minha vida. Então, é elas por elas. Esse é o motivo pelo qual aconteceu, porque em nenhum momento ele voltou atrás e ninguém transferiu esse cara daqui. Então, eu não tenho o que fazer. Acabou”, disse.
Outro vítima é o sargento Roberto Aparecido da Silva. O Gouveia já vinha reclamando da escala de trabalho dele e da esposa, que é lotada na mesma companhia, e isso estaria prejudicando a rotina familiar do casal, conforme apontaram pelo menos quatro testemunhas ouvidas pela Polícia.
Saúde mental
Imagens exibidas também pela emissora mostram Gouveia ajoelhado em frente à porta de um dos cômodos logo após chegar em casa de um plantão. O crime trouxe o questionamento a respeito da saúde mental dos policiais, visto que até matar os colegas, o sargento era conhecido por ser tranquilo e gentil em suas abordagens.
“É muito comum que as organizações policiais individualizarem o problema, tratando a questão como algo do indivíduo, de que ele teve um problema pontual, como um acesso de raiva ou um desvio”, explica a psicóloga Juliana Martins, coordernadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Ainda segundo ela, não dá para falar de saúde mental sem falar da valorização da categoria, e melhores condições de trabalho. Ainda segundo o Fantástico, existem 80 mil PMs na ativa e são concedidos, em média, quatro afastamentos por dia por questões psiquiátricas. Entre 2019 e abril de 2023, foram 5,6 mil licenças.
O sistema é falho. Adriana Nunes Nogueira, tenente-coronel e psicóloga-chefe do Centro de Atenção Psicossocial da PM paulista, afirmou que o sistema acolhe menos de 1% da instituição.
"Não é porque não temos estrutura para isso, mas é que temos outros fatores de proteção, como a inspeção anual de saúde, onde ele se submete à uma avaliação médica e essa avaliação permite que ele possa identificar alguns fatores que ele precisa cuidar. Ele pode procurar um psicólogo civil ou militar. Medidas estão sendo adotadas para a gente ampliar a prestação de serviços", disse.
Procuradas pela reportagem, as famílias das duas vítimas do crime em Salto não quiseram falar. Parentes do capitão Justi, no entanto, enviaram uma nota afirmando que ele foi vítima de uma “barbárie” e que estão em estado de “profunda tristeza”. Também disseram que não permitirão que falácias infundadas manchem seu legado e honra.
Relembre o caso
O crime ocorreu no último dia 15, quando Gouveia disse a outros PMs que haveria um treinamento externo e pediu para que todos deixassem a companhia. Em seguida, ele trancou a porta, e armado com um fuzil, foi para sala onde estão o capitão e o outro sargento. No local, ele atira nove vezes. Gouveia se entrega sem nenhuma resistência.