OAB-SP: presídios com gestão privada são inconstitucionais
Documento assinado também por Defensoria Pública e outras entidades traz críticas a projeto de Doria
A gestão privada de presídios, política cuja implantação o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciou em janeiro, fracassou nos EUA, compromete a transparência de um serviço público e não diminui os custos de manter um detento.
As afirmações constam de uma nota técnica assinada pela Comissão de Direitos Humanos da OAB de São Paulo e pelo Núcleo Especializado em Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado, entre outras entidades. O documento foi remetido à Secretaria de Administração Penitenciária (SAP). O Terra obteve uma cópia.
A manifestação das entidades se dá em um momento em que o governo de São Paulo tenta colocar em prática a primeira etapa do plano: inaugurar quatro presídios no sistema de “cogestão” – quando parte do funcionamento da unidade é gerida por entes privados e parte pelo Estado.
A SAP avança com o processo. Na segunda-feira (6), realizou uma audiênca pública para discutir os termos dos futuros editais de licitação. Até o fim de maio o formato da concorrência deve estar definido.
O texto das entidades afirma que o modelo é incompatível com a legislação brasileira – e mesmo com a Constituição.
“A gestão da unidade prisional, o monitoramento das pessoas presas, cumprir mandado de soltura, manter registro, guarda de valores de sentenciados etc não são delegáveis à iniciativa privada, uma vez que constituem o poder de política estatal”, diz a nota.
Segundo a argumentação das entidades, não se pode delegar serviços como assistência social e psicológica dos presos. Nesses processos são realizados procedimentos necessários para que o detento peça, por exemplo, progressão de regime.
Esses serviços “têm reflexos no direito à liberdade e, portanto, refere-se, a contrario sensu, ao poder de punir, que é, por óbvio, monopólio estatal”. A prática seria inconstitucional.
A intenção do governo de ter presídios geridos por entes privados, de acordo com os signatários, é parte de uma visão “onde prepondera o lucro do mercado e não a satisfação de direitos e garantias fundamentais”.
“A privatização – seja via contrato de cogestão, seja de parcerias público-privadas – terá como resultado o agravamento das violações de direitos humanos das pessoas presas e trabalhadores do sistema prisional e da precarização das políticas públicas”, escrevem os signatários.
O governo rechaça a leitura de que se trata de uma privatização. Os presídios que terão o novo modelo de gestão ainda não foram inaugurados. Privatizar seria vender um ativo já em funcionamento.
A idéia de Doria é, no futuro, ir além da cogestão. O governo sempre cita o exemplo do Complexo Penal de Ribeirão das Neves, em Minas Gerais. O local é totalmente gerido por uma empresa, remunerada pelo governo daquele estado. O Palácios dos Bandeirantes julga serem bons os resultados.
Custos
O documento dos opositores do projeto nega que a gestão privada seja mais barata. Afirma que o custo de manutenção por preso em São Paulo é de R$ 1.580 ao mês. Em presídios geridos por entes privados em Minas Gerais e no Amazonas, a cifra seria de R$ 3.500 e R$ 4.700, respectivamente.
Os contratos com uma concessionária, no Amazonas, entraram na mira do Tribunal de Contas do Estado, diz a nota.
Segundo o texto das entidades, a gestão privada também diminui a transparência do sistema carcerário.
“Os governos estaduais e as empresas privadas resistiram em oferecer informações dos processos de licitação, tendo a maioria ignorado os pedidos de informação feitos pela Pastoral Carcerária ou mesmo explicitamente se recusado a responder as perguntas, mesmo diante de expressa menção à Lei de Acesso à Informação”.
Em 2016, os Estados Unidos anunciaram que acabariam com os contratos federais com administradoras de prisões. Segundo o documento, seria um reconhecimento do fracasso da política – depois, Donald Trump tomou posse e o novo governo voltou atrás.
Outros signatários
Além da comissão da OAB e da Defensoria, assinam a peça o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ONGs e uma política -- a deputada estadual Isa Penna, do Psol.