Pai de menina queimada no MA diz que filha ‘não será última vítima’
Desabafo é de frentista que perdeu a filha de seis anos queimada em ataque a ônibus; protesto pediu paz no Estado, hoje, em São Luís
“Revolta é a única palavra que pode definir o que sinto diante de tudo o que está acontecendo. Se o Estado não tivesse abandonado tanto a segurança pública, minha filha não seria vítima”. O desabafo é do frentista Wanderson Souza, 25 anos, pai da menina Ana Clara Souza, 6 anos, morta semana passada depois de ter 95% do corpo queimado durante um ataque a ônibus.
O jovem participou de um protesto realizado no centro da capital maranhense na tarde desta quarta-feira. Organizado por profissionais liberais, o ato pediu o fim da violência no Estado e reuniu familiares de outras vítimas. O ato criminoso que matou Ana Clara foi um dos quatro, do tipo, que teriam sido comandados por presos ligados a facções criminosas de dentro do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís.
A criança estava em um ônibus do transporte coletivo com a mãe, Juliane Carvalho Santos, 22 anos, e a irmã de um ano e sete meses, Lorrane Beatriz, quando bandidos atearam fogo no veículo. Elas estavam na Vila Sarney Filho – periferia da Grande São Luís, no município de São José de Ribamar.
Lorrane teve alta na manhã desta quarta-feira em São Luís. Juliane segue internada em Brasília, para onde foi transferida a pedidos de familiares que moram na capital federal. Ao saber da morte de Ana, o bisavô dela, Dionísio, 83 anos, sofreu um infarto e também morreu.
“Não via minha filha há um ano e quatro meses, mas nunca deixei de falar com ela, de manter contato. Ela pediu uma boneca que falava – levou junto com ela no caixãozinho”, disse.
Para o frentista, a filha “não vai ser, infelizmente, a última vítima da violência no Maranhão”. “A violência aqui está generalizada. Eu tinha uma filha doce, amorosa, vaidosa, brincalhona, que agora virou mais uma estatística. Vou levar isso para a minha vida, mas não quero que outro pai passe pelo que estou passando”, declarou, para completar: “Gostaria que o governo tivesse se precavido contra isso tudo, e não abandonasse presos na cadeia e a coisa desaguasse aqui da fora como ocorreu”.
Além de Souza, esteve presente à passeata também a auxiliar de serviços gerais Josaíldes Rodrigues Costa, 29 anos. No último dia 10, uma semana após o ataque ao ônibus em que estava a família de Ana Clara, o filho dela, o estudante Mateus Rodrigues Costa, 10 anos, morreu com um tiro de revólver em uma escola de Paço do Lumiar, na Grande São Luís. “A violência aqui está em todo lugar, é horrível”, afirmou.
Para a professora Marilene da Silva, 34, que participou do protesto, “foi impossível não pensar no filho com esse ataque a ônibus (no qual estava Ana Clara)”. A universitária Tamara Gabriela Maia Ribeiro, 23 anos, fez coro à amiga. “Carregar um filho na barriga por nove meses para alguém chegar e matar? É vida, isso?”, indagou.
Pai de Lorrane, o vendedor Jackson Deivid Castro Costa, 25 anos, se disse “aliviado” em buscar a filha hoje de manhã no hospital. “É muito emocionante ter minha filha de volta aos meus braços. Ela está bem espertinha, graças a Deus. Pensei no pior quando soube do ataque, mas acredito na polícia de Deus – é a única para dar jeito aqui no Maranhão”, concluiu.
Violência no Maranhão
O Estado do Maranhão enfrenta uma crise dentro e fora do sistema carcerário que tem como principal foco o Complexo Penitenciário de Pedrinhas. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, 59 detentos foram mortos no presídio somente em 2013, o que revelou uma falta de controle no local.
No dia 3 de janeiro, uma onda de ataques a ônibus em São Luís mobilizou a Polícia Militar nas ruas da capital maranhense e dentro do presídio, já que as investigações apontam que as ordens dos atentados partiram de Pedrinhas.
Nos ataques do dia 3, quatro ônibus foram incendiados e cinco pessoas ficaram feridas, incluindo a menina Ana Clara Santos Sousa, 6 anos, que morreu no hospital alguns dias depois, com 95% do corpo queimado.
A questão dos problemas no sistema prisional maranhense ganhou mais destaque no dia 7 de janeiro, quando o jornal Folha de S. Paulo divulgou um vídeo gravado em dezembro, onde presos celebram as mortes de rivais dentro do complexos. Após essas imagem de presos decapitados serem divulgadas, o governo Roseana Sarney passou a ser pressionado pela Organização das Nações Unidas, pela Anistia Internacional, pelo CNJ e até pela Presidência da República.
No dia 10 de janeiro, a presidente Dilma Rousseff divulgou pelo Twitter que “acompanha com atenção” a questão de segurança no Maranhão. O Governo Federal passou a oferecer vagas em presídios federais, ao mesmo tempo em que a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) visitou o complexo de Pedrinhas.
No dia 14 de janeiro, um grupo de advogados militantes na defesa dos direitos humanos protocolou na Assembleia Legislativa do Maranhão um pedido de impeachment contra a governadora Roseana Sarney. Segundo o grupo, composto por nove advogados de São Paulo e três do Maranhão, a governadora incorreu em crime de responsabilidade porque não teria tomado providências capazes de impedir a onda de violência que deixou mortos e feridos dentro e fora do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, desde o início do ano.