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Polícia

Perito descreve cenário no Carandiru: 'infinidade de celas com balas'

Em júri, ele disse que a PM mexeu na cena do crime e prejudicou análise onde 111 presos foram mortos

15 abr 2013 - 20h48
(atualizado às 20h52)
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Julgamento do Carandiru começa nesta segunda-feira no Fórum Criminal da Barra Funda (zona oeste)
Julgamento do Carandiru começa nesta segunda-feira no Fórum Criminal da Barra Funda (zona oeste)
Foto: Fernando Borges / Terra

O perito criminal aposentado Osvaldo Negrini Neto, 63 anos, disse nesta segunda-feira, durante o primeiro dia do júri dos 26 policiais militares acusados de participar do chamado "Massacre do Carandiru", que os oficiais modificaram completamente a cena do crime para tentar atrapalhar a investigação. Ele, que assinou o laudo do Instituto de Criminalística (IC) e chefiava a equipe especial que atuava em casos de mortes cometidas por policiais militares no Estado, afirmou ainda que teve de entrar na Casa de Detenção de São Paulo escondido dentro do carro do delegado que investigava as mortes dos 111 detentos assassinados em 2 de outubro de 1992, após uma briga entre presidiários motivar a invasão pelas tropas.  

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"A Polícia Militar disse ao delegado que não havia campo para perícia e que a perícia não devia ser acionada", relatou, lembrando o cenário que encontrou ao entrar no pavilhão 9, palco do episódio. "Parecia que uma enchente de sangue descia pelas escadarias", afirmou. Segundo ele, a equipe se deparou com 90 cadáveres empilhados nos corredores, e só achou os demais corpos depois. Uma fotografia de vários corpos amontoados em um corredor, que consta no laudo do IC, foi mostrada aos jurados pela acusação.  

Última testemunha de acusação a depor, Negrini Neto trabalhou na Polícia Civil de São Paulo entre 1974 e 2010. Antes de iniciar sua fala, a advogada de defesa Ieda Ribeiro de Souza pediu ao juiz José Augusto Nardy Marzagão, presidente do júri, que ele impedisse o depoimento, pois o perito respondia a um processo por supostamente ter facilitado a contratação de funcionários do IC em 2010, o que ele negou. O magistrado rejeitou o pedido, pois essa denúncia foi arquivada e, na avaliação do juiz, não tinha nenhuma relação com o episódio. 

Segundo o perito criminal, uma das modificações na cena do crime feita pela PM foi a remoção dos cadáveres de dentro das celas onde foram assassinados. Outro problema que prejudicou a perícia, segundo ele, foi a remoção das capsulas dos projéteis disparados. "Não ter encontrado nenhuma cápsula impossibilitou individualizar as condutas (dos réus)", explicou. 

Ele, entretanto, disse não ter dúvidas de que os presos foram executados, já que havia "uma infinidade de celas com balas", sendo algumas delas com "várias marcas em linha", o que indicavam o uso de metralhadoras. "A história estava escrita nas paredes", resumiu. Ele lembrou ainda que, embora a maioria das vítimas estivesse de roupas, alguns corpos estavam nus, o que indica que eles foram assassinados após terem se rendido aos policiais.  

Por fim, Negrini Neto também lembrou que encontrou mais de 150 armas brancas - facas improvisadas, pedaços de madeira e de ferros -, usadas pelos detentos e entregues pelos próprios PMs. "Posteriormente a Casa de Detenção me disse que muitas dessas armas foram recolhidas do pátio, porque os presos jogaram pelas janelas (antes da chegada da PM)", afirmou.  

Primeiro dia de júri

Negrini Neto foi a quinta testemunha a depor, encerrando os depoimentos das pessoas convocadas pelo Ministério Público (MP). Os promotores Fernando Pereira da Silva e Márcio Friggi, responsáveis pela acusação, dispensaram as outras nove testemunhas arroladas e, nesta terça-feira, já começam os depoimentos dos 10 convocados pela defesa. 

Antes do perito, três sobreviventes - sendo dois ex-detentos e um preso - depuseram e acusaram os policiais de terem disparado aleatoriamente com a intenção de matar. "Muitos morreram assim: só de olhar (para os policiais)", disse o sobrevivente Antonio Carlos Dias, 47 anos, ex-presidiário, que cumpria pena por roubo e deixou o sistema carcerário em 1997. Ele teve o nariz quebrado no episódio.

"Passaram 21 anos. Para mim foi como se fosse ontem", disse o ex-detento Marco Antonio de Moura, que levou um tiro no pé na ocasião. "Quando deixamos o pavilhão, para ir para o pátio, eles gritavam: 'Deus cria, a Rota mata. Viva o choque'", completou ele, que deixou o sistema carcerário em 1994, após cumprir pena de roubo. 

O diretor da Divisão de Segurança e Disciplina do Carandiru, Moacir dos Santos - número 2 da hierarquia da Casa de Detenção -, também acusou a PM de ter cometido execuções e negou a necessidade das mortes. "Não havia rebelião", disse, acrescentando que o termo "massacre" é "adequado" para o que ocorreu naquele dia.

"A invasão era inevitável. Todo mundo (autoridades e diretores) entendia que era preciso invadir. (...) Mas qualquer um sabia que se colocasse a Rota lá não daria certo", afirmou. Segundo Santos, os policiais que ficaram do lado de fora do pavilhão 9 impediram a entrada de civis para tentar amenizar a situação e "comemoravam como se fosse um gol" os disparos ouvidos. 

Ao todo, 111 detentos do Carandiru morreram após a polícia invadir o pavilhão 9, depois de uma briga entre dois presos dar início ao tumulto. Devido ao número de réus, o júri foi dividido por etapas, de acordo com o número de mortes ocorridas em cada pavimento: pelo menos outros três julgamentos devem ocorrer. Nesta etapa, 26 dos 84 policiais militares denunciados por homicídio serão julgados, acusados de participar das mortes de 15 presos do segundo pavimento. Como já se passaram mais de 20 anos da ocorrência dos fatos, ao menos cinco réus já morreram, sendo que 79 policiais militares que atuaram naquele dia serão julgados. 

O júri é formado por seis homens e uma mulher, que decidirão se absolvem ou condenam os acusados. O julgamento acontece no Fórum Criminal da Barra Funda, na zona oeste de São Paulo, e pode durar até a próxima semana.  

Julgamento

Passados 20 anos do episódio que terminou com 111 presos mortos no Pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo, em outubro de 1992, 26 policiais militares serão julgados pelo caso que ficou conhecido como Massacre do Carandiru.

Pelo menos 79 PMs acusados de envolvimento nas mortes aguardam julgamento. O único que recebeu a sentença foi o coronel da Polícia Militar Ubiratan Guimarães, que coordenava a operação no dia do massacre, mas teve sua pena de 632 anos de prisão anulada em 2006, sete meses antes de ser assassinado.

Em 2 de outubro de 1992, uma briga entre presos da Casa de Detenção de São Paulo - o Carandiru - deu início a um tumulto no Pavilhão 9, que culminou com a invasão da Polícia Militar e a morte de 111 detentos. Entre as versões para o início da briga está a disputa por um varal ou pelo controle de drogas no presídio por dois grupos rivais. Ex-funcionários da Casa de Detenção afirmam que a situação ficou incontrolável e por isso a presença da PM se tornou imprescindível.

A defesa afirma que os policiais militares foram hostilizados e que os presos estavam armados. Já os detentos garantem que atiraram todas as armas brancas pela janela das celas assim que perceberam a invasão. Do total de mortos, 102 presos foram baleados e outros nove morreram em decorrência de ferimentos provocados por armas brancas. De acordo com o relatório da Polícia Militar, 22 policiais ficaram feridos. Nenhum deles a bala.

Fonte: Terra
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