Pior para a Globo: reeleição de Bolsonaro ou volta de Lula?
Canal é alvo frequente de críticas e ‘ameaças’ dos líderes nas pesquisas da eleição presidencial de 2022
O ano que vem será importante para a Globo, emissora número 1 em audiência no País. Vence em 5 de outubro de 2022 a concessão pública de seu funcionamento. A última renovação aconteceu em abril de 2008, quando o então presidente Lula assinou decreto com data retroativa a outubro de 2007 e validade de 15 anos.
O atual presidente, Jair Bolsonaro, disse mais de uma vez que pode dificultar a vida da emissora. “Vai ter que estar direitinho a contabilidade para que possa ter a concessão renovada. Se não estiver tudo certo, não renovo a de vocês nem a de ninguém”, avisou em abril do ano passado.
Outro recado havia sido dado em live realizada em outubro de 2019. “Temos uma conversa em 2022. Eu tenho que estar morto até lá, no processo de renovação (da concessão) de vocês. Não vai ser perseguição. Mas o processo tem que estar enxuto, tem que estar legal. Não vai ter jeitinho para vocês nem para ninguém.”
Bolsonaro vê o principal canal de TV da família Marinho como seu grande inimigo na mídia. “A Rede Globo persegue a mim e a minha família”, reclamou em entrevista à atriz Antônia Fontenelle no YouTube. “Há pelo menos 10 anos o sistema Globo me persegue e nada conseguiram provar contra mim”, tuitou o presidente em agosto de 2020.
O Grupo Globo nega as acusações. Em comunicado lido em telejornais, a empresa afirma sempre ter feito “jornalismo com seriedade e responsabilidade”. Em relação ao alerta de Bolsonaro sobre a renovação da concessão, disse que “jamais deixou de cumprir as suas obrigações”.
A primeira concessão da Globo ocorreu em julho de 1957, assinada por Juscelino Kubitschek. Por conta das dificuldades de importar equipamentos e montar a programação inaugural, a emissora estreou apenas em abril de 1965. Desde então, nunca teve problema em conseguir autorizações do governo federal para continuar suas operações.
Obter a renovação da concessão em ano de eleição presidencial, com Jair Bolsonaro de olho em cada detalhe do processo no Ministério das Comunicações, será um desafio para o canal no ano que vem. Na prática, o presidente da República não pode suspender ou cancelar uma concessão pública de TV em decisão individual. Dois quintos do Congresso — onde há vários parlamentares donos de emissoras e retransmissoras, inclusive da Globo — precisam dar aprovação para um canal ser tirado do ar.
Superada essa questão burocrática, a Globo continuaria a ter outro problema com Bolsonaro, no caso de o presidente conseguir a reeleição. Desde o início do mandato, a emissora perdeu cerca de 60% da publicidade do governo federal. De acordo com cálculos do mercado, esse corte representa R$ 250 milhões a menos de faturamento a cada ano. Oito anos de bolsonarismo na Presidência, com a mesma redução de repasses à emissora, poderiam ‘tirar’ cerca de R$ 2 bilhões de receita da Globo, o equivalente a 12 vezes o seu lucro em 2020.
O cenário seria melhor com Lula de volta ao Palácio do Planalto? A resposta é imprecisa. A era petista no Poder Executivo foi positiva para a TV do clã Marinho em termos financeiros. Ao longo dos dois mandatos de Lula (janeiro de 2003 a dezembro de 2010) e no período de Dilma Rousseff como presidente (janeiro de 2011 a agosto de 2016), a Globo recebeu R$ 7,8 bilhões de propaganda do governo, média de R$ 561 milhões por ano.
O retorno de Lula ao poder poderia, em tese, significar mais verba governamental para a emissora do que Bolsonaro direcionaria. Contudo, o petista é defensor de um projeto repudiado pela cúpula da Globo: a regulação econômica da mídia. A tal Lei da Mídia Democrática daria ao governo federal o poder, por exemplo, de ter direito de resposta em telejornais sem a necessidade de conseguir ordem da Justiça.
O ponto mais sensível à Globo seria a proibição de propriedade cruzada de meios de comunicação a fim de evitar “o domínio midiático por alguns poucos grupos econômicos”, conforme diz a resolução do PT sobre o tema. Maior conglomerado de mídia do Brasil, com veículos em todos os segmentos (jornais, revistas, rádios, TVs, portais de notícias, plataformas de streaming), o Grupo Globo poderia ser obrigado a se desfazer de algumas empresas para evitar acúmulo de poder econômico e influência.
Paradoxalmente, Jair Bolsonaro, que tanto reclama da Globo e da imprensa em geral, declarou algumas vezes ser contra o projeto que é uma bandeira histórica dos petistas. “Em meu governo, a chama da democracia será mantida sem qualquer regulamentação da mídia, aí incluída as sociais”, postou no Twitter em 2019.
Conclui-se que a eventual vitória de Bolsonaro ou Lula geraria prós e contras à repudiada Globo. Em resumo, provavelmente continuaria a ser duramente contestada pelo presidente, fosse qual fosse — e isso seria positivo. Se o canal incomoda igualmente aos principais campos do espectro político do País, prova fazer bom trabalho na difusão da informação, doa a quem doer. “Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade”, afirmou William Randolph Hearst (1863-1951).
O influente empresário norte-americano do ramo editorial inspirou a criação do personagem principal do clássico ‘Cidadão Kane’, o magnata da imprensa Charles Foster Kane, interpretado por Orson Welles, que também dirigiu o longa. Em vida e após a morte, o fundador da Globo, Roberto Marinho (1904-2003), foi inúmeras vezes comparado ao protagonista do filme em razão de seu colossal poder na mídia.