PM é inocentado de triplo homicídio contra jovens infratores
Adeir de Souza Filho havia sido apontado por uma testemunha ocular como o autor da "chacina do Candeeiro", em Cuiabá
Após 8 horas de julgamento, o policial militar aposentado Adeir de Souza Filho, de 49 anos, foi inocentado nesta quarta-feira (17) da acusação de ter executado três adolescentes infratores em Cuiabá (MT), no final da década de 90. O crime, que repercutiu nacionalmente na época, ficou conhecido como “chacina do Candeeiro”, nome de uma rua atualmente decadente na parte baixa do Centro Histórico da cidade.
Durante o julgamento, o PM Adeir foi reconhecido por uma testemunha ocular do triplo assassinato. Porém, o júri popular entendeu que as provas levantadas no processo são inconsistentes, como argumentou a defesa do réu, e a juíza Mônica Catarina Siqueira, da 1ª Vara Criminal da Capital, deu a sentença o absolvendo.
Adeir era o último acusado no processo a ser julgado, e a menos que o Ministério Público Estadual (MPE) recorra, ele vai se extinguir, como informa o advogado do PM, Marciano Xavier.
“São muitas versões sobre a possível autoria e um reconhecimento viciado não pode direcionar a decisão do júri. Mostraram uma foto do meu cliente à testemunha ocular que agora vai reconhecê-lo em qualquer lugar do mundo, mas seis dias depois do crime ele disse que a pessoa que disparou era branca. Meu cliente é negro. Tinha queixo fino. Meu cliente não tem. Tinha nariz torto. Meu cliente também não tem”.
No dia 10 de julho de 1998, por volta das 19 horas, Edileu dos Santos Araújo, 14, o Baby, Reginaldo Dias Magalhães, 16, o Nado, e Edgar Rodrigues de Almeida, 15, o Indinho, estavam usando drogas no beco, quando foram mortos.
A quarta vítima é a testemunha ocular do crime. Edilson Alves Ferreira Junior estava junto com os três garotos. Na época do crime tinha 16 anos e hoje é presidiário. Responde por assalto à mão armada. Frente a frente com o acusado, olhando para os chinelos nos pés, reforçou ao júri o mesmo que já havia dito em juízo pelo menos duas vezes: “Sem sombra de dúvidas foi ele”, disse se referindo ao PM. O policial, por sua vez, argumentou não se lembrar onde estava na hora do crime.
Dor de mãe
A mãe de um dos adolescentes assassinados, o Baby, saiu impactada do julgamento. A dona de casa Maria dos Santos, 60, afirma que, ao ouvir a sentença, segurou o choro. Na opinião dela, “a justiça nesse país não presta”.
Dona Maria sabia que o filho praticava furtos, mas nega que ele fosse usuário de drogas. Quando estava próximo da mãe, era carinhoso, um filho amoroso. “Para mim, escutar tudo isso de novo é um sofrimento, mas vim em memória do meu garoto”.
A vida de Baby nas ruas começou cedo, porque a mãe dele morava em Cáceres, região da fronteira entre o Brasil e a Bolívia, e não tinha condições financeiras. O adolescente veio para Cuiabá trabalhar com o irmão mais velho, mas assim que chegou se enturmou com Nado e Indinho e apenas 11 dias depois foi executado.
“As mães de Nado e Indinho não estão presentes porque têm medo de represálias”, explica Odilza Sampaio, vice-presidente da Associação das Famílias Vítimas de Violência Policial de Mato Grosso (AFVV-MT). Ela acompanhou todo o julgamento ao lado de Maria e compartilha da ideia de que a justiça brasileira é falha. “Se fossem filhos da classe média e alta, em dois anos tudo já estaria solucionado”.
Nesses 16 anos, o caso teve muitas especulações com relação ao mando do crime. Especula-se, por exemplo, que o PM Adeir tenha agido a mando do tráfico, por conta de dívida dos infratores, que também eram usuários de álcool e drogas. Também se especula que os próprios comerciantes da região é que encomendaram a “limpeza urbana”, já que o bando praticava furtos e incomodava por ali.
Outra especulação é que o pistoleiro Hércules Araújo, o mesmo que trabalhava para o bicheiro João Arcanjo Ribeiro, teria executado os garotos, para vingar um roubo à mulher dele. A Justiça analisou ainda a tese de que um grupo militar de extermínio desbaratado em Cuiabá na década de 90, conhecido como “A Firma”, poderia também acumular mais essas três mortes. Nada disso ficou comprovado.
O caso na mídia
A jornalista Nadja Vasques, 48 anos, era repórter de um dos maiores jornais de Cuiabá, A Gazeta, na ocasião do crime, e chegou a cobrir várias repercussões. Ela se lembra das especulações sobre o mando do crime.
“Quando eles foram mortos, claro que muita gente se comoveu, porque eram três, e eram crianças, e estavam na rua, mas muita gente ali da região, do comércio, gostou, porque eles eram o terror da vizinhança”, conta a jornalista.
“Cheguei a conversar com as mães deles depois do crime, em algumas ocasiões, e elas diziam que não tinham como segurar os filhos dentro de casa. Na minha cabeça, os pais são responsáveis pelos filhos que colocam no mundo, mas, ouvindo aquelas mulheres, percebia o problema social, a dificuldade delas de cuidar até da própria sobrevivência. Elas também não tinham estrutura emocional, psicológica, financeira”.
Na noite do crime
A rua do Candeeiro é uma das primeiras ruas de Cuiabá e já foi também uma das mais importantes, onde havia o melhor do comércio. Também, nos primórdios da cidade, era uma das únicas iluminadas, por luminárias movidas a óleo de peixe.
Quem passa por lá hoje ainda pode ver não somente jovens usuários de crack, que é a droga de rua do momento, mas também o monumento, que lembra a chacina. Uma escultura mostrando o possível horror dos adolescentes na hora da execução.
Na noite do crime, na versão da testemunha ocular, o executor chegou até o bando e perguntou onde ficava o cabaré. Sem resposta, seguiu o caminho e depois voltou com um jaleco de garçom, disparando os tiros contra Nado, Baby e Indinho. Edilson escapou porque estava um pouco mais distante mas quatro tiros foram disparos contra ele.
Durante o júri, contou que correu o mais rápido que pôde até a igreja Matriz, que também fica no Centro de Cuiabá, onde estava tendo um casamento. Entrou para se esconder, mas foi expulso pelos seguranças da igreja e acabou sendo abordado por um policial civil. Ele então contou a história ao policial e apontou na direção de Adeir que ainda o estava perseguindo. “Mas assim que eu apontei, ele entrou num ônibus. O policial ainda tentou correr atrás do ônibus, mas não deu tempo”.
O PM aposentado Adeir, que hoje é instrutor de autoescola, já foi condenado antes por uma tentativa de homicídio, em Rondonópolis (MT), e um assassinato, cometido em Poconé (MT). Os 39 anos de prisão ele cumpriu parte em regime fechado e atualmente cumpre o resto da pena no semiaberto.