RJ: clínicas de aborto faturavam cerca de R$ 300 mil por mês
Policiais faziam a segurança dos locais ou atrapalhavam a investigação
A Polícia Civil desmontou nesta terça-feira um grande esquema de clínicas de aborto no Rio de Janeiro. Foram presas até o momento 57 de 75 pessoas que tiveram mandado de prisão expedidos pela justiça, na operação batizada de Herodes. Em média, as clínicas faturavam cerca de R$ 300 mil por mês.
Alguns médicos praticavam aborto há mais de 50 anos, como Aloísio Soares Guimarães, cuja primeira anotação criminal data de 1962. Outra médica, Ana Maria Barbosa já tinha sido indiciada em 2001 por 6352 abortos em São João de Meriti, na Baixada Fluminense. O médico Bruno Gomes da Silva realizada abortos desde 77. O médico Carlos Roberto Silva, trabalhava normalmente na cidade paulista de Cruzeiro e vinha ao Rio apenas para realizar abortos. Na casa de um dos envolvidos foi encontrado um extrato de uma conta na suíça com milhões de reais depositados.
Além de médicos há envolvimento de policiais civis, militares, bombeiros e até de um soldado do exército, além de falsos médicos, enfermeiros, olheiros, seguranças, captadores e até advogados. “Muitas pessoas só foram identificadas parcialmente, ou por nome ou apelido. Mas com os depoimentos, acreditamos que possamos chegar a essas pessoas”, disse o delegado Felipe Bittencourt, que acredita que sejam mais de 100 envolvidos.
Todos foram indiciados por pelo menos 37 crimes de aborto comprovados (cujas mulheres aceitaram denunciar as clínicas) e estão presos preventivamente, o que impede a saída deles da prisão pagando fiança. “Eles tinha um verdadeiro aparato jurídico para que ficassem presos pelo menor tempo possível”, disse Bittencourt.
Alguns dos presos já tinham várias passagens pela polícia. “O objetivo da operação era impedir que eles fossem postos em liberdade. Temos provas robustas dos crimes. Mergulhamos na estrutura do crime”, disse Glaudston Galeano, da corregedoria da Polícia Civil.
Além do crime de aborto vão ser indiciados por corrupção passiva, prevaricação (no caso dos agentes públicos), exercício ilegal da medicina, associação para o tráfico de drogas, corrupção ativa e associação criminosa armada. Os acusados podem pegar no mínimo 37 anos de prisão, apenas pelo crime de aborto.
Os abortos eram cometidos, de acordo com a polícia, em verdadeiros açougues. Em alguns casos, para escapar do cerco policial, as clínicas eram itinerantes, funcionando até mesmo na casa de alguns dos envolvidos, entre eles, policiais civis. A polícia apreendeu ainda duas máquinas de sucção para procedimentos de limpeza do útero. Mas nos casos de abortos com crianças de até sete meses de gestação os investigadores acreditam que os bebês eram jogados no lixo.
As sete clínicas identificadas lucravam muito com o negócio. Só uma clínica de Bonsucesso (que já tinha sido fechada outras duas vezes), na zona norte do Rio, teria faturado R$ 2,7 milhões nos últimos dois anos. “A demanda é maior que a oferta. Alguns médicos chegavam a limitar o número de mulheres atendidas por dia a dez”, disse o delegado.
O esquema envolvia sete núcleos que funcionavam em Copacabana, Botafogo, Campo Grande, Rocha, Guadalupe. Bonsucesso e Tijuca. Foram apreendidos carros de luxo, cofres com dólares e joias, além de farta documentação. As clínicas não eram sócias, mas não interferiam na região de trabalho uma da outra.
“Policias faziam a segurança das clínicas ou atrapalhavam a investigação”, conta Glaudston. Como exemplo citou a prisão do inspetor Alexandre Lima, da delegacia de Copacabana e do major PM, Paulo Roberto Nigri, que recebiam propina para proteger a clínica de Copacabana.
A policia, através de 15 meses de investigação, conseguiu estabelecer uma tabela de preços que variava da idade da paciente (menores pagavam mais) e do tempo de gestação (quanto maior o tempo, mais caro). Procedimento com crianças de sete meses de gestação chegavam a custar R$ 7500. A polícia detectou procedimentos realizados em uma menina de 13 anos.
Durante todo esse tempo foram nove operações contra as clínicas. Uma delas, em Copacabana, foi realizada durante a Via Crúcias celebrada pelo Papa Francisco durante a Jornada Mundial da Juvetude em 2013.
No preço cobrado pelas clínicas, estavam incluídos o procedimento abortivo, micro-cirurgias, anestesias, prescrição de medicamentos e revisão médica. “Eles faziam a revisão para evitar que as mulheres fossem procurar qualquer tipo de ajuda em hospitais ou médicos particulares para que não fossem denunciados”, explicou Bittencourt. O grupo foi dividido chefes do núcleo, médicos do núcleo, auxiliares de enfermagem, agenciadores, transportistas, recepcionistas, seguranças e advogados.
O chefe da Polícia Civil pediu ainda que mulheres que tenham feito algum procedimento nas clínicas fechadas pela Operação Herodes, podem entrar em contato com a polícia para ajudar nas investigações.
“Infelizmente a legislação no Brasil criminaliza o aborto, mas é um crime menor, comparado ao que se pode evitar, por exemplo o que aconteceu com a Jandira, que morreu, teve os dentes e braços arrancados e foi queimada e só foi enterrada graças ao exame do DNA”, disse Veloso.
A operação segue em andamento no Rio, em São Paulo e no Espírito Santo. A polícia tem informação de que o médico Evangelista Pereira, teria se refugiado em Miami, nos Estados Unidos. As prisões e apreensões foram feitos em apartamentos de luxo em Copacabana, Leblon e Barra da Tijuca no Rio. A polícia não descarta a existência de outras clínicas de abortos na capital, mas afirma que as sete fechadas na operação, eram as principais.