RS: pai e madrasta de Bernardo são indiciados por homicídio
A Polícia Civil do Rio Grande do Sul indiciou, nesta terça-feira, os três suspeitos pela morte do menino Bernardo Boldrini. Segundo as investigações, entregues hoje à Justiça, o pai e a madrasta da vítima, Leandro Boldrini e Graciele Ugulini, atuaram como mentores e executores nos crimes de homicídio qualificado por motivo fútil e ocultação de cadáver, assim como a assistente social Edelvânia Wirganovicz, amiga de Graciele.
A decisão sobre Evandro Wirganovicz, o irmão de Edelvânia preso no último fim de semana por suspeita de participação no crime, ainda não foi anunciada; as investigações prosseguem e ele permanece em prisão temporária.
A polícia informou que montou seu inquérito - ainda indisponível ao público - com base em mais de 100 depoimentos colhidos juntos a parentes e amigos dos envolvidos no caso. A única prova disponível no caso remete ao auto de necropsia de Bernardo, através do qual se comprovou a existência de traços do sedativo Midazolam, usado para, no mínimo, dopar o garoto (a causa determinante da morte, em si, não foi ainda identificada). Aliam-se a estas evidências documentos como notas fiscais e o receituário médico, assinado por Leandro, para a aquisição do medicamento. A polícia também lançou mão de interceptações telefônicas que iluminam, mas não provam, as conjecturas da trama.
Como qualificadora do crime, a polícia elencou, repetidamente, a motivação fútil para o assassinato, isto é, a desarmonia familiar extrema entre Leandro e Graciele, de um lado, e Bernardo, do outro. Também são agravantes a dissimulação do assassinato, o que impossibilitou a defesa da vítima, e o "meio insidioso", isto é, a encenação de que ao menino, ao ser dopado, lhe teria sido dito que estaria sendo "benzido".
Os indícios de Leandro
Em seu conjunto, a exposição investigativa da Polícia Civil não apresentou novidades substanciosas em relação ao recentemente arrolado pela imprensa. Os delegados, todavia, traçaram um panorama em que se evidenciou a participação ativa e racional de Leandro Boldrini, à revelia do que seria a tentativa, por parte dos advogados, de livrá-lo das suspeições.
Os indícios que levaram ao indiciamento do pai de Bernardo estão embasados em supostas condutas contraditórias, informações desencontradas e a comportamentos não condizentes com aquilo que, segundo os investigadores, seria de se esperar de um pai na dita situação.
"Desde o início, notamos um comportamento totalmente diferente do que se espera de um pai cujo filho está desaparecido; parecia estar sempre tranquilo", afirmou em sua exposição a delegada responsável pelo caso, Caroline Bamberg Machado. "O Leandro e a Graciele passaram a impressão de que estavam até mesmo satisfeitos com o ocorrido", afirmou, em resumo sobre a conduta do casal nos dias subsequentes ao desaparecimento do menino.
Segundo a investigação, Leandro também incorreu em o que foram considerados incongruências de postura: procurou Bernardo no dia seguinte ao seu desaparecimento, no dia 4 de abril, quando, no passado, costumava passar até 15 dias sem buscar o filho, que costumava passar períodos na casa de amigos. "Há vasto relato de várias testemunhas dizendo que o menino passava 15 dias na casa de outras pessoas, e por que nesse dia (posterior ao desaparecimento) procurou? Isso também começou a nortear a nossa investigação no sentido de que tinha mais certeza da participação dele", disse a delegada.
A realidade familiar teria sido mesmo inicialmente negada e deturpada. "O Leandro, em seus primeiros depoimentos, relatou que não tinha problemas de relacionamento com Bernardo, nem Graciele. Que eram só probleminhas básicos. Isso foi desmascarado com várias testemunhas, ligações, que falam que eles tinham problemas sim. Ele (Leandro) tentou nos induzir a uma realidade que não existia quando afirmou que ele e o filho e Graciele não tinham problemas de relacionamento", ressaltou Bamberg.
Por sua vez, um dos principais indícios é um receituário médico assinado por Leandro para compra de Midazolam, sedativo prescrito para endoscopia e cujos traços foram identificados no cadáver de Bernardo. Há também provas físicas e testemunhais de que Edelvânia e Graciele compraram o remédio em cápsula, bem como foi dada falta do mesmo medicamento na clínica de Leandro.
Do planejamento e execução do homicídio
À parte o envolvimento de Leandro, que é uma convicção da polícia, a polícia detalhou a relação entre Graciele e Edelvânia bem como buscou indícios mais antigos da suposta ideia de assassinato do menino.
A delegada responsável pelo caso relatou que, entre o final de janeiro e fevereiro, uma amiga ouviu de Graciele que ela teria planos de matar Bernardo. Foi, segundo a polícia, um artifício similar ao adotado pela madrasta do menino quando da sua aproximação com Edelvânia. Esta amiga, cujo nome não foi revelado, buscou a polícia por iniciativa própria, o que, segundo a delegada, provê consistência à intenção do homicídio provando que o plano existia, pelo menos em ideia, antes mesmo dos seus contatos com Edelvânia.
Após a negativa desta amiga em prover ajuda, a ideia teria tido prosseguimento até a aceitação de Edelvânia em participar. Sua motivação: a ajuda financeira para quitar parcelas e dívidas de um apartamento comprado.
Tudo foi planejado para o dia 4 de abril, quando, após encenarem um ambiente familiar alegre e ao mentir para Bernardo que ele seria levado para comprar um aquário. "Bajularam o Bernardo no meio-dia do dia 4, o dia de tranquilidade que pairou no dia 4 era anormal na casa, nunca acontecia", afirmou a delegada.
No carro, dirigido por Edelvânia, o menino teria recebido uma primeira dose de Midazolam, sob o pretexto de "ficar calmo" pois depois iria se "benzer". Ele foi ulteriormente morto e teve seu corpo colocado em um buraco cavado perto do Rio Mico, numa zona de mata de Frederico Westphalen.
O contexto apontaria, portanto, para um quadro complexo de arquitetura criminal. Uma testemunha ouvida pela polícia teria afirmado que "quem arquitetou foi o Leandro", referindo-se ao fato de que Graciele não teria a capacidade de assumir a trama por completo. "Inclusive uma melhor amiga dela (Graciele) diz que ela não teria capacidade para arquitetar um plano tão bem bolado desses", afirmou.
Isso estaria comprovado em escutas telefônicas que apontariam para um movimento da defesa de livrar o Leandro de envolvimento com o crime. "Está bem claro nas ligações que os três advogados combinam que as duas vão inocentar ele. Se fosse inocente não precisava dessa combinação", colocou Bamberg.
Questões em aberto
Caroline Bamberg descartou que o inquérito sobre a morte de Odilaine Uglione, mãe de Bernardo, será reaberto. De acordo com ela, há convicção de que Odilaine se matou e de que não surgiu algum fato novo sobre o caso. A defesa da mãe de Odilaine, Jussara Uglione, aventara recentemente a reabertura do caso do suicídio de sua filha em virtude da morte do neto.
Mas algumas questões seguem em aberto. A primeira delas recai sobre Evandro Wirganowicz, preso temporariamente no último sábado por suspeita de ter colaborado na abertura da cova onde Bernardo foi enterrado, os trabalhos de investigação ainda prosseguem. "Temos que trabalhar ainda mais e verificar qual foi a real participação dele", informou a delegada. "Há outras provas que indicam que ele possa ter participação nesse crime", completou. Da prisão, Edelvânia escreveu uma carta em que absolve o irmão.
A causa da morte de Bernardo também aguarda laudos técnicos para ser detalhada. A polícia tem convicção de que o uso de Midazolam constitui causa central do homicídio, mas não concluiu ainda em que condições ocorreu o enterro às margens do Rio Mico.
O caso
Bernardo Uglione Boldrini, 11 anos, desapareceu no dia 4 de abril, em Três Passos, depois de – segundo a versão da família - dizer ao pai que passaria o fim de semana na casa de um amigo.
O corpo do garoto foi encontrado no dia 14 de abril, em Frederico Westphalen, dentro de um saco plástico e enterrado às margens do rio Mico. Na mesma noite, o pai, o médico Leandro Boldrini, a madrasta Graciele Ugulini, e a assistente social Edelvânia Wirganovicz foram presos pela suspeita de envolvimento no crime
Segundo a Polícia Civil, o menino foi dopado antes de ser morto, possivelmente com uma injeção letal. No dia 10 de maio, um quarto suspeito de envolvimento no crime foi preso: Evandro Wirganovicz, irmão de Edelvânia. Para a polícia, indícios apontam que ele participou da ocultação de corpo do menino.
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