SP: 'vi cenas de uma violência descomunal', diz perito do Carandiru
Osvaldo Negrini Neto, que realizou perícia nas celas do pavilhão 9, diz que provas não apontam para revide de presos contra PMs
Cenas “de uma violência descomunal, descabida”: assim o perito aposentado Osvaldo Negrini Neto descreveu nesta segunda-feira, em São Paulo, o cenário encontrado no pavilhão 9 da antiga Casa de Detenção do Estado após o massacre que deixou mortos 111 presos em 2 de outubro de 1992.
Negrini Neto é a primeira testemunha a ser ouvida neste primeiro dia do terceiro júri do massacre - assim classificado pela Organização de Estados Americanos no ano 2000. Além dele, ainda hoje devem ser ouvidas outras duas testemunhas de acusação: um sobrevivente do massacre e um ex-diretor da unidade prisional. O terceiro júri tem como réus 15 policiais militares do Comando de Operações Especiais (COE) que respondem pela morte de oito presos do quarto pavimento (equivalente ao terceiro andar).
O advogado dos policiais, Celso Machado Vendramini, tentou colocar em jogo a perícia. De acordo com ele, há registro de apenas um vestígio de bala dentro de uma das 60 celas do pavimento. Ainda de acordo com ele, quatro das oito vítimas foram mortos com armas brancas.
"Há relatos de um preso de que somente um policial, com uma metralhadora, tenha descarregado o pente dentro de uma cela. Não é possível dizer que estes policiais que estão aqui são responsáveis pelas mortes", disse o advogado.
Negrini rebateu dizendo que foi feito um cruzamento entre os moradores de cada andar e os mortos, que já haviam sido retirados para o segundo pavimento do prédio quando começou a perícia. Mas concordou que pode haver falhas quanto à localização em que cada um foi morto.
O advogado também confrontou o perito pela não realização do confronto balístico. "Com os equipamentos que tínhamos na época não era possível fazer. Seriam necessários 72 anos para que essa perícia fosse realizada", disse Negrini. O perito contou que sugeriu o governo do Estado a comprar um equipamento orçado em cerca de US$ 500 mil à época para ajudar nos trabalhos, mas não foi atendido.
De acordo com o perito, testemunha nos outros dois júris do caso, as condições à época eram hostis ao trabalho da perícia. “A princípio era proibido entrar e fazer perícia no local”, disse o perito, que trabalhou no Instituto de Criminalística por 36 anos. “Além disso, a prova que mais dá evidência do que de fato ocorreu é a posição dos corpos. Quando cheguei lá, os corpos estavam amontoados no primeiro andar”, declarou.
Tese defendida pela defesa, um suposto tiroteio entre PMs e presos que teriam reagido à entrada dos policiais foi descartada pelo perito a partir de restos de chumbo detectadas nas celas. Segundo ele, o cobre é vestígio de armas como metralhadora e pistola; revólveres, apresentados à época como posse dos detentos, deixavam vestígio de chumbo.
Relembre o caso
Em 2 de outubro de 1992, uma briga entre presos da Casa de Detenção de São Paulo - o Carandiru - deu início a um tumulto no Pavilhão 9, que culminou com a invasão da Polícia Militar e a morte de 111 detentos. Os policiais são acusados de disparar contra presos que estariam desarmados. A perícia constatou que vários deles receberam tiros pelas costas e na cabeça.
Entre as versões para o início da briga está a disputa por um varal ou pelo controle de drogas no presídio por dois grupos rivais. Ex-funcionários da Casa de Detenção afirmam que a situação ficou incontrolável e por isso a presença da PM se tornou imprescindível.
A defesa afirma que os policiais militares foram hostilizados e que os presos estavam armados. Já os detentos garantem que atiraram todas as armas brancas pela janela das celas assim que perceberam a invasão. Do total de mortos, 102 presos foram baleados e outros nove morreram em decorrência de ferimentos provocados por armas brancas. De acordo com o relatório da Polícia Militar, 22 policiais ficaram feridos.