100 dias do 8 de janeiro: relembre o ataque aos Três Poderes e seus desdobramentos
Mais de 1,3 mil radicais foram denunciados pela Procuradoria Geral da República; julgamento no STF começou nesta terça-feira, 18
A invasão às sedes dos Três Poderes em Brasília, ocorrida em 8 de janeiro, completou 100 dias nesta terça-feira, 18. O episódio definiu o início do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência da República e levou mais de mil pessoas à prisão. Hoje, o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar os 100 primeiros denunciados pela Procuradoria Geral da República sobre a invasão, e os primeiros dois votos foram favoráveis a torná-los réus em ação penal.
O movimento de contestação à vitória de Lula nas urnas começou logo após o segundo turno da eleição. Em novembro de 2022, apoiadores do então presidente Jair Bolsonaro (PL) bloquearam rodovias por todo o País pedindo "intervenção federal" para anular o resultado das urnas. Outro fato precursor dos ataques aos Três Poderes ocorreu em 12 de dezembro, dia da diplomação de Lula no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Nesta data, apoiadores de Bolsonaro tentaram invadir a sede da Polícia Federal e queimaram ônibus na capital federal.
Radicais continuaram se mobilizando na tentativa de convencer as Forças Armadas a aplicarem um golpe de Estado contra Lula e destituí-lo do Poder. O estopim ocorreu em 8 de janeiro, em um ataque premeditado que causou a depredação de prédios públicos, mas não dissolveu as instituições democráticas. Relembre:
8 de janeiro: o dia do ataque
Ainda insatisfeitos com a posse de Lula na Presidência, cerca de 3.900 radicais bolsonaristas chegaram a Brasília para mais um dia de protestos contra o petista. Naquela época, militantes apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro acampavam em frente a quartéis do Exército pelo País. Em Brasília não era diferente. O Estadão mostrou que a invasão vinha sendo preparada desde 3 de janeiro, quando mensagens divulgadas com grande intensidade em grupos do Telegram e WhatsApp passaram a convocar manifestantes de todo o Brasil para a capital federal.
Por volta das 15 horas, os manifestantes avançaram sobre a Esplanada dos Ministérios e, pouco tempo depois, depredaram os prédios públicos do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto. Os vândalos furaram, sem ou com pouca resistência da Polícia Militar (conforme mostram vídeos do dia), o bloqueio de segurança e invadiram os edifícios públicos. Ainda no domingo, 209 pessoas foram presas em flagrante, número que cresceria no dia seguinte.
9 de janeiro: Lula caminha com governadores, mais prisões e acampamentos desmobilizados
Na madrugada de 9 de janeiro, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou o afastamento do governador Ibaneis Rocha (MDB), do Distrito Federal, por omissões diante dos atos de vandalismo. O magistrado também deu 24 horas para que os manifestantes saíssem da frente dos quartéis em todo o País.
O dia 9 foi marcado pela desmobilização dos acampamentos pelas forças de segurança dos Estados. Enquanto isso, em Brasília, o ministro da Justiça, Flávio Dino, informou que mais 1,5 mil radicais haviam sido detidos. A Polícia Federal também identificou, em dez Estados, suspeitos de elo econômico com a tentativa de golpe de Estado, com financiamento de ônibus, por exemplo.
Também no dia 9, os chefes dos Três Poderes divulgaram uma nota conjunta em que disseram "rejeitar os atos de terrorismo, vandalismo, criminosos e golpistas" em Brasília e pediram à população a "defesa da paz e da democracia".
A nota foi assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pelo presidente do Senado em exercício na época, Veneziano Vital do Rêgo, pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, e pela presidente do STF, Rosa Weber. Foi também no dia 9 que o presidente Lula caminhou com governadores e vice-governadores dos 27 Estados, em um ato simbólico, saindo do Palácio do Planalto em direção à sede do STF.
12 de janeiro: começam os bloqueios econômicos de suspeitos
No dia 12 de janeiro, 52 pessoas e sete empresas tiveram R$ 6,5 milhões em bens bloqueados pela Justiça. Elas eram suspeitas de financiar os atos golpistas na Praça dos Três Poderes. Foi a primeira sanção econômica às empresas que ajudaram a transportar os manifestantes para o ato.
14 de janeiro: Anderson Torres é preso
O ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres, estava de férias em Miami no dia das invasões, mesmo tendo assumido o cargo poucos dias antes. Acusado de omissão, ele foi preso ao retornar ao Brasil, no dia 14 de janeiro. Torres é investigado sobre a atuação das forças de segurança durante a invasão e teve prisão preventiva decretada pelo ministro Alexandre de Moraes no dia 10 de janeiro.
16 de janeiro: PGR apresenta primeiras denúncias
No dia 16 de janeiro, a Procuradoria Geral da República apresentou ao STF o primeiro pacote de denúncias pelos ataques em Brasília, começando com 39 presos. Nos dias seguintes, o órgão continuou apresentando denúncias em pacotes (de 80, de 225, de 152 etc). Hoje, o número ultrapassa 1,3 mil.
Posteriormente, o teor das denúncias passou a ser alvo de questionamentos por ignorar condutas individuais, ter textos idênticos para diferentes suspeitos e, assim, colocar garantias constitucionais em risco.
20 de janeiro: começa a Operação Lesa Pátria
A força-tarefa da Polícia Federal para prender suspeitos do 8 de janeiro, chamada Operação Lesa Pátria, deu início à sua primeira fase de investigação no dia 20 de janeiro. Na ocasião, a PF prendeu cinco suspeitos de participação, incitação e financiamento nos atos golpistas. A força-tarefa foi deflagrando mais fases nos dias seguintes (foram mais três só em janeiro). Nesta terça-feira, 18 de abril, a Polícia Federal iniciou a 10ª fase da operação.
Meses seguintes: CPI, julgamento e soltura com tornozeleira eletrônica
Após os primeiros desdobramentos dos atos golpistas, parlamentares da oposição começaram a se mobilizar pela abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ou Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para apurar os eventos do 8 de janeiro. Logo no início do debate sobre o tema, Lula logo se posicionou contrário à instauração de um colegiado. O presidente argumentou que o governo e os núcleos de inteligência dos órgãos federais têm mecanismos de investigação para conduzir o caso de forma autônoma.
Defensores da CPI argumentavam que a esquerda pôs "infiltrados" nos atos para manchar a imagem dos apoiadores do ex-presidente Bolsonaro. Alegam, ainda, que o governo tinha conhecimento prévio das manifestações, mas preferiu se omitir, sugerindo uma ação orquestrada para prejudicar Bolsonaro e seus seguidores.
Como mostrou o Estadão, Lula passou a distribuir cargos de segundo escalão para barrar a abertura de uma investigação. O presidente alegava que o colegiado causaria uma "tremenda confusão". A instauração de uma comissão também enfrentava resistência do presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que argumentava que o início da colheita de assinaturas havia começado no dia 9 de janeiro, portanto, antes do início da atual legislatura. Por fim, parlamentares retiraram assinaturas e esvaziaram a possibilidade de CPI no Senado. Quanto a uma comissão mista, com deputados e senadores, ainda não há uma definição.
Em fevereiro, o ministro Alexandre de Moraes determinou a soltura de 173 denunciados pelos atos golpistas. Os investigados foram colocados em liberdade provisória e deixaram o sistema carcerário do Distrito Federal, com a condição de cumprirem medidas cautelares alternativas, inclusive com o uso de tornozeleira eletrônica. Em seguida, o magistrado mandou soltar mais 130, e, depois, mais 129 presos.
Nesta terça-feira, 18, o STF começou a julgar as 100 primeiras denúncias oferecidas pela PGR contra os bolsonaristas envolvidos no 8 de janeiro. Nos primeiros dois votos, os ministros Dias Toffoli e Moraes foram favoráveis a tornar réus os extremistas denunciados.