'Acabar com Lava Jato' tem impacto quase zero na popularidade de Bolsonaro, diz pesquisador
Para Mauricio Moura, do Ideia Big Data, presidente trocou de eleitor e hoje não depende mais do discurso contra corrupção.
A declaração do presidente Jair Bolsonaro de que acabou com a operação Lava Jato — já que, nas palavras do presidente, seu governo não teria corrupção a ser investigada — deve ter pouco ou quase nenhum impacto na avaliação da popularidade do presidente.
A opinião é de Mauricio Moura, presidente do instituto Ideia Big Data, que faz pesquisas de opinião e análise quantitativa e qualitativa sobre assuntos relacionados ao governo.
Bolsonaro disse em um discurso na quarta-feira (07/10): "É um orgulho, é uma satisfação que eu tenho, dizer a essa imprensa maravilhosa que eu não quero acabar com a Lava Jato. Eu acabei com a Lava Jato, porque não tem mais corrupção no governo. Eu sei que isso não é virtude, é obrigação".
Críticos dizem que Bolsonaro não acabou com a corrupção — mas que está acabando sim com os esforços anticorrupção, ao fortalecer nomes contrários à Lava Jato na Procuradoria Geral da República e ao indicar favoritos seus na Polícia Federal.
Troca de eleitorado
Moura diz que apesar de Bolsonaro ter sido eleito com grande expectativa de combater a corrupção, o tema hoje já não influencia tanto como antes na sua popularidade.
Segundo o pesquisador, isso se dá não porque o eleitorado brasileiro deixou de se preocupar com a corrupção — mas sim porque o segmento do eleitorado que dá importância ao assunto já havia abandonado Bolsonaro no começo deste ano.
Ao longo do seu mandato, sobretudo em 2020, teria havido uma "troca" de eleitores. Moura diz que os cerca de 10% a 15% dos brasileiros que apoiavam Bolsonaro deixaram de fazê-lo quando as atitudes contra a corrupção perderam importância no governo.
Em abril, o ex-juiz Sergio Moro — símbolo da Lava Jato e dos esforços contra a corrupção — renunciou ao seu cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública, acusando Bolsonaro de interferir na nomeação do presidente da Polícia Federal para beneficiar familiares seus em investigações.
Enquanto tudo isso acontecia, o governo federal começou o pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 aos que perderam sua renda por conta da pandemia de coronavírus. E com isso, Bolsonaro teria conquistado a aprovação de uma camada que corresponde a algo entre 20% e 22% do eleitorado.
"Bolsonaro trocou o apoio da classe média pelo segmento popular, que é muito mais pragmático no que espera dos políticos", diz Moura, em entrevista à BBC News Brasil. "Essa parte da população já parte do pressuposto de que todo político é corrupto, e está mais interessada em saber o que o governo federal vai fazer pela sua saúde, educação e, agora, no futuro do auxílio emergencial."
A troca permite que Bolsonaro mantenha o patamar de popularidade do começo do ano — pouco acima de 30%. O presidente já havia perdido, em 2019, uma grande parte das avaliações positivas, já que seu governo havia começado com aprovação de 50% da população.
Esse mesmo movimento de "troca de eleitor", segundo Moura, aconteceu em 2002 com o Partido dos Trabalhadores. Naquela época, boa parte do eleitorado mais popular votava no PFL (hoje DEM), e rejeitava o PT. Já no primeiro ano da presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, com o lançamento de programas sociais, esse eleitor havia migrado para o lado dos petistas.
As pesquisas do Ideia Big Data sugerem que o segmento da classe média cujo foco principal é o combate à corrupção segue compondo algo entre 10% a 15% do eleitorado. E esse é justamente o percentual de pessoas que costuma declarar hoje apoio a Sergio Moro, caso o ex-ministro queira concorrer à Presidência.
Ou seja, Moro "herdaria" de Bolsonaro essa parte do eleitorado.
Renda Cidadã fundamental
Moura considera que o Brasil vive um cenário atípico na política. Depois de anos de uma polarização entre PT e PSDB, o eleitor hoje praticamente desconsidera a importância dos partidos políticos.
O Ideia Big Data lista cinco pessoas que lideram pesquisas espontâneas para a eleição presidencial de 2022, na seguinte ordem: Jair Bolsonaro, Luiz Inácio Lula da Silva, Sergio Moro, Ciro Gomes e Luciano Huck.
De todos os listados, apenas dois (Ciro, PDT, e Lula, PT) são filiados a algum partido. Huck e Moro sequer concorreram a cargos públicos em eleições, e Lula está inelegível.
Com o quadro atual e com a nova configuração do eleitorado de Bolsonaro, Moura diz que tudo indica que o grande tema que definirá a eleição em 2022 é a política econômica do governo, e não a corrupção.
"O Renda Cidadã (programa social que o governo Bolsonaro tenta criar) vai estar no centro dos debates. O governo vai ter que equacionar como seguir atendendo ao seu eleitor depois que acabar o auxílio financeiro. Isso é fundamental para o governo Bolsonaro", diz.
O governo Bolsonaro e o Congresso Brasileiro vêm discutindo formas de criar um programa para substituir o Bolsa Família, mas esbarra na falta de recursos no orçamento. A equipe econômica do ministro Paulo Guedes, congressistas do chamado "centrão" e políticos que orbitam ao redor de Bolsonaro têm travado brigas sobre como financiar o Renda Cidadã.
Alguns defendem corte de gastos (alguns deles em programas de assistência social), enquanto outros dizem ser necessário aumentar impostos. O presidente ainda não deixou claro qual rumo o programa deve seguir.
Covid-19
Moura diz que as pesquisas feitas pelo Ideia Big Data mostram que o presidente perdeu a oportunidade de realizar um salto de popularidade diante da epidemia do coronavírus, o que foi obtido por diversos líderes em outros países.
Na Europa, alguns chefes de Estado chegaram a conquistar até vinte pontos percentuais com suas respostas à pandemia.
No Brasil, Moura diz que seus dados mostram que Bolsonaro não perdeu terreno, graças ao auxílio emergencial, mas deixou de ganhar espaço.
No Chile, por exemplo, a pandemia aumentou em 15 pontos percentuais a aprovação ao presidente Sebastian Piñera, que poucos meses antes enfrentava uma grave crise política, com convocação de assembleia constituinte.