Superministério acabará com lobby da indústria, diz Guedes
Apesar de pressão do setor industrial, Bolsonaro decide unificar Fazenda, Planejamento e Mdic, repetindo estratégia do governo Collor
RIO - Prestes a se tornar o "superministro" da Economia, Paulo Guedes, coordenador do programa econômico do presidente eleito, Jair Bolsonaro, disse na terça-feira, 30, que a incorporação do Ministério da Indústria (Mdic) ao da Fazenda será usada para desmontar o sistema de lobby e protecionismo que atrapalha o desenvolvimento da indústria nacional. "Vamos salvar a indústria brasileira, apesar dos industriais brasileiros", afirmou o economista, após reunião da cúpula do futuro governo Bolsonaro, no Rio.
Com o aval do presidente eleito, Guedes anunciou na terça-feira a criação do superministério da Economia, que reunirá as atuais pastas da Fazenda, do Planejamento e o Mdic. Ao fazer o anúncio, Guedes comparou o Mdic a uma "trincheira da Primeira Guerra Mundial" na defesa do protecionismo. "O Brasil está em um processo de desindustrialização acelerada há mais de 30 anos. Eles (Midc) estão lá com arame farpado, lama, buraco, defendendo protecionismo, subsídio, coisas que prejudicam a indústria, em vez de lutar por redução de impostos, simplificação e uma integração competitiva à indústria internacional."
O economista frisou que a proposta de criar o "superministério" e de fundir em uma só pasta os Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente já estavam no programa original, apresentado na campanha. Ele minimizou as declarações feitas pelo próprio Bolsonaro uma semana antes do segundo turno, depois de encontro com empresários da indústria: "Se esse é o interesse deles, para o bem do Brasil, vamos atendê-los. Vamos manter o Mdic sem problema nenhum", disse o então candidato, no dia 24, em transmissão feita pelo Facebook.
As três pastas da área econômica, hoje separadas, já foram unificadas, durante o governo Fernando Collor de Melo, de 1990 até 1992. Zélia Cardoso de Melo ocupou o cargo de ministra. Três dias após o afastamento de Collor, no fim de 1992, a fusão foi desfeita e os ministérios voltaram a funcionar separadamente.
Reações
Na terça-feira, representantes da indústria reagiram à criação do superministério. "Tendo em vista a importância do setor industrial para o Brasil, que é responsável por 21% do PIB nacional e pelo recolhimento de 32% dos impostos federais, precisamos de um ministério com um papel específico, que não seja atrelado à Fazenda, mais preocupada em arrecadar impostos e administrar as contas públicas", afirmou, em nota, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade.
O presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e Confecção (Abit), Fernando Pimentel, classificou a decisão como "equivocada". "Não vejo o Brasil dando certo sem uma indústria relevante. Colocar a indústria como secretaria é diminuir sua importância."
Representante de empresas exportadoras e importadoras, o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, disse que, se o País quer aumentar sua participação no comércio global, "não pode ter um Ministério da Indústria relegado a segundo plano e sem voz ativa".
Apesar das críticas ao atual modelo, Guedes disse que o futuro governo não fará "uma abertura abrupta da economia.
"O maior símbolo de que os impostos são excessivos é que quem faz lobby consegue desoneração e quem não faz vai para o Refis (programa de refinanciamento de impostos). Se os impostos fossem mais baixos, não precisaria de nada disso", disse Guedes. "A razão do Midc estar próximo da Economia é justamente ter uma única orientação sobre tudo isso."
Previdência
O futuro ministro da Economia de Jair Bolsonaro (PSL), Paulo Guedes, defendeu na terça-feira a aprovação da proposta de reforma da Previdência enviada pelo presidente Michel Temer. No entanto, após a reunião com a cúpula do futuro governo, ele ponderou que é preciso levar em conta um "cálculo político" ao analisar a questão.
Líderes de partidos da legislatura atual avaliam como baixa a possibilidade de a Câmara aprovar qualquer mudança nas regras para se aposentar no Brasil ainda este ano. O calendário apertado, a complexidade da proposta e o acúmulo de outros projetos também considerados essenciais devem impedir o avanço da reforma este ano, dizem os parlamentares. Por se tratar de uma mudança na Constituição, são necessários dois turnos de votação com os votos favoráveis de pelo menos 308 dos 513 deputados.
A proposta enviada pelo governo Michel Temer com mudanças nas regras de aposentadoria foi aprovada por uma comissão especial da Câmara em 2017, mas travou e não chegou a ser votada no plenário por falta de apoio depois do escândalo da JBS, envolvendo Temer. Para retomar a reforma da Previdência ainda neste ano, seria preciso suspender a intervenção federal na área de segurança pública do Estado do Rio.
Entre outras coisas, a proposta que está na Câmara prevê idades mínimas iniciais de 53 anos para mulheres e 55 anos para homens, avançando ao longo de duas décadas para as exigências de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens. O governo atual acha que o Bolsonaro não pode perder a oportunidade de buscar a aprovação ainda este ano na Câmara, pelo menos em primeiro turno, para evitar uma nova negociação ano que vem.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que seria "um pouco de precipitação" afirmar quando a proposta será votada. "Precipitado é votar qualquer coisa sem voto. Com voto nada é precipitado. Votar qualquer matéria, Previdência ou não para o futuro governo sofrer uma derrota eu acho que é ruim para o governo que entra", afirmou. "Então vamos ter de ter paciência."
Advertência
Aliado de Jair Bolsonaro, o deputado Major Olímpio (PSL-SP), eleito para o Senado, disse avaliar que, se a proposta de reforma da Previdência for votada neste ano, como está, não será aprovada.
Para o deputado Arthur Oliveira Maia (DEM-BA), que se considera um "sobrevivente" por ter conseguido a reeleição mesmo sendo o relator da reforma, três pontos são essenciais na proposta: estabelecer idade mínima, uma regra de transição "justa" e igualar a Previdência pública à privada.
O Estadão/Broadcast apurou que a ideia do novo governo é trabalhar com duas reformas. Além da "paramétrica" (para alterar as regras de acesso aos benefícios), a seguinte seria feita para implementar o regime de capitalização (contribuição para contas individuais) por meio de uma outra proposta de emenda à Constituição e abrangeria somente ingressantes no mercado de trabalho.
O modelo atual é chamado de repartição e funciona com os aposentados recebendo do que é arrecadado por quem está trabalhando atualmente. A diferença nesse "caixa" comum é estimada em um rombo de R$ 218 bilhões só em 2019 e é coberta pelo Estado. No sistema de capitalização, que já foi adotado no Chile, é criada uma conta individual em que o trabalhador deposita sua contribuição, que banca a aposentadoria no futuro. "Vamos criar uma nova Previdência com regime de capitalização, mas existe uma Previdência antiga que está aí. Então, além do novo regime trabalhista e previdenciário, temos de consertar essa que está aí", disse Guedes.
Desentendimento
Pela manhã, Guedes chegou a desautorizar o futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que deu declarações recentes sobre a reforma da Previdência. "Estão assustados por quê? É um político falando de economia. É a mesma coisa se eu sair falando de política. Não dá certo, né?", afirmou Guedes. À tarde, o futuro ministro da Economia moderou o tom. "Do ponto de vista econômico, quanto mais rápido (aprovar a reforma da Previdência), melhor. Estamos atrasados com essa reforma. Agora, evidentemente existe um cálculo político. O nosso Onyx, corretamente, não quer que, de repente, nossa vitória nas urnas se transforme numa confusão no Congresso", disse Guedes, em nova entrevista, ao lado de Lorenzoni.
BC independente
O economista Paulo Guedes, principal assessor econômico do presidente eleito Jair Bolsonaro, deu sinais na terça-feira de que não pretende ter uma postura intervencionista na política monetária e cambial. Segundo Guedes, a atual transição de governo será a última em que haverá incerteza sobre o comando da autoridade monetária. Ele prometeu enviar um projeto para dar independência ao Banco Central (BC) com previsão de mandatos não coincidentes entre diretores do órgão e mandatos presidenciais.
"A essência desse projeto são mandatos não coincidentes", disse o economista, ao chegar para a reunião da cúpula do governo Bolsonaro, na terça-feira, no Rio.
Já indicado como ministro da Economia, Guedes elogiou o atual presidente do BC, Ilan Goldfajn, que considera um bom quadro. Disse, porém, que um convite para sua permanência ainda não foi feito.
"Daqui para a frente, como vamos aprovar a independência do Banco Central , saberemos que essa fonte de incerteza [o comando do BC] será eliminada. Essa é a última transição que tem essa incerteza", afirmou Guedes.
Reservas
O futuro ministro esclareceu que a proposta de vender parte das reservas internacionais, revelada na terça-feira pelo jornal Valor Econômico, foi discutida pela equipe que trabalhou no programa de governo ainda durante a campanha e seria adotada apenas em caso de crise especulativa no câmbio. Essa é uma das funções clássicas das reservas internacionais, que funcionam como uma espécie de "seguro": se o dólar sobe muito rápido, o BC vende dólares das reservas no mercado, para controlar as cotações.
Segundo Guedes, a equipe de assessores econômicos debateu o assunto um mês atrás, quando o dólar estava cotado na casa de R$ 4,10. Nesse quadro, faria sentido o BC intervir no mercado para evitar uma desvalorização muito forte do câmbio. "Se o dólar chegar a R$ 5,00, vai ser muito interessante, porque vamos vender US$ 100 bilhões. São R$ 500 bilhões. Na mesma hora, vou recomprar dívida interna. Chama-se política de esterilização", explicou o economista.
O futuro ministro ressaltou que "não vai se fazer isso" sem uma crise especulativa no câmbio. "O dólar agora está a R$ 3,60, para que vou vender dólar? Para derrubar as exportações?", questionou.
Para o economista, o custo de manter as reservas internacionais é elevado e não seria necessário um nível tão elevado se as contas públicas fossem equilibradas. "Quando você tem um regime fiscal robusto, não existe essa necessidade de carregar tantas reservas, porque é um seguro muito caro", disse.