Apoiadores atribuem falsamente a Bolsonaro recuo da Rússia
Presidente chegou a Moscou no mesmo dia que Putin recuou em relação ao conflito armado com a Ucrânia
Aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL) estão buscado emplacar nas redes sociais a ideia de que o mandatário brasileiro teria exercido influência na retirada de parte das tropas da Rússia da fronteira com a Ucrânia, movimento que atenuou a iminência de um confronto na região. Ministros e apoiadores do governo levantaram a hashtag "BolsonaroEvitouAGuerra", que já alcançou os assuntos mais comentados do Twitter na manhã desta terça-feira, 14.
Mesmo com parte das postagens feitas em tom de brincadeira, elas exploram uma publicação do próprio presidente, que desembarcou nesta terça-feira no país. Mais cedo, ao adentrar o espaço aéreo russo, Bolsonaro deu destaque à notícia da retirada das tropas, mesmo tendo sido aconselhado pelo Itamaraty a não tocar nesse assunto durante a viagem, como mostrou o Estadão.
O ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles compartilhou uma montagem que simula o presidente na capa da revista americana "Time". A manchete da edição falsa atribui a Bolsonaro o "Prêmio Nobel da Paz de 2022" por seu "papel fundamental na crise entre Rússia e Ucrânia", além de descrever o mandatário como "o homem que poderá definir o futuro do planeta". Na postagem, Salles não sinalizou que se trata de uma montagem. "Parabéns, presidente", ele se limitou a escrever.
Em outra publicação, o ex-ministro usou indevidamente o logo de um canal de notícias para dizer que Bolsonaro "evitou a terceira guerra mundial". Nesta postagem, o ex-titular do Meio Ambiente sequer escreveu uma legenda.
Alvo de inquérito no TSE por disseminar desinformação, a influenciadora bolsonarista Bárbara Destefani foi ao Twitter dizer que Bolsonaro "ligou para (Vladimir) Putin do avião e disse para ele esquecer esse negócio de guerra", atribuindo ao presidente brasileiro a responsabilidade pelo gesto de recuo.
Diferentemente das postagens de Salles, Bárbara deixou mais evidente o tom humorístico de sua publicação, embora alguns seguidores tenham demonstrado, nos comentários, que acreditaram na afirmação. Posteriormente, Destefani foi às redes ironizar o fato de veículos de informação noticiarem a movimentação das postagens com seriedade.
A pesquisadora Michele Prado, autora do livro "Tempestade Ideológica: a alt-right e o populismo iliberal no Brasil", avalia que os bolsonaristas com influência nas redes aproveitam a situação para fortalecer a mobilização do público em torno do mandatário. Ela ressalta que a imagem do presidente entre seus apoiadores é envolta de "mitificação e messianismo", elementos que esse tipo de publicação tenta reforçar.
"Vão tentar usar a viagem para elevar Bolsonaro a uma espécie de salvador, algo que é recorrente", afirma a escritora. Michele classifica as postagens como uma tentativa de emplacar o que ela chama de contranarrativa - uma disposição dos fatos alheia à realidade. "O bolsonarismo tem muitas redes alternativas de influência. Eles se valem de um fato importante para forjar as narrativas que mais vão mobilizar o seu público, muitas vezes de forma extremista".
'Delírio como método'
Michele acrescenta que essa situação pode resultar na ampliação do "limite de aceitação do absurdo" dos bolsonaristas, levando à perda do senso crítico individual. "É o delírio como método. Quando recebem essas publicações (no Telegram, WhatsApp e outras redes sociais), acham que é verdadeiro. No futuro, vão acreditar em algo ainda mais absurdo e fora da realidade", diz a pesquisadora.
O próprio ministro Walter Braga Netto, que acompanha o chefe do Executivo na viagem, afirmou nesta terça-feira que a Ucrânia não está pauta da reunião do presidente com o ministro da Defesa da Rússia. Segundo ele, serão tratados temas que envolvem transferência de tecnologia.