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Política

Após derrotas no Congresso, Bolsonaro tenta criar base e negocia cargos com centrão

Desde semana passada, presidente recebe líderes de partidos, enquanto ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, negocia comando de órgão federais; segundo governista, derrota na votação de 'Plano Mansueto' foi 'alerta muito grande'.

23 abr 2020 - 05h05
(atualizado às 07h53)
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Nos últimos dias, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) passou a receber políticos do chamado "centrão" e a negociar cargos federais com os chefes destas legendas. Depois de uma série de derrotas do governo no Congresso, o Planalto quer reconstruir sua base de apoio na Câmara e no Senado — e também mira a disputa para o comando das duas casas do Legislativo, no começo de 2021.

Foto: BBC News Brasil

O movimento acontece ao mesmo tempo em que Bolsonaro e seus apoiadores radicalizam o discurso e aprofundam os ataques contra adversários políticos, como o atual presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Durante a quarta-feira (22), a hashtag #MaiaTraidorNacional foi mencionada ao menos 173 mil vezes no Twitter, e figurou na lista dos assuntos mais comentados do dia na rede social. No último fim de semana, Bolsonaro criticou a "velha política" ao discursar para apoiadores em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília.

"O Bolsonaro subiu na picape (no domingo, 19 de abril) dizendo que 'não negociava nada'. Agora, está aí pedindo currículo de gente para indicar no governo", ironizou um político de centro-direita ouvido pela BBC News Brasil.

Segundo congressistas e pessoas que trabalham na articulação política do governo, o principal negociador pelo lado do governo nas tratativas com o "centrão" é o ministro da Secretaria de Governo, o general da reserva Luiz Eduardo Ramos.

A "luz amarela" acendeu-se no Palácio do Planalto depois que os deputados impuseram ao governo uma derrota na votação do plano de ajuda de R$ 90 bilhões aos Estados e municípios, na última segunda (13). Na ocasião, a posição governista foi preterida por 431 votos a 70.

Na luta para ganhar musculatura no Congresso, o Planalto não conta só com a simpatia do general Ramos e de Bolsonaro. Segundo os jornais brasileiros, o governo está negociando o comando de órgãos federais com legendas do centrão, como PP, PL e Republicanos.

Estariam na mesa o controle do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS); do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE); da Fundação Nacional de Saúde (Funasa); do Banco do Nordeste e do Departamento Nacional de Infraestrutura em Transportes (Dnit); além de cargos no segundo escalão do Ministério da Saúde, na gestão do oncologista Nelson Teich.

O teor das negociações foi confirmado à BBC News Brasil por pessoas que estão à par das conversas.

Na noite de domingo (19), Bolsonaro também fez um aceno ao cacique do PTB, o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB). O presidente fez uma transmissão em suas redes sociais na qual aparecia, no Palácio da Alvorada, assistindo a um vídeo ao vivo de Jefferson. No trecho divulgado, o petebista acusava Rodrigo Maia de tramar um "golpe parlamentarista" contra o presidente da República.

O chefe de um dos partidos envolvidos nas negociações diz que não há qualquer contradição nas ações de Bolsonaro. O presidente está "cortando a intermediação" feita por Rodrigo Maia entre o governo e os deputados do centrão.

"Em relação aos demais partidos do 'centrão', o que está havendo é que o Rodrigo Maia está deixando de ser um intermediário. Ele era intermediário. Agora não é mais. Aí acho que a relação (entre o governo e os deputados) tende a melhorar", diz o líder partidário.

"Está meio que havendo uma cisão. Agora vamos ter o Centrão 1 (ligado a Maia) e o Centrão 2 (dos demais partidos), por assim dizer", diz ele à BBC News Brasil, sob condição de anonimato.

No jargão da política, o termo "centrão" é uma designação pejorativa usada para referir-se a partidos conservadores sem orientação ideológica clara, que costumam buscar proximidade com o Executivo em troca de cargos e outras benesses. Partidos como PP, PL, PSD, PTB, Republicanos, PSC, Pros, Solidariedade, PEN, PTN e PHS, entre outros, costumam ser enumerados entre os integrantes do grupo, embora os dirigentes dessas legendas geralmente rejeitem a alcunha.

Política não parou em meio à pandemia

Na quarta-feira (22), Bolsonaro recebeu o presidente nacional do MDB, o deputado federal Baleia Rossi (SP), e o líder do partido no Senado, Eduardo Braga (AM). Nesta quinta (23), Bolsonaro deverá se encontrar com o presidente nacional do Democratas, o prefeito de Salvador (BA), ACM Neto.

No caso de MDB e DEM, políticos ligados às duas legendas negam que cargos estejam sendo negociados.

"O MDB não tem nenhuma intenção de indicar qualquer cargo no governo. Acho que este tema não deve nem circular neste momento, porque estamos no meio de uma pandemia, uma situação na qual a população está sofrendo. Portanto o MDB não pede, não reivindica e não ocupará qualquer cargo", disse Baleia Rossi a jornalistas, depois da reunião com Bolsonaro.

O líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB), disse que o objetivo do partido é reconstruir a relação com Bolsonaro, mas que isso não envolve cargos.

"Na nossa visão, o foco tem que ser na rota de saída da crise, da pandemia. Temos uma crise econômica instalada, uma crise de saúde. E se vier uma nova crise política, ela vai ser ruim para todo mundo. Ruim para o Planalto, ruim para o Congresso, ruim para o Supremo. Vamos tentar afastar as diferenças e construir uma agenda mínima consensual", disse ele à BBC News Brasil.

Na semana passada, Bolsonaro já havia recebido representantes de outros partidos de centro-direita. Na sexta-feira (17), conversou com líderes do Republicanos (antigo PRB), o deputado Jhonatan de Jesus (RR); do PL (antigo PR), o deputado Wellington Roberto (PB); e do PP, deputado Arthur Lira (AL) — o alagoano voltou a marcar presença na agenda presidencial na segunda-feira (20). Outra presença constante na agenda de Bolsonaro é o deputado Fábio Faria (PSD-RN); ele é próximo dos filhos do presidente.

Antes ainda, na quarta-feira (15), Bolsonaro recebeu o presidente nacional do PSD, o ex-ministro Gilberto Kassab, junto com alguns deputados da legenda.

Derrotas em série

A nova tentativa do governo de compor uma base no Congresso vem depois de uma série de derrotas. E, o que é pior, do ponto de vista palaciano, é que várias delas tiveram impacto orçamentário.

Em meados de março, por exemplo, os congressistas derrubaram um veto de Jair Bolsonaro e ampliaram o acesso das pessoas carentes ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), espetando uma conta de cerca de R$ 20 bilhões ao ano na União.

Mais recentemente, o Congresso deixou caducar diversas medidas provisórias apresentadas por Bolsonaro. Este tipo de medida entra em vigor imediatamente depois de editada pelo governo, mas precisa ser aprovada pelo Legislativo em até 180 dias. Depois deste prazo, elas perdem a validade.

Na última segunda-feira (13), a Câmara impôs ao governo uma dura derrota na votação do "Plano Mansueto", de ajuda a Estados e municípios. Contra a orientação do governo, os deputados aprovaram a proposta, com custo de R$ 89,6 bilhões, por 431 votos a 70.

"O Plano Mansueto foi um alerta muito grande. O governo entendeu que, pós-pandemia, a situação vai ser muito difícil. Durante a pandemia já está difícil. E não pode deixar que o (aumento do) gasto público inviabilize o governo e o Brasil pelos próximos anos", diz um assessor palaciano cujo trabalho é acompanhar as votações no Congresso.

"A gente tinha uma segurança na pauta econômica. Em geral, as iniciativas que importavam em aumento do gasto público eram controladas pelo Rodrigo Maia e pelo próprio centrão. O governo tinha tranquilidade. Mas agora o Maia e o centrão estão aumentando gastos. Isso acendeu o sinal de alerta", diz ele à BBC News Brasil, sob anonimato.

A disputa pela presidência da Câmara

A aproximação de Bolsonaro com os partidos do Centrão também mira em outro objetivo, este mais de longo prazo: a disputa pelo comando das duas casas do Legislativo — principalmente da Câmara dos Deputados —, no começo do ano que vem.

Pelas regras atuais, Rodrigo Maia (DEM-RJ) não poderia concorrer a mais um mandato de dois anos à frente da Câmara, que ele comanda desde 2016. Embora o fluminense não costume tratar deste assunto, políticos do entorno de Bolsonaro acreditam que ele tentará estender seu mandato, ou colocar um aliado no posto — desfecho que os governistas não desejam.

Entre congressistas, circulam como possíveis sucessores de Maia os nomes dos deputados Arthur Lira (PP-AL) e Marcos Pereira (Republicanos-SP). O primeiro contaria com o apoio informal do Palácio do Planalto, enquanto o segundo é o atual vice-presidente da Casa.

Nos últimos dias, circulou entre congressistas um vídeo gravado num celular, no qual Arthur Lira aparece ao lado de Bolsonaro.

Na gravação, o presidente manda um abraço a familiares de Lira. "Estou aqui ao lado do maridão, do pai. Um grande abraço a vocês dois. Tamo junto, valeu", diz ele. "São grandes fãs e toda hora me pediam isso", diz Lira em seguida.

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