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Política

Bento Albuquerque diz à PF que joias eram da União e diverge de versão dada por Bolsonaro

Ex-ministro de Minas e Energia disse à Polícia Federal que joias seriam presentes a serem incorporados como bens do Estado brasileiro, enquanto defesa de Bolsonaro sustentou que itens teriam de ir para as mãos do presidente

14 mar 2023 - 11h50
(atualizado às 18h27)
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BRASÍLIA - O ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, depôs nesta terça-feira, 14, à Polícia Federal. No depoimento feito por meio de videoconferência, Albuquerque sustentou a tese de que desconhecia o conteúdo dos pacotes e que estes seriam para a União. As afirmações vão em rota contrária ao que foi dito pela própria defesa de Bolsonaro e seu filho, Flávio Bolsonaro, que disseram ver as joias como "bens personalíssimos" que deveriam ficar no acervo pessoal do ex-presidente.

Para além das divergências que envolvem o caso, a explicação dada pelo ex-ministro e almirante de esquadra da Marinha também contrasta com aquilo que ele declarou aos fiscais da Receita, em 26 de outubro de 2021, quando o conjunto de joias foi apreendido em Guarulhos, e com o que o próprio Albuquerque disse no dia 13 de março, quando o escândalo veio à tona, revelado pelo Estadão.

Bento Albuquerque, ex-ministro de Minas e Energia de Bolsonaro, já deu diferentes versões para justificar as ilegalidades que envolvem o escândalo das joias
Bento Albuquerque, ex-ministro de Minas e Energia de Bolsonaro, já deu diferentes versões para justificar as ilegalidades que envolvem o escândalo das joias
Foto: Dida Sampaio / Estadão / Estadão

Conforme relatou Bento Albuquerque, o conjunto de diamantes de R$ 16,5 milhões e que foi apreendido era para a então primeira-dama Michelle. "Isso era um presente. Como era uma joia, a joia não era para o presidente Bolsonaro, né... deveria ser para a primeira-dama Michelle Bolsonaro. E o relógio e essas coisas, que nós vimos depois, deveria ser para o presidente, como dois embrulhos", disse o ex-ministro.

Albuquerque também deixou claro que este segundo pacote com relógio, estimado em ao menos R$ 400 mil, era para Bolsonaro. Naquele dia da apreensão, Bento retornou até a área da alfândega para liberar as joias. Sua tentativa não se limitou a um ato institucional. Como revelou o Estadão, já naquele momento a diretoria da Receita Federal foi acionada, um ato completamente irregular, para que interviesse nas ações dos auditores e liberasse as joias. Os fiscais, no entanto, deram andamento à apreensão.

Bento admitiu que entrou com o segundo pacote sem declarar e que só o abriu em Brasília, quando pegou um voo de conexão. "Quando chegamos em Brasília, abrimos o outro pacote, tinha relógio... era uma caixa... tinham mais coisas", afirmou ao Estadão.

Na semana passada, ao se manifestar sobre os presentes, o advogado do ex-presidente Bolsonaro, Frederick Wassef, declarou que Bolsonaro, "agindo dentro da lei, declarou oficialmente, os bens de caráter personalíssimo recebidos em viagens, não existindo qualquer irregularidade em suas condutas". Flávio Bolsonaro também saiu da defesa do pai e disse que as caixas de joias eram "personalíssimas, independentemente do valor".

O ex-ministro ficou cargo até maio de 2022. Em seu lugar no MME, assumiu Adolfo Sacshida. Seria durante a gestão de Sacshida que o segundo pacote que entrou irregularmente no País seria despachado para o Palácio da Alvorada, em novembro do passado, já após as eleições. O recebido indicando que Bolsonaro recebeu as joias de diamantes foi assinado pelo funcionário Rodrigo Carlos do Santos às 15 horas e 50 minutos do dia 29 de novembro de 2021. O documento traz um item no qual questiona se o item foi visualizado por Bolsonaro. A resposta: "sim".

A Receita Federal intimou o ex-ministro para explicar a entrada no País de um segundo pacote de joias masculinas sem declaração à alfândega brasileira. Bens acima US$ 1.000 precisam ser declarados aos auditores da Receita.

Além de tomar o depoimento de Bento Albuquerque, a PF vai colher explicações junto ao assessor Marcos André Soeiro, que estava na comitiva que voltava da Arábia Saudita e que transportava a bagagem que foi inspecionada pelos auditores da Receita Federal, no aeroporto de Guarulhos.

Como tem revelado o Estadão em uma série de reportagens, Bolsonaro atuou diretamente no caso, não apenas para receber o pacote de presentes que entrou no País, como para tentar reaver, de todas as formas possíveis, o segundo pacote de joias que ficou retido na Receita. Suas ações diretas estão fartamente documentadas por meio de ofícios, ligações telefônicas, agendamento de voo da Força Aérea Brasil, pedidos formais para retirar as joias, acesso a ministérios e à chefia da própria Receita, com pressão direta sobre os funcionários do órgão.

Bolsonaro também já mudou de versão sobre o assunto. Primeiro, atacou a imprensa e disse que não tinha nenhum conhecimento sobre as joias. A mesma postura foi adotada por Michelle Bolsonaro. Uma semana depois, com a profusão de provas sobre o assunto, reconheceu que recebeu um pacote e decidiu entregá-lo.

A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro embarcou na manhã desta terça-feira, 14, em Brasília, rumo a Orlando, nos Estados Unidos, para encontrar Jair Bolsonaro. Nos bastidores do PL, partido do casal Bolsonaro, a informação é a de que o escândalo das joias pautará o encontro. Michelle tem uma agenda prevista para o dia 21 de março no Brasil, para o lançamento dela como presidente do PL Mulher.

A Receita Federal também desmentiu a versão apresentada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados de que as joias enviadas pelo regime da Arábia Saudita ao Brasil seriam para o patrimônio público da Presidência. O órgão afirmou que, mesmo após orientações e esclarecimentos prestados pelos servidores do Fisco de que o bem poderia ser regularizado caso essa fosse a justificativa, "isso não aconteceu no caso em análise".

Por meio de nota, a Receita afirmou que a incorporação ao patrimônio da União exige pedido de autoridade competente, com justificativa da necessidade e adequação da medida, como, por exemplo a destinação de joias de valor cultural e histórico relevante, que possam ser enviadas para um museu.

"Não cabe incorporação de bem por interesse pessoal de quem quer que seja, apenas em caso de efetivo interesse público", informou a instituição, explicitando novamente que o governo não apresentou pedido para que as joias fossem tratadas como bem da União.

O caso deflagrou uma série de medidas e hoje é investigado hoje pela PF, Ministério Público Federal e Controladoria-Geral da União, além da Comissão de Ética da Presidência da República. O Tribunal de Contas da União também interveio e vai ficar com a guarda do segundo pacote que entrou no País enquanto se investiga o caso. No Congresso, há coleta de assinaturas na Câmara para instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. No Senado, o escândalo será investigado pela Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC).

Estadão
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