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Política

Bolsonaro mentiu mais de quatro vezes por dia durante governo

29 dez 2022 - 12h34
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Apesar de repetir por diversas vezes a frase contida no versículo bíblico João 8:32 — "conhecereis a verdade e ela vos libertará" — o presidente Jair Bolsonaro (PL) fez da desinformação uma arma para manter a sua base mobilizada nesses quatro anos de mandato. A estratégia fica evidente ao analisar os números da plataforma exclusiva em que, desde 2019, Aos Fatos reúne todas as declarações enganosas do mandatário.

Bolsonaro se despede do Palácio do Planalto no domingo (1) com 6.676 declarações falsas ou distorcidas, uma média de 4,58 por dia. Por meio das mentiras proferidas, é possível traçar um panorama do que foi o governo Bolsonaro.

Bolsonaro segura uma caixa de cloroquina
Bolsonaro segura uma caixa de cloroquina
Foto: Aos Fatos

Tratamento precoce. Bolsonaro segura uma caixa de cloroquina (Instagram/Reprodução)

Negacionismo prevalece

Com uma gestão marcada pelo negacionismo diante da pandemia de Covid-19, as mentiras sobre o novo coronavírus ocuparam mais de um terço das frases checadas como enganosas: foram 2.511, o equivalente a 37,61% das declarações falsas ou distorcidas verificadas. Abaixo disso, estão temas como economia (1.212) e meio ambiente (354).

A partir de março de 2020, Bolsonaro apostou na desinformação para se eximir da culpa sobre os efeitos da pandemia, que tratou inicialmente como uma "gripezinha". Em pouco mais de dois anos, o presidente enganou a população ao subestimar a gravidade da doença, defender medicamentos sem eficácia, negar os benefícios das medidas de distanciamento social e duvidar da vacinação. Foram 2.511 declarações falsas ou distorcidas sobre o tema.

As mentiras, que começaram ainda antes de o primeiro infectado com o novo coronavírus ser identificado no Brasil, foram mudando de cara de acordo com a situação do surto no país. Se, de início, a aposta foi desinformar sobre eficácia de medicamentos como a hidroxicloroquina e defender a imunidade de rebanho, o objetivo mais tarde se tornou inflar o avanço da vacinação do país e pregar que as medidas de isolamento não eram eficazes para combater a doença.

Principais termos desinformativos sobre Covid-19

Mentiras repetidas

Para incutir a desinformação entre seus apoiadores, o presidente apostou na repetição de argumentos enganosos: das 6.676 declarações verificadas pelo Aos Fatos, 4.690, ou 70,2%, foram repetidas ao menos uma vez.

O argumento mais repetido, checado como falso em 249 ocasiões, foi o de que não havia qualquer escândalo de corrupção no governo. Usado para sustentar uma bandeira que ajudou Bolsonaro a se eleger em 2018, a alegação é desmentida por uma série de delitos contra a administração pública praticados por ministros e ex-ministros, que estão sendo investigados pela Justiça.

As outras duas declarações mais repetidas pelo presidente dizem respeito à Covid-19. Em 139 ocasiões, Bolsonaro mentiu ao dizer que havia sido impedido pelo STF (Supremo Tribunal Federal) de gerir as medidas de restrição usadas para conter a pandemia. Em outras 115 situações, o presidente disse que o governo sempre se preocupou igualmente com os aspectos econômicos e sanitários do surto do novo coronavírus, o que também é falso.

Longe do real

O segundo tema sobre o qual Bolsonaro mais mentiu ao longo do seu mandato foi economia: Em quatro anos, foram ao menos 1.212 declarações falsas ou distorcidas sobre o assunto, quase metade delas (627) no ano eleitoral.

Principais termos desinformativos sobre economia

A geração de empregos foi o principal alvo: Bolsonaro mentiu, por exemplo, ao afirmar que não foram perdidas vagas formais no primeiro ano de pandemia, bem como subestimou dados de gestões petistas — e inflou os seus — para criticar seus opositores.

A fala mais repetida, no entanto, se refere a outro tema caro ao presidente: o resultado das estatais. Em 76 ocasiões — todas elas em 2022 — Bolsonaro exagerou o valor do endividamento da Petrobras durante os governos do PT. No período eleitoral, o presidente também tomou para si a autoria do Pix, sistema que começou a ser pensado pelo BC (Banco Central) na gestão de Michel Temer (MDB). Vale lembrar que, em outubro de 2020, o presidente dizia desconhecer a tecnologia de pagamentos instantâneos.

Presidente em encontro com indígenas em Boa Vista em 2021
Presidente em encontro com indígenas em Boa Vista em 2021
Foto: Aos Fatos

Povos originários. Presidente em encontro com indígenas em Boa Vista em 2021 (Isac Nóbrega/PR)

Queimando a verdade

Motivo de grandes desavenças diplomáticas, a crise ambiental que se instalou no governo Bolsonaro com o aumento desenfreado do desmatamento e das queimadas na Amazônia foi combatida pelo presidente em três vertentes: negar o problema, eximir o governo da responsabilidade e criticar outros países.

Para isso, repetiu à exaustão a mentira de que, por ser uma floresta úmida, a Amazônia não poderia pegar fogo nem mesmo por ação humana. Também questionou os critérios do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) ao dizer que os satélites registravam até fogueiras de São João como incêndios.

Principais termos desinformativos sobre meio ambiente

Uma confusão com o tamanho da Amazônia em relação à Europa Ocidental — na realidade, a floresta é maior, não equivalente em extensão — foi repetida ao menos 18 vezes pelo presidente, normalmente com o argumento da dificuldade de vigiar o local. Outras alegações enganosas mais graves, porém, prevaleceram: Bolsonaro tentou proteger latifundiários — reconhecidamente os maiores destruidores do bioma — ao mentir que a culpa dos incêndios seria, em grande parte, de indígenas e pequenos produtores.

Também sobrou para outros países: Bolsonaro repetiu de forma reiterada que os outros países criticaram a política ambiental do Brasil por motivos econômicos. A prova de que estariam mentindo era simples: enquanto o país ocupava o topo do ranking de nações que preservam o meio ambiente, os europeus não tinham nem mesmo mata ciliar. Nada disso é verdade.

Ataques às urnas

Quarto tema mais comum no discurso presidencial, com 349 declarações falsas ou distorcidas checadas, a desinformação sobre o sistema de votação eletrônico brasileiro foi responsável por gerar uma crise institucional que explodiu em 2021 e ainda gera efeitos com as manifestações golpistas que rejeitam a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no pleito presidencial.

Principais termos da desinformação sobre eleições

Usadas durante a campanha de 2018, mas pouco citadas em 2019, as mentiras sobre o sistema eleitoral brasileiro voltaram durante o pleito municipal de 2020, quando Bolsonaro passou a dizer que as urnas não seriam auditáveis. Esse argumento foi repetido à exaustão a partir de 2021, em especial após o STF decidir que Lula, até então inelegível, poderia disputar as eleições presidenciais.

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A partir daí, o presidente fez reiterados ataques ao sistema eleitoral, em especial para defender o projeto de impressão do voto eletrônico, que foi rejeitado pelo plenário da Câmara. Os ataques culminaram em um discurso golpista no 7 de Setembro e arrefeceram após um acordo com as instituições.

Em menor volume, Bolsonaro persistiu na disseminação de mentiras em 2022, afirmando que as urnas em 2018 teriam autocompletado votos para Fernando Haddad (PT), que houve fraude no pleito de 2014 que elegeu Dilma Rousseff (PT) e que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), mancomunado com Lula, contaria os votos em uma sala secreta.

Bolsonaro em entrevista ao apresentador Sikêra Júnior em abril de 2021
Bolsonaro em entrevista ao apresentador Sikêra Júnior em abril de 2021
Foto: Aos Fatos

Entrevista. Bolsonaro em entrevista ao apresentador Sikêra Júnior em abril de 2021 (Alan Santos/PR)

Mais mentiras em entrevistas

Apesar dos ataques reiterados à imprensa nos últimos quatro anos, as entrevistas foram o principal meio em que Bolsonaro catapultou suas mentiras: foram dadas ao menos 2.119 declarações falsas ou distorcidas nessas ocasiões. Para evitar críticas, no entanto, o presidente adotou uma estratégia simples: falar principalmente para veículos simpáticos ao governo.

Além de participar repetidas vezes de programas com orientação bolsonarista — como Pingos nos Is, da Jovem Pan, e Alerta Nacional, da RedeTV! —, Bolsonaro passou a aceitar, a partir de 2021, convites de rádios regionais com pauta alinhada à do governo.

A estratégia mudou em 2022, quando o presidente passou a se concentrar em podcasts de grande audiência, como o Flow. Em entrevistas que chegavam a durar mais de cinco horas, Bolsonaro desinformou sobre diversos temas, em geral sem sofrer contestação. Durante o Flow, a produção chegou a exibir o alerta "lembre-se de pesquisar sobre tudo o que for dito nesse programa"

Durante entrevista de Bolsonaro ao Flow, produção exibiu aviso que pedia que o público pesquisasse sobre o que estava sendo dito
Durante entrevista de Bolsonaro ao Flow, produção exibiu aviso que pedia que o público pesquisasse sobre o que estava sendo dito
Foto: Aos Fatos

Alerta. Durante entrevista de Bolsonaro ao Flow, produção exibiu aviso que pedia que o público pesquisasse sobre o que estava sendo dito (Reprodução/YouTube)

Outro veículo de desinformação importante foram as transmissões ao vivo nas redes sociais, que normalmente o presidente fazia às quintas-feiras. Aos Fatos apurou 1.603 declarações falsas ou distorcidas de Bolsonaro, que falava sozinho ou na companhia de ministros, mas jamais era interrompido nas suas mentiras.

Em terceiro lugar aparecem os discursos oficiais, proferidos em solenidades de inauguração de obras, eventos promovidos pela iniciativa privada ou encontros com entidades. Nessas ocasiões, o presidente proferiu 1.466 alegações falsas ou distorcidas.

Referências:

1. Estado de Minas

2. Aos Fatos (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26 e 27)

3. BBC Brasil

4. UOL

5. YouTube (UOL)

6. Folha de S.Paulo

7. Ipam

8. Correio Braziliense (1 e 2)

9. G1

10. Poder 360

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