Bolsonaro na Embaixada da Hungria após perder passaporte pode levar a um pedido de prisão?
Especialistas em Direito Penal defendem investigação para verificar se ex-presidente buscou refúgio para evitar ser enquadrado pelo STF e só neste caso veem margem para imposição de tornozeleira eletrônica e até prisão preventiva; defesa diz que visita se deu para atualizar o 'cenário político' entre os dois países
A descoberta de que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) passou pelo menos duas noites na Embaixada da Hungria no Brasil, entre 12 e 14 de fevereiro, após ter sido obrigado a entregar o passaporte à Justiça brasileira, abre um novo capítulo no inquérito do golpe.
Especialistas em Direito Penal ouvidos pelo Estadão avaliam que o fato revelado pelo jornal americano The New York Times precisa ser investigado para que os motivos da visita sejam esclarecidos. Segundo eles, visitar uma embaixada não configura crime ou seria, por si só, suficiente para adoção de alguma medida. Se a apuração já aberta pela Polícia Federal por ventura indicar que o objetivo era frustrar a aplicação da lei penal, com um pedido de asilo, por exemplo, aí sim, segundo criminalistas e professores, estaria aberta uma margem para que o Bolsonaro fosse colocado em regime de monitoramento eletrônico, ou fosse até preso preventivamente.
Os especialistas ouvidos pela reportagem concordam que, se ficar comprovado que o ex-presidente tentou articular alguma saída diplomática para se esquivar do STF, ele pode ser preso preventivamente.
"Pode, em tese, ser entendido como um movimento concreto de se furtar da aplicação da lei penal, o que poderia fundamentar uma preventiva", detalha Davi Tangerino, professor de Direito Penal na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). "Mas, pessoalmente, acharia exagerado. Acho que tornozeleira se justificaria."
O criminalista lembra que, em 2021, ao tomar conhecimento de pedidos de asilo feitos pelo então deputado Daniel Silveira, o Supremo Tribunal Federal decidiu mantê-lo preso preventivamente por considerar que havia risco de fuga.
Ex-delegada da Polícia Civil e doutoranda pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Erika Chioca Furlan conta que a retenção do passaporte busca justamente impedir que investigados fujam da jurisdição brasileira. Assim, a ida a uma embaixada pode, segundo a professora, ser uma forma de burlar essa medida cautelar.
"No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, mediante requerimento do MP, poderá substituir a medida ou, em último caso, decretar a prisão preventiva", afirma Erika.
Mestre em Direito pela USP, o criminalista Bruno Salles concorda com a avaliação de seus colegas. Segundo ele, a ação de Bolsonaro pode ser interpretada pelo Judiciário como uma tentativa de obstruir a aplicação da lei penal e levar, até mesmo, a um pedido de prisão preventiva do ex-presidente.