Bolsonaro reclama de perseguição, nega tentativa de golpe e pede anistia aos presos de 8 de janeiro
Ex-presidente reuniu apoiadores em manifestação na Avenida Paulista, em São Paulo, e não citou STF em discurso
Jair Bolsonaro (PL) adotou um tom comedido durante o seu discurso em manifestação para apoiadores na tarde deste domingo, 25, na Avenida Paulista, em São Paulo. O ex-presidente não citou o STF (Superior Tribunal Federal) durante a sua fala em meio às investigações sobre uma suposta trama golpista.
Durante o discurso, Bolsonaro afirmou que é alvo de perseguição e negou que participou de uma tentativa de Golpe de Estado. "Levo pancada desde antes das eleições de 2018. Passei anos sendo perseguido enquanto presidente, e a perseguição aumentou de força quando deixei a presidência. Sai do Brasil e essa perseguição não terminou: é joia, é importunação de baleia, é dinheiro que eu teria mandado para fora do Brasil. É tanta coisa, que eles mesmo acabam trabalhando contra si".
Sem entrar em detalhes, Bolsonaro mencionou a operação Tempus Veratis, da Polícia Federal, que investiga suposta organização criminosa que atuou na tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito. "A última agora é que o Bolsonaro queria dar um golpe. O que é golpe? É tanque na rua, arma, conspiração, trazer classe polícia pro seu lado, isso que é golpe, nada disso feito no Brasil", afirmou. "Agora falam que é golpe porque tem uma minuta de decreto de Estado de Defesa. Golpe usando a Constituição? Tenham a santa paciência".
O ex-presidente, então, falou sobre como funcionaria o decreto. "Deixando claro aqui: o Estado de sítio começa com o presidente da República convocando conselhos da República e da Defesa, isso não foi feito. Apesar de não ser golpe, o Estado de sítio não foi convocado", explicou. "O segundo passo após ouvir os conselhos é mandar a proposta para o Parlamento, que é quem decide se o presidente pode ou não editar o decreto de Estado de sítio, ou seja, querem 'entubar' a todos nós que o golpe usando dispositivos da Constituição, cuja palavra final é o parlamento brasileiro, estava em gestação. Creio que estar explicado essa questão", concluiu.
Anistia, eleições e Lula
Bolsonaro ainda pediu anistia aos presos pelos atos golpistas de 8 de janeiro e citou as eleições municipais deste ano. "Eu teria muito a falar, tem gente que sabe o que eu falaria, mas o que eu busco é a pacificação. Passar uma borracha no passado, buscar uma maneira de vivermos em paz, e não continuarmos sobressaltados", iniciou, e pediu em mensagem ao Parlamento: "Uma anistia aos pobres coitados presos em Brasília, não queremos mais que seus filhos sejam órfãos de pais vivos. Nós já anistiamos no passado quem fez barbaridades no Brasil, agora pedimos a todos deputados e senadores um projeto de anistia para que seja feita a Justiça do Brasil. Quem, por ventura, depredou patrocínio - e isso nós não concordamos-, que pague por isso, mas essas penas fogem ao mínimo da razoabilidade".
"Agora, temos eleições municipais, vamos caprichar no voto, em especial para vereadores, para prefeitos, e nos preparemos para 2026", acrescentou, falando a respeito da próxima eleição presidencial, da qual não poderá participar por estar inelegível após decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). "Não podemos concordar que um Poder tire do palco político quem quer seja, a não ser por um motivo extremamente justo, não podemos ganhar eleições afastamos opositores do cenário político", finalizou.
Bolsonaro não citou o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) diretamente, disse apenas que outubro de 2022 -- data das eleições presidenciais -- é uma "página virada da nossa história", e recebeu aplausos.
O ex-presidente resumiu o ato deste domingo como uma "fotografia para mostrar ao Brasil e ao mundo", e deu indiretas para o atual presidente da República. "Podemos até ver um time de futebol sem torcida ser campeã, mas não conseguimos entender como existe um presidente sem povo ao seu lado (...) Sabemos o que foi o período de 19 a 22 [durante o seu governo], e estamos conhecendo agora como está difícil vencer nesse País com o que nós temos a nos governar nesse momento", pontuou, se referindo à Lula, mesmo sem citá-lo nominalmente.
Investigação da PF
Em 8 de fevereiro, a PF deflagrou a operação Tempus Veratis, que mira aliados militares ou políticos do ex-presidente Jair Bolsonaro. Entre os alvos, estão o ex-ministro da Defesa e da Casa Civil Braga Netto, o ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional Augusto Heleno e o ex-ministro da Justiça Anderson Torres. Mandados de prisão também foram cumpridos contra Filipe Martins, ex-assessor especial de Bolsonaro; Marcelo Câmara, coronel do Exército citado em investigações como a dos presentes oficiais vendidos pela gestão Bolsonaro e a das supostas fraudes nos cartões de vacina da família do ex-presidente; Rafael Martins, major das Forças Especiais do Exército; e Bernardo Romão Corrêa Netto, coronel do Exército.
O grupo teria atuado em o que a PF classificou como seis núcleos para operacionalizar medidas para desacreditar o processo eleitoral, planejar a execução de um golpe de Estado e agir de forma antidemocrática, para a permanência do grupo no poder.
A operação investiga organização criminosa que atuou na tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito, para obter vantagem de natureza política com a manutenção do então presidente da República no poder.
"Nesta fase, as apurações apontam que o grupo investigado se dividiu em núcleos de atuação para disseminar a ocorrência de fraude nas Eleições Presidenciais de 2022, antes mesmo da realização do pleito, de modo a viabilizar e legitimar uma intervenção militar, em dinâmica de milícia digital", explica a PF.
"O primeiro eixo consistiu na construção e propagação da versão de fraude nas Eleições de 2022, por meio da disseminação falaciosa de vulnerabilidades do sistema eletrônico de votação, discurso reiterado pelos investigados desde 2019 e que persistiu mesmo após os resultados do segundo turno do pleito em 2022", diz a corporação.
"O segundo eixo de atuação consistiu na prática de atos para subsidiar a abolição do Estado Democrático de Direito, através de um golpe de Estado, com apoio de militares com conhecimentos e táticas de forças especiais no ambiente politicamente sensível", acrescenta.
Segundo apuração do Terra, a operação é fruto da delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e de outras investigações sequenciais. Em documento obtido pela reportagem, Cid mencionou Filipe Martins, ex-assessor da presidência, e Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, juntamente com outros militares, em sua delação à PF.
São cinco crimes principais que movem a investigação, segundo documentos da PF:
• Ataques virtuais a opositores;
• Ataques às instituições (STF, TSE), ao sistema eletrônico de votação e à higidez do processo eleitoral;
• Tentativa de golpe de estado e de abolição violenta do estado democrático de direito;
• Ataques às vacinas contra a Covid-19 e às medidas sanitárias na pandemia e;
• Uso da estrutura do Estado para obtenção de vantagens como: o uso de suprimentos de fundos (cartões corporativos) para pagamento de despesas pessoais; a inserção de dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde para falsificação de cartões de vacina; e o desvio de bens de alto valor patrimonial entregues por autoridades estrangeiras ao ex-Presidente da República, Jair Bolsonaro, ou agentes públicos a seu serviço, e posterior ocultação com o fim de enriquecimento ilícito.
Em reunião ministerial realizada em 5 de julho de 2022, o então presidente Jair Bolsonaro pediu para que seus ministros "reagissem" diante da possível derrota na tentativa de reeleição. Bolsonaro pediu que seus auxiliares atuassem para questionar as eleições antes mesmo da disputa, pois mostrava certeza na vitória de Luiz Inácio Lula da Silva.
A gravação do encontro estava no computador apreendido de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e, segundo a Polícia Federal (PF), revela o "arranjo de dinâmica golpista". O vídeo de mais de uma hora foi obtido pelo jornal O Globo.
"Nós sabemos que, se a gente reagir depois das eleições, vai ter um caos no Brasil, vai virar uma grande guerrilha, uma fogueira no Brasil. Agora, alguém tem dúvida que a esquerda, como está indo, vai ganhar as eleições? Não adianta eu ter 80% dos votos. Eles vão ganhar as eleições", disse Bolsonaro na ocasião.
Em outro momento, o então presidente afirma que todos os presentes no encontro têm algo a perder e diz que eles precisam "fazer alguma coisa" antes das eleições
"Todos aqui têm uma inteligência bem acima da média. Todos aqui, como todo povo ali fora, têm algo a perder. Nós não podemos, pessoal, deixar chegar as eleições e acontecer o que está pintado, está pintado", disse.
De acordo com Bolsonaro, os recursos retóricos, como o discurso pelo voto impresso, já estavam esvaziados e outro tipo de ação deveria ser empreendida. "Eu parei de falar em voto imp... e eleições há umas três semanas. Vocês estão vendo agora que... eu acho que chegaram à conclusão... A gente vai ter que fazer alguma coisa antes", afirma.
Estavam na reunião Anderson Torres (ex-Justiça), general Augusto Heleno (ex-Gabinete de Segurança Institucional), Paulo Sérgio Nogueira (ex-Defesa), Mário Fernandes (ex-chefe-substituto da Secretaria-Geral da Presidência da República) e Walter Braga Netto (ex-Casa Civil). Todos são alvos da Operação Tempus Veritatis, deflagrada na quinta-feira, 8, e investigados por tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito.
Em outro trecho da gravação, Bolsonaro diz que a liberdade está em jogo e reforça que é preciso reagir. "Vocês sabem o que está acontecendo. Achando que esses caras estão de brincadeira?", disse Bolsonaro, referindo-se a atores da política nacional que estariam corroborando com uma iminente fraude no sistema eleitoral. "Alguém acredita em Fachin, Barroso e Alexandre de Moraes? Se acreditar, levanta o braço? Acredita que são pessoas isentas?", questionou. Todos os presentes no encontro permaneceram em silêncio.
Além de exigir ação imediata dos presentes no encontro, Bolsonaro afirmou que, a partir daquele momento, passaria a exigir dos ministros que concordassem com as suas alegações a respeito das urnas eletrônicas. Quem discordasse dele estaria "no lugar errado".