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Política

Bolsonaro sabe jogar com a religião, diz pastora de oposição

Romi Bencke é uma das articuladoras de um pedido de impeachment contra Bolsonaro

29 jan 2021 - 17h41
(atualizado às 18h22)
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O 62º pedido de impeachment protocolado na Câmara dos Deputados contra o presidente Jair Bolsonaro tem uma peculiaridade: seus signatários são líderes religiosos. Apresentado na terça-feira (26/01), o documento tem 380 signatários, entre padres católicos e pastores de outras igrejas, além de líderes de 17 movimentos cristãos.

Bolsonaro e sua esposa Michelle durante um culto no Rio de Janeiro
Bolsonaro e sua esposa Michelle durante um culto no Rio de Janeiro
Foto: DW / Deutsche Welle

Uma das articuladoras do pedido é a pastora luterana Romi Bencke, secretária-geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic). Ela observa que já são vários os movimentos evangélicos contrários a Bolsonaro "justamente por causa desta desconfiguração da essência da mensagem cristã" e acredita que "muitas lideranças [ligadas a igrejas] estão acordando".

No pedido de impeachment, os religiosos elencam os diversos crimes de responsabilidade atribuídos ao presidente, sobretudo os relacionados à condução da crise sanitária decorrente da pandemia do coronavírus, e ressaltam que esses "ceifam vidas inocentes".

Em entrevista à DW Brasil, Bencke afirma que o presidente "nunca representou e nem representa" os anseios cristãos. "Ele é hábil em manipular a fé", ressalta a pastora.

DW Brasil: Como surgiu a ideia desse pedido de impeachment?

Romi Bencke: A principal base de apoio do governo Bolsonaro são cristãos conservadores, evangélicos e católicos. Este apoio que se vale de uma autodenominação contrária às bases da fé cristã, que são compaixão, amorosidade, empatia. Foi por isso que decidimos seguir para encaminhar este pedido de impeachment protagonizado por pessoas vinculadas às diferentes expressões do cristianismo. Nosso silêncio estava incômodo. Não podemos ser coniventes com esta política orientada para a morte.

Como tem sido a repercussão?

A repercussão tem sido bastante positiva. Nos surpreendeu muito a repercussão na imprensa, não esperávamos por isso. Foi uma surpresa. Agora, estamos organizando os próximos passos para que o pedido tenha efetividade e realmente tramite. Só o protocolo não basta.

Vocês têm recebido ataques?

Todos nós que estamos à frente deste processo temos sido atacadas e atacados por pessoas e grupos cristãos das bases apoiadoras do atual governo. Particularmente, tenho monitorado os ataques e denunciado nos mecanismos disponíveis nas próprias redes. Se, eventualmente, surgirem ameaças mais explícitas, teremos que fazer os boletins de ocorrência e seguir os trâmites legais. Por enquanto, tanto eu como meus colegas estamos serenos, porque sabemos que estamos sendo coerentes com nossa fé.

Bolsonaro foi eleito com apoio dos evangélicos e sempre se diz apoiado por cristãos. Como a senhora analisa a oposição a Bolsonaro também por parte das igrejas?

Ele tem uma base de apoio significativa nas igrejas evangélicas. Não está apenas nas igrejas neopentecostais, como muitos acreditam. Está no protestantismo histórico também. O bolsonarismo é uma espécie de cultura política totalitária. Pessoas que sempre foram muito sensatas e com bom nível intelectual defendem as políticas e valores deste governo. Isso surpreende bastante. Bolsonaro sabe jogar muito bem com a religião. Ele é católico, mas se rebatizou, no Rio Jordão, por um pastor evangélico, sem negar, como dizem os evangélicos, o batismo anterior. Bolsonaro é um tipo de híbrido religioso. Particularmente, não subestimo nem sua capacidade política e nem a manipulação religiosa que ele faz. Ele não é um bobo da corte. Tem consciência do que faz.

O bolsonarismo desvirtuou a fé cristã fundamentalista, que muitos associam a uma fé violenta, discriminatória e racista. Como cristã que pratica a fé, não posso aceitar esta desconfiguração do cristianismo, pois a fé em Jesus Cristo não é racista, nem violenta.

Dentro das igrejas evangélicas também cresce o movimento de oposição a Bolsonaro?

Sim, existem vários movimentos evangélicos contrários a Bolsonaro justamente por causa desta desconfiguração da essência da mensagem cristã. Muitas lideranças estão acordando. Por conta do fato de que a base de apoio dele é sempre associada a evangélicos e evangélicas, criou-se o senso comum de que todo evangélico é bolsonarista. Isso não é verdade. Estes movimentos contrários ao atual governo, que estão cada vez maior, procuram recuperar o sentido de ser evangélico, ou seja, respeitar a laicidade do Estado, a relação positiva entre fé e direitos humanos, a racionalidade cientifica, entre outros.

Ao defender pautas conservadoras, Bolsonaro ainda representa os anseios dos cristãos brasileiros?

Nunca representou e nem representa. Como eu já disse, ele é hábil em manipular a fé. Muitos nos perguntam se, como cristãos, estamos arrependidos em ter votado em Bolsonaro. Gostaria de dizer que uma parcela de cristãos, evangélicos e católicos, não votou em Bolsonaro e nunca o apoiou. É importante compreender que o cenário religioso brasileiro é bastante diverso e complexo. Minha esperança é que consigamos sair desse momento melhores, mais humanos e solidários. E que aprendamos uma lição: democracia se faz para todos.

Deutsche Welle A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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