Caso Nikolas Ferreira: entenda reações a discurso de deputado que usou peruca loira na Câmara
Parlamentar é alvo de três notícias-crime no STF; para especialistas, ele pode perder mandato por crime de transfobia
Após discursar na tribuna da Câmara usando uma peruca loira e ironizar mulheres trans, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) se tornou alvo de três notícias-crime no Supremo Tribunal Federal (STF) por transfobia e de um abaixo-assinado a favor de sua cassação com mais de 270 mil adesões. No dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, o parlamentar se apresentou como "deputada Nikole" e criticou "homens que se sentem mulheres". Ele também criticou o feminismo e defendeu que mulheres "retomem sua feminilidade concebendo filhos e casando".
Especialistas ouvidos pelo Estadão afirmam que Nikolas infringiu a Lei 7.716/1989, que dispõe sobre crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Há dois anos, a mesma legislação vale para casos de homofobia e transfobia, após decisão do STF. Segundo o artigo 20 da lei, é crime "praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional". Uma eventual condenação pode resultar em perda de mandato.
Na sexta-feira, 10, Ferreira voltou a defender seu discurso no plenário. "O que eu acho estranho é que qualquer um pode se sentir mulher, menos eu", escreveu no Twitter. Em outra postagem, disse que, se for cassado, levanta "10 mil Nikolas no Brasil inteiro". "Minha vida não acaba com uma cassação", afirmou ele.
Relembre o caso
Nikolas usa tribuna da Câmara e crítica o feminismo
Em sessão especial do Dia Internacional da Mulher, presidida pela deputada Maria do Rosário (PT-RS), Nikolas disse ter decidido usar uma peruca loira para ter "lugar de fala". "Hoje, o Dia Internacional da Mulher, a esquerda disse que eu não poderia falar porque eu não estava no meu local de fala, então eu solucionei esse problema aqui. Hoje, eu me sinto mulher, deputada Nikole", disse.
Durante discurso na tribuna, o parlamentar mineiro afirmou que o feminismo "exalta mulheres que não fizeram nada pelas mulheres". O deputado defendeu que as mulheres tenham outra postura. "Mulheres, retomem a sua feminilidade, tenham filhos, amem a maternidade. Formem a sua família, porque é dessa forma, vocês colocarão luz no mundo e serão, com certeza, mulheres valorosas", afirmou. Nikolas disse que o lugar das mulheres está sendo roubado por homens que se sentem mulheres.
Deputadas repudiam discurso; Lira aponta 'exibicionismo'
Ao final do discurso, Maria do Rosário evitou citar nominalmente Nikolas e pediu aos colegas uma "sessão respeitosa" por causa da data especial para as mulheres. Ao Estadão, a deputada considerou o episódio lamentável: "Os parlamentares têm de ser adultos. Eles precisam saber como se portar na tribuna da Casa", afirmou.
A deputada Tabata Amaral (PSB-SP) disse que entraria com pedido de cassação do deputado pela fala transfóbica. "Estamos falando de um homem, que no Dia Internacional da Mulher, tirou o nosso tempo de fala para trazer uma fala preconceituosa, criminosa, absurda e nojenta. A transfobia ultrapassa a liberdade de discurso que é garantida pela imunidade parlamentar. Transfobia é crime no Brasil", afirmou. Nikolas retrucou: "Não precisa ter mais diálogo. Tudo agora é cassação".
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), repreendeu o parlamentar mineiro. "O plenário da Câmara dos Deputados não é palco para exibicionismo e muito menos discursos preconceituosos. Não admitirei o desrespeito contra ninguém", escreveu Lira em sua rede social.
Valdemar sai em defesa de correligionário
O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, defendeu Nikolas. Em sua estreia no Twitter, o dirigente partidário disse que o parlamentar tem o apoio da Direção Nacional da sigla e representa um segmento da sociedade.
"A liberdade de expressão e suas prerrogativas parlamentares serão defendidas pelo nosso partido sempre que ele estiver exercendo seu mandato, manifestando sua opinião. Conte conosco, Nikolas! O PL estará sempre contigo", escreveu Valdemar.
PSOL protocolou notícia-crime
A bancada do PSOL na Câmara protocolou notícia-crime por transfobia no STF no mesmo dia do discurso. A iniciativa foi liderada por Erika Hilton (SP) ao lado de Duda Salabert (PDT-MG), duas deputadas trans. A notícia-crime afirma que Nikolas Ferreira tentou "humilhar e constranger toda a população transexual" e que as declarações do deputado aumentam o risco de violência contra pessoas trans.
Nikolas Ferreira já responde a um processo por dizer que só chamaria a deputada Duda Salabert de 'ele'. "Ele é homem. É isso o que está na certidão dele, independentemente do que ele acha que é", afirmou em uma entrevista concedida em dezembro de 2020, quando ambos eram vereadores em Belo Horizonte.
Procuradoria pediu apuração de falas preconceituosas
Na quinta-feira, 9, o Ministério Público Federal (MPF) pediu para a Mesa Diretora da Câmara averiguar "suposta violação ética". Em ofício, a procuradora Luciana Loureiro ressalta que Nikolas usou o tempo na tribuna para, "a pretexto de discursar sobre o Dia Internacional da Mulher, referir-se de forma desrespeitosa às mulheres em geral e ofensiva às mulheres trans em especial".
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do MPF, emitiu nota pública manifestando repúdio à fala do deputado. A nota diz que "é repugnante um congressista usar as vestes da imunidade parlamentar para, premeditadamente, cometer crime passível de imputação a qualquer cidadão ou cidadã".
Relatoria de notícias-crime é de André Mendonça
Além da notícia-crime protocolada pelo PSOL, Nikolas também é alvo de uma ação da deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP) e de outra assinada pela Aliança Nacional LGBTI e a Associação Brasileira de Família Homoafetivas (ABRAFH). Os três processos terão o ministro André Mendonça como relator. A primeira petição, do PSOL, foi distribuída por sorteio; e as outras duas foram direcionadas à Mendonça por prevenção. Isso acontece quando mais de um pedido tem algum tipo de conexão.
Mendonça foi indicado à Corte pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que tem relação de proximidade com Nikolas. Após o discurso, o parlamentar mineiro recebeu apoio dos filhos de Bolsonaro. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) afirmou que o discurso foi "excelente" e ainda afirmou que "nem todo mundo fica à vontade de bater foto quando tem um trans no meio e dizer que aquela foto é só de mulheres". O filho 04, Jair Renan, classificou a fala de Nikolas como "incrível".
Deputado protagoniza discussão com ex-BBB
Na sexta-feira, 10, Nikolas protagonizou uma discussão com a ex-BBB Ana Paula Renault durante um voo. O vídeo do embate, gravado por Ana Paula, entrou nos assuntos mais comentados do Twitter. "Você sabe que poderia ter sido preso, né? Pelo crime de transfobia", afirma ela no começo da gravação. Eles trocam acusações e Ferreira a chama de "mentirosa". "Foi minha opinião e eu tenho direito de falar", disse o deputado.
Antes mesmo da discussão, Ana Paula já havia compartilhado nas suas redes sociais um abaixo-assinado pela cassação do deputado. Ela se queixa de que, no avião, a maior parte dos passageiros ficou ao lado de Nikolas Ferreira. "Para ele, isso é uma brincadeira. Desrespeitar mulheres... Para ele, é um projeto", disse Ana Paula ainda no desembarque.