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Política

Caso Pazuello eleva tensão entre 'generais do presidente' e comando do Exército, vê historiador

Apesar da gravidade da decisão de não punir general da ativa após participação em ato político, especialista não vê ineditismo no caso e demonstra maior temor com possível mobilização de polícias militares por Bolsonaro.

5 jun 2021 - 08h08
(atualizado às 08h25)
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Pazuello no ato de apoio a Bolsonaro; Exército decidiu não puni-lo
Pazuello no ato de apoio a Bolsonaro; Exército decidiu não puni-lo
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Tensão, dúvidas e medo são as palavras escolhidas para caracterizar as relações entre militares e o poder político no Brasil recentemente por um dos maiores especialistas no assunto.

Para o historiador e cientista político José Murilo de Carvalho, a decisão do Exército, anunciada na quinta-feira (03/05), de não punir o general da ativa Eduardo Pazuello por participação em ato político ao lado do presidente da República vai fazer crescer uma crise já instalada: o cisma entre o comando das tropas e aqueles que Carvalho classifica como "generais do presidente", em referência aos que ocupam cargos no governo de Jair Bolsonaro (sem partido).

O Regimento Disciplinar do Exército proíbe que militares da ativa participem publicamente de atos de cunho político-partidário.

"Sabe-se que os componentes do alto comando do Exército eram favoráveis a algum tipo de punição. O comandante os teria convencido a não punir. Imagino que com isso tenha perdido autoridade", diz, mencionando o atual comandante do Exército, general Paulo Sérgio.

Autor de obras diversas sobre o tema - entre elas, o clássico Forças Armadas e Política no Brasil -, Carvalho entende que a falta de punição a Pazuello é grave, apesar de não ser inédita.

Como precedente, ele recorda o caso do general Jurandir Mamede. Em 1955, ainda coronel, Mamede se pronunciou politicamente a favor de um golpe militar em discurso durante o funeral de um oficial superior. Ele reagia à eleição de Juscelino Kubitschek para a Presidência e João Goulart como seu vice, semanas antes.

Apesar do desejo de puni-lo ter sido manifestado por comandantes, a decisão acabou não sendo tomada e Mamede se livrou.

A seguir, a entrevista concedida pelo historiador, por e-mail, à BBC News Brasil:

BBC News Brasil - Como o sr. caracterizaria a época recente do Brasil em termos da relação entre a caserna e a política?

José Murilo de Carvalho - Época de tensão, dúvidas e medo.

BBC News Brasil - Como o sr. reagiu ao saber que o general Eduardo Pazuello não receberia qualquer punição por ter participado de um ato político mesmo sendo um militar da ativa?

Carvalho - Desapontamento e receio. O primeiro por ter acreditado na existência de generais de caráter capazes de resistir a pressões descabidas, mesmo que pelo pedido de demissão, como foi o caso do general (Edson) Pujol e de seus colegas da Marinha e da Aeronáutica. O segundo pelas consequências que poderão advir para a manutenção da disciplina no Exército.

BBC News Brasil - O vice-presidente, general da reserva Hamilton Mourão, havia declarado ele próprio que Pazuello deveria ser punido, sob risco de o contrário alimentar uma 'anarquia'. Estamos, então, entrando no território da anarquia entre os militares?

Carvalho - É curioso que o general Mourão tenha sido punido duas vezes por ter feito declarações políticas. Prefiro a posição atual dele, ironicamente adotada depois de se ter feito político.

BBC News Brasil - A decisão de não punir Pazuello vem sendo tratada por analistas ou até por outros militares como um ponto inédito no histórico das Forças Armadas. Há precedente?

Jair Bolsonaro durante lançamento de programa no Palácio do Planalto
Jair Bolsonaro durante lançamento de programa no Palácio do Planalto
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Carvalho - Há o caso do coronel Jurandir Mamede, em 1955. Mas, antes de 1964, e até mesmo alguns anos depois, a indisciplina e a conspiração eram rotina nos quartéis. Uma das medidas dos golpistas de 64 foi punir e expurgar os inimigos e estabelecer um pensamento único nas Forças.

BBC News Brasil - A gestão Bolsonaro é marcada, desde o início, por abrigar militares em cargos diversos. Com essa situação do general Pazuello, com o sr. avalia que deve ficar a relação entre o comando da ativa e os militares que ainda estão no governo?

Carvalho - Já há tensão entre os generais do presidente e os generais da tropa, e ela deverá aumentar. Pelas notícias divulgadas, sabe-se que os componentes do alto comando do Exército eram favoráveis a algum tipo de punição. O comandante os teria convencido a não punir. Imagino que com isso tenha perdido autoridade.

BBC News Brasil - Analistas diversos apontaram que o presidente pode estar tentando criar uma situação de tensão para explorá-la em uma tentativa de levante com vistas à eleição de 2022. O sr. crê que isso seja possível ou viável?

Carvalho - Acho difícil. O perigo maior é que ele consiga mobilizar as polícias militares.

BBC News Brasil - O Brasil de 1964 era um país muito diferente do atual em termos econômicos e nas relações internacionais. Uma suposta "aventura militar" hoje teria consequências distintas?

Carvalho - Em 64, dominava a Guerra Fria. Os golpistas tiveram forte apoio dos Estados Unidos. Hoje, isso não seria possível. No máximo, haveria alguns silêncios. O país se tornaria ainda mais pária.

BBC News Brasil - Desde a redemocratização, os militares têm repetido o discurso da profissionalização para se afastar de questões políticas e recuperar o prestígio. Em qual grau isso fica comprometido após o atual governo?

Carvalho - Profissionalização significa dedicação total às tarefas militares. Ela avançou bastante nas últimas décadas na Marinha e na Aeronáutica. No Exército, avançou pouco e é ele que tem, por causa de sua presença no território nacional, capacidade de controlar o país. O direito de exercer um papel político está embutido nas convicções do Exército desde 1889.

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